sábado, 21 de dezembro de 2019

A MARCHA DOS ESCOTEIROS 9: UM CRIME HORRENDO



Uma vista do alto da Serra da Bocaina, na atual Bocaiuva do Sul (PR); os escoteiros a atravessaram em 21 de dezembro de 1941
(Estamos no mês de dezembro de 1941. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina (PR), entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 21 de dezembro de 1941, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) ouvem historias de um crime horrenda ocorrido na vila de São Pedro.)

Os rapazes se puseram em marcha, depois de deixar a venda de seu Alderico Bandeira, na pequena vila de Capivari. Tinham que retomar a marcha, para recuperar o tempo que chuva torrencial da madrugada havia lhes tomado. 

As três e meia da tarde, chegaram ao pequeno povoado de Praia Grande. Pediram um café reforçado numa pequena venda de secos e molhados. Para atendê-los, uma moça loira muito bonita, que deixou a todos embasbacados. Mas eles não tinham tempo para isso. Tinham que andar. 

Neste fim de tarde, atravessaram as grandes florestas da bacia do Capivari-Pardo, dois grandes afluentes do rio Ribeira. Desde o dia anterior eles estavam nesta grande bacia. O ar do Planalto era mais fresco que o do Litoral, e as florestas, ao contrário da espessa Mata Atlântica, que percorreram desde Antonina até a Serra dos Órgãos, agora era dominado pela mata “suja” com muitas araucárias.

Num determinado trecho da floresta, os rapazes passaram por uma araucária muto grande à beira da estrada, que se destacava das demais. Parecia o Cristo redentor de braços abertos, conforme anotou Lídio em seu diário.

Logo depois de atravessarem no Rio Pardo numa ponte improvisada, eles escutaram um canto de galo. “Por aqui há alguma casa”, Chefe Beto comemorou. Dito e feito. Logo depois eles chegaram a uma pequena clareira escondida dentro de um pinheiral mais espesso. Havia muitas casas naquela clareira, além de uma grande serraria. Os rapazes logo prestaram atenção ao grande caminhão carregado de toras. Aos lados, muitas pilhas de tabuas estivadas. 

 Os habitantes da povoação receberam bem os escoteiros. O gerente da serraria os alojou numa casa desocupada. Entretanto, os rapazes não tiveram descanso. Eis que a rapaziada do local os intimou para um futebol, num gramado ali perto. Apesar de cansados, toparam o desafio. O jogo de futebol suíço foi renhido, e no final os visitantes perderam para o time da casa pelo placar de 10 a 8. Nada mal para quem tinha andado tudo que eles andaram desde cedo. 

Mas tinha mais. Manduca preparou uma janta. Especialidade: farofa de linguiça de porco, arroz, e um café reforçado com broa de milho. Logo depois, os rapazes da vila se juntaram a eles, e começou uma grande batucada. Lídio tocava uma gaitinha de boca, Canário era, claro, o cantor, e Manduca fazia a marcação com uma colher, repicando na outra. Milton se juntou aos sambistas e ficou acompanhando com um chocalho improvisado, numa latinha cheia de areia e grãos de arroz. Dos rapazes da vila, um tocava cavaquinho e outro, o pandeiro. 

Essa noite, felizes com o futebol e o samba, os rapazes tiveram sono de pedra. Cada um arrumou-se como pode. 

Quando acordaram, ao raiar do dia, trataram de cair na estrada. Lavaram-se na beira do Corguinho que banhava a vila, arrumaram as mochilas e encheram os cantis de água. As 8:00 iniciaram novamente a caminhada rumo norte. 

A paisagem era a mesma, mas agora teriam mais uma serra para atravessar, a Serra da Bocaina. Numa altura de 1400 metros sobre o nível do mar, esta serra era, entretanto, mais fácil de ser atravessada. Para isso, tinham que tomar a estrada no rumo da vila de São Pedro. 

Eram 13 horas da tarde quando pararam à beira da estrada, extenuados, para fazer uma ligeira refeição. Àquela altura, segundo Lídio, cada um deles já tinha perdido uns três quilos de peso. Segundo eles brincavam, a única coisa que tinha inchado eram as pernas, por causa das picadas de mosquitos. 

As pessoas que encontravam pelo caminho se espantavam com a estranha patrulha que encontravam no meio do mato. Quando sabiam da direção e do motivo da marcha dos rapazes, todos se espantavam: “Que gosto”, diziam alguns. "Que tolice!", diziam outros. O fato é que a presença deles ali naquele meio era bastante estranha para a população local. Não poucos olhavam para eles com desconfiança. 

Depois de atravessarem o rio Tucum, os rapazes chegaram afinal à pequena vila de São Pedro; aqui estavam próximos da estrada Curitiba-Adrianópolis, ou Curitiba-São Paulo. A vila de São Pedro, no entanto, era menos que uma vila. Era tão-somente um amontoado de casas. Os rapazes tinham a intenção de acampar ali, mas um senhor lhes ofereceu uma casa abandonada para se abrigarem da noite. A casa era velha, mas estava bem conservada. Com a ajuda de uma vassoura, os rapazes deram uma boa faxinada na casa, que ficou apresentável para o pouso. Dali a pouco, Manduca estava tirando para a turma um delicioso café tropeiro. 

No entanto, estavam faltando pães e biscoitos. Lídio foi encarregado de procurar nas imediações. Ele procurou um boteco ou venda, mas acabou não encontrando nada. No caminho de volta, chamou sua atenção um pequeno cercado com quatro cruzes. Eram recentes. Viu também uma grande mancha de carvão ao redor, parecendo ser um local que foi incendiado. 

Lídio perguntou a senhor vizinho este terreno. O vizinho contou a Lídio que aquela cena macabra era o que restava de um dos maiores crimes que havia acontecido ali no município. Ali havia uma pequena casa comercial. No cercado estavam enterrados o casal de comerciantes donos da venda, seu filho pequeno de quatro meses de idade e um empregado da casa. Eles haviam sido mortos por outro vizinho, compadre do casal e padrinho da criança. Havia sido um latrocínio puro e simples, somente com o interesse do roubo. 

O casal seu filho e o empregado foram mortos, seus corpos empilhados e queimados com querosene. 

Lídio voltou rapidamente para a casa abandonada onde estavam seus companheiros. Quando contou a história, todos ficaram apreensivos. Afinal, era, como eles tinham notado, um povoado onde todos andavam armados. As armas estavam à vista, sem o menor cuidado de escondê-las. 

Assim, desistiram de procurar mais mistura e jantaram café puro. Trancaram bem a casa e traçaram planos para o dia seguinte, onde iriam sair dali bem cedinho, deixando aquela gente desconfiada para trás.

Um comentário:

  1. Eita, que crime bárbaro! Foi uma viagem realmente aventuresca a desses meninos. Abraço!

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