sábado, 26 de agosto de 2017

ANTONINA EM 1854 (parte 5)


Os escravos viviam sendo submetidos a humilhações e castigos; na Deitada-a-beira-do-mar não foi diferente...
A escravidão sempre foi um peso na História do Brasil. Antonina também tem seus pesos a carregar. Apesar de todo o clima de euforia com a melhora da economia no início dos anos 1850, os antoninenses livres dormiam sonos intranquilos. Desde o final do século passado, a revolta de escravos que havia resultado na República Haitiana era um pesadelo recorrente.
Por outro lado, a pressão inglesa pelo fim da escravidão era cada vez mais forte. Poucos anos antes, em 1850, um navio de guerra inglês, o HMS Cormorant, havia entrado na baia de Paranaguá e capturado os navios negreiros ali ancorados.
A história oficial narra que patriotas brasileiros revidaram, e chegaram a trocar tiros de canhão com a belonave inglesa na Fortaleza da Ilha do Mel. Há uma placa comemorativa lá no velho forte sobre o tal “Incidente Cormorant”. Pelo que se depreende dos relatos, o navio inglês entrou e saiu da barra da Fortaleza como e quando quis. Os tais dos patriotas gastaram pólvora contra um inimigo poderoso e uma causa ignóbil. Mas isso é um julgamento da posteridade...
Em 1854, na Villa Antonina, de cada cinco moradores, um era escravo. Tamanho contingente despertava muito medo entre os senhores, por receio de represálias. As revoltas de escravos, diante deste medo todo, eram punidas com redobrado rigor.
 O fato é que naquela época as histórias de navios ingleses que viriam libertar os escravos eram muito comuns. Em janeiro de 1859 a cidade estava em estado de alerta com uma possível revolta escrava (ver aqui). Alguns escravos chegaram a interpelar o delegado, acusando de que este estava escondendo notícias de uma possível emancipação dos escravos. O delegado, com medo, mandou descer tropas de Curitiba e Morretes. Ao fim, nada aconteceu (ver aqui).
O medo era que se repetissem os terríveis acontecimentos de 1835. Naquela época, os escravos do armador José Luiz Gomes assassinaram seu senhor e, segundo os relatos, roubaram uma fortuna em moedas. Isso foi narrado por Ermelino de Leão no livro "Antonina, Fatos e Homens", capítulo 20, pag. 136.
José Luiz Gomes tinha um grande sítio no Pinherinho. Era armador de navios e participava do tráfico negreiro, tendo acumulado grande fortuna. Depois de assassinar seu senhor, os escravos fugitivos foram capturados e mortos, tendo seus corpos exibidos em postes por toda a área do Pinheirinho. Tempos terríveis.
A resistência dos escravos também se dava de outras maneiras. Em 1º de outubro de 1855 o preto João, de nação congo, fugiu de seu senhor Manoel José da Rosa Junior, morador da rua da Carioca em Antonina. Segundo o anúncio (ver aqui), João tinha 20 anos, era baixo e tinha pouca barba, dedos curtos, dentes afinados e olhos um pouco vermelhos. Tinha fala atrapalhada. Quando fugiu levou roupa de algodão, calças riscadas e um cobertor.
Era comum essa descrição mais ou menos detalhada. Na falta de fotos, ela garantia a identificação do escravo fugitivo. A gratificação para quem apreendesse João Congo era de 40 mil réis.  Para se ter uma ideia, um escravo custava nesta época cerca de 320 mil reis.
Em novembro de 1854 o cidadão capelista Antônio José Alves publica um anúncio no Dezenove de Dezembro (ver aqui) avisando da fuga de seu escravo Antônio. Segundo o anuncio, Antônio tinha cor parda e estatura ordinária, olhos pequenos, corpo reforçado, cabelo corredio, pernas grossas e um tanto zaimbras (o que seria isso?). Tinha ainda os pés esparramados. Quando fugiu vestia camisa e calça de algodão grosso, e um embrulho com mais alguma roupa. O senhor ainda prometia recompensa para quem lhe devolvesse Antônio, além de uma “gratidão eterna”. Ainda segundo o anúncio, Antônio tinha como profissão oficial de pedreiro.
Uma fonte de renda muito comum nesta época era o aluguel de escravos como Antônio para atividades diversas, como pedreiros, carpinteiros, etc. Eram os chamados “pretos de ganho”. Num processo de 1859 descrito por Silvia Correia de Freitas (ver aqui) descreve um caso de violência envolvendo um “preto de ganho”.
O preto Simão, que trabalhava alugado  como padeiro, foi castigado por Luís Manoel da Cunha, dono de uma Padaria na Deitada-a-beira-do-mar. Ao ser acordado de madrugada para trabalhar na massadeira de pães, Simão argumentou que não era seu serviço e foi por isso castigado com bofetadas e golpes de cabo de vassoura. Simão então levantou-se e foi para a casa de seu senhor, pois este havia lhe garantido que “não aguentasse desaforo”.
O castigo físico dos escravos era uma constante. Entretanto havia na sociedade uma ideia de que este castigo deveria ser “justo”. Em junho de 1859 foi aberto em Antonina um processo do escravo Diogo, que estava na cadeia para se avaliar seu estado. Diogo dizia estar com a costela fraturada e um braço bastante machucado.
Os presos da cadeia diziam que Diogo estava vazando sangue pelo nariz e pela boca. Não conseguia se mover e estava prestes a morrer. No entanto, todos os testemunhos, a maior parte negociantes e lavradores da cidade diziam que o escravo apanhara de seu senhor por motivo justo.
Diogo não foi interrogado no inquérito. Francisco Ferreira Correa, promotor de justiça em Paranaguá, faz um arrazoado sobre as reclamações do escravo Diogo. Diz o promotor que o senhor tinha direito a castigar seu escravo, e que o espancamento não tinha sido brutal.

A prova é que o exame de delito, efetuado cinco dias depois da queixa, mostra que o escravo não teve nenhum osso quebrado. Segundo o nobre promotor, “o corretivo consistiu em um castigo moderado, o que é permitido no parágrafo 26° do artigo 16 do Código Criminal”.

O promotor Corrêa acrescenta que o réu, o Senhor Correa, não deveria ir à julgamento. A surra em Diogo não configurara um castigo severo. Além disso, a punição de um senhor que castiga seus escravos, argumenta o promotor, “ficaria com um precedente que acarretaria consequências de desrespeito e insubordinação dos escravos para com seus senhores” (aqui).

Estas são histórias pouco edificantes da bela Antonina. Muitas outras histórias de brutalidade e desrespeito poderiam ser contadas. Essas poucas historias, terríveis, nos remetem diretamente para nosso tempo.

Apesar de já não termos escravos, quantas vezes atos semelhantes não se repetem? Quantas vezes nos calamos vendo a brutalidade ocorrer na nossa frente? Quantas vezes ainda vamos tolerar a morte banal de pessoas simples e humildes somente pelo fato de serem humildes? Como um branco (e filho de desembargadora!) sai inocente após ser preso com drogas e armas, enquanto o negro Rafael Braga continua preso por porte de Pinho Sol?


sábado, 19 de agosto de 2017

ANTONINA EM 1854 (parte 4)


Desembarque de passageiros no porto do Rio de Janeiro no século XIX. Imagine-se como era em Antonina...
A Villa Antonina estava animada em 1854, no início da emancipação da província. Eram vários os motivos para que os capelistas rissem à toa. A economia aumentava, pessoas começavam a antever um futuro melhor para os seus negócios. O principal motivo era que estava sendo desenvolvido, ainda que lentamente, um sistema de transporte de cabotagem baseado principalmente em navios a vela e que fazia a transição para navios movidos a carvão (ver mais detalhes aqui). Desde a Regência havia se iniciado uma incipiente navegação de cabotagem no Brasil. A Deitada-a-beira-do-mar era um dos pontos onde os navios atracavam.
Mas existiam vários problemas a serem resolvidos. Um deles era a falta de atracadouros. Não haviam locais bons para que passageiros e mercadorias pudessem desembarcar. Em 1858, o naturalista suíço Albert Tschudi (1818 -1889) assim descreveu o atracadouro:
Na baixa-mar, o desembarcadouro [de Antonina] é uma costa lamacenta muito traiçoeira; um dique de pedras nuas, nas quais há sempre o perigo de quebrar as pernas, não o torna nada melhor” (ver aqui).
Provavelmente o transporte de cargas e de pessoas era feito por pequenas canoas e chatas das embarcações até terra firme. Somente em 1865 o engenheiro Antônio Rebouças teve seu plano de construir uma ponte de embarque em Antonina aprovado. Não sabemos se teve sucesso ou se o atracadouro da cidade ainda teve que esperar ainda mais alguns anos (aqui).
Ainda em 1855 (ver aqui) o administrador interino da Mesa de Rendas, um dos órgãos ligados ao porto, estabelecia que o trabalho de embarque de mercadorias seria feito tão somente no lugar denominado Ponta da Pedra, no cais localizado em frente a rua Ypiranga (onde seria?). No regulamento (aqui) Pinheiro estabelece que todo aquele que “de algum ponto ou praia” se dirigirem ás embarcações terão as mercadorias apreendidas. Quanto contrabando deve ter passado....
Um relatório da Mesa de Rendas da Villa Antonina, publicada em novembro de 1854 (aqui), nos diz que, de maio a novembro, atracaram 29 embarcações no porto. Destes, 11 eram navios de pequena tonelagem, como lanchas, escunas ou iates. Estes barcos pequenos, movidos a vela, faziam transporte local, em geral para Santos, Iguape ou para os portos de Santa Catarina.
Os barcos médios, brigues ou patachos, alcançavam até 100 toneladas. Eram igualmente embarcações movidos a vela, com dois mastros e pequenas variações entre si na configuração das velas (Para diferenças, ver aqui) .  Estes veleiros faziam travessias maiores, tendo como destino Santos ou Rio de Janeiro.
As barcas eram os maiores navios. Também movidos a vento, tinham três mastros e as maiores tonelagens. O destaque no porto de Antonina naquele ano foi a barca Dianna, de 280 toneladas. Era cerca de dez vezes a tonelagem de uma escuna e ter vezes a de um brigue ou patacho. A Dianna transportou arroz, madeira e erva mate para o Rio de Janeiro.
As mercadorias, como vimos, eram produtos da terra, como arroz, madeira, telhas e cal. Por vezes, transportava-se também erva mate e farinha.
Outro destaque desta lista é o brigue Paranã. Era de Antonina, o que pressupõe um armador com porte suficiente para arcar com as despesas deste tipo de navio. Seu proprietário era Joaquim Leite Mendes. O brigue Paranã neste ano de 1854 fez duas viagens para o Rio de Janeiro, uma em maio e outra em outubro. Transportou para a Corte erva mate, madeira e arroz. Em janeiro de 1855 o Paranã publicou um artigo no Dezenove de Dezembro (aqui), em Curitiba, no qual anunciava ainda receber carga, além de oferecer “cômodos suficientes” para passageiros.
Um comercio incipiente começava a se fazer entre A Villa Antonina e a Capital. Com a chegada do conselheiro Zacarias a Estrada da Graciosa começava a ser reparada. Enfim a Graciosa deixaria de ser uma trilha de tropeiros para se tornar uma estrada carroçável. Em julho de 1855 foi expedida uma ordem (ver aqui) para o responsável pelas obras, o engenheiro Vilalva, a começar o calçamento de Curitiba até a borda do Campo e de Antonina até são João da Graciosa.
Oportunidades surgiam em todos os lados. Um comerciante capelista anuncia no jornal Dezenove de Dezembro (aqui) que dispunha armazenar e despachar cargas vindas do Rio de Janeiro para Curitiba. Diz que garante armazenagem por dois anos, com acondicionamento das mercadorias.
Outro comerciante capelista anuncia, em 1856 (aqui), a venda de terreno próximo ao mar, permitindo o acesso de embarcações e chatas. Segundo o anuncio, o terreno tem um excelente armazém construído com pedra e cal. Tem ainda um palacete construído de pedra, cal e excelentes madeiras, próxima do largo da matriz, com aprazível e elegante vista para o mar.
Neste mesmo anuncio se oferece também um armazém na Rua da Praia com 40 palmos de frente, com acomodações para família e negócio. O capitalista capelista prefere vender tudo, inclusive com escravos de ambos os sexos, a um só comprador.
Com escravos e tudo? E a gente ainda acha os nossos tempos estranhos...

sábado, 12 de agosto de 2017

ANTONINA EM 1854 (PARTE 3)


Charge denunciando o recrutamento forçado no Brasil do século XIX
As eleições no Segundo Reinado eram marcadas pela fraude e pela violência. Não raro os conflitos acabavam em brigas generalizadas. E estas brigas muitas vezes ocorriam dentro da própria Igreja, onde as eleições eram realizadas.
Não temos registros de violência nas eleições da Deitada-a-beira-do-mar. A profa. Cecília Westphalen narra uma eleição com duas vários feridos e mortes ocorrida em 1852 em São José dos Pinhais. Outra vez ainda, em 1849, uma eleição para a assembleia não foi realizada em Curitiba por causa dos distúrbios e violências. As autoridades da cidade tiveram que se refugiar em Morretes, segundo Antônio Vieira dos Santos. Uma tropa vinda de São Paulo passou por Antonina rumo a Curitiba para conter os ânimos. Mas tudo já tinha sossegado e a eleição já havia sido realizada.
Naquele tempo na província, haviam dois grandes partidos. Os Conservadores, nacionalmente apelidados de Saquaremas, eram chamados no Paraná de “Cascudos”. Os Liberais, ou Luzias, eram chamados de “Farrapos”.
As eleições de 1854 no paraná foram feitas sob a vigência da nova “Lei Regulamentar”, de 1846. Quem elaborava as listas e coordenava os trabalhos de votação eram as mesas eleitorais dos distritos. Cabia ao Juiz de Paz, juntamente com os eleitores de paroquia eleitos nas ultimas eleições montar as tais mesas. Como as mesas eleitorais escolhiam que podia e quem não podia votar, seu controle era disputado pelos partidos. Em Paranaguá o Juiz de Paz que enviou a lista de votantes era Manoel Antônio Guimarães, futuro Visconde de Nácar, destacado comerciante e membro do Partido Conservador. Nesta eleição Guimarães foi leito deputado provincial. Um dos seus genros um foi eleito deputado provincial e outro deputado geral.  Dizia-se, não sem razão, quem controlava a mesa controlava a eleição.
Em 1854 foram realizadas as primeiras eleições para senador da nova província. Como mandava a legislação, foi eleita uma lista tríplice, posteriormente enviada ao Imperador. O Senador vitalício escolhido foi o mais votado: João da Silva Machado, o Barão de Antonina. Nascido no Rio Grande do Sul, João Machado era envolvido com o comércio de tropas. Sua base era a região dos Campos Gerais, principalmente em Castro.
Não tinha nenhuma relação com a cidade que lhe conferiu o baronato. Aliás, seu título de barão foi resultado de sua lealdade ao poder imperial durante a Revolução Farroupilha e durante a Revolução Liberal de 1842. Foi também um grande incentivador da imigração alemã na província, que culminou com a fundação da colônia alemã de Rio Negro. Aos 72 anos e residente em São Paulo, esta eleição foi um momento alto de sua vida.
O poder na província do Paraná, assim como em todo o Brasil, era um privilégio dos mais ricos. As pessoas simples deveriam, neste contexto, procurar a proteção de um patrono a quem pudessem recorrer nas necessidades. As famílias mais poderosas tinham ao eu redor um grande número de agregados.
Um agregado era uma pessoa que, mesmo sem vínculos de sangue, fazia parte da família em troca de favores. Podia ser um pequeno agricultor que tinha autorização para ter sua terra na propriedade do senhor, ou algum trabalhador urbano avulso que fizesse pequenos serviços em troca de sustento.  As teias de patronagem da sociedade imperial procuravam abranger a todos, em complexas relações de favores e obrigações.  
Uma das maiores ameaças para os homens livres pobres era o recrutamento forçado. Por qualquer motivo – brigas, bebedeiras, ou vagabundagem – alguém podia ser enviado para servir seja no exército seja na marinha ou em alguma milícia. Este recrutamento forçado era utilizado com instrumento de barganha pelas autoridades, tentando conter a violência e garantir a lealdade das pessoas mais humildes.
Em geral, estes alistados a força não tardavam em desertar. O resultado é que a maior parte do trabalho policial era prender e remeter de volta estes desertores a suas unidades. Em novembro de 1854  (ver aqui) José Pereira, natural do Sambaqui, em Antonina, a pretexto de “mal comportado e vicioso” havia sido recrutado para a marinha.
Entretanto, a prisão de José Pereira havia se dado próximo de eleições, quando o recrutamento era proibido. Colocado no navio para o Rio de Janeiro, onde serviria na Marinha Imperial, José Pereira havia conseguido fugir. Agora, travava uma luta judicial para provar que não era desertor.
O transporte tanto dos recrutas quanto dos desertores – era tudo a mesma coisa – era feito da mesma forma que para os escravos.  Em 1855 o delegado de Policia de Antonina foi ressarcido pelo transporte de “recrutas e desertores” de Antonina para Paranaguá (ver aqui). Para tanto, o delegado José Dias Barbosa havia comprado correntes, gargalheiras, algemas e cadeados para o transporte. Foram transportados ao todo onze desertores e três recrutas (ver aqui). 
(Continua)

domingo, 6 de agosto de 2017

ANTONINA EM 1854 (parte 2)


"Bazar eleitoral”, charge de Ângelo Agostini, publicada em “O Cabrião”, 1867 (ver aqui).
Uma vez que no Brasil Imperial a igreja fazia parte do estado e a religião católica era a religião oficial, a construção e manutenção das igrejas era um assunto público. Frequentemente se vê nos jornais da época relatórios oficiais tratando destes temas. No Dezenove de Dezembro de 1866, há um relatório sobre as principais igrejas da província (ver aqui). Entre elas, a da Deitada-a-beira-do-mar.
Consta que a matriz de Antonina sofreu reparos gerais em 1860, financiados com “esmola dos fiéis e auxilio da câmara”. Faltava, entretanto, para conclusão das obras a colocação do forro, um altar lateral e corredores. O texto também diz que a torre estava com a cúpula arruinada, necessitando de “prompto comcerto”, reboque e caiação. Segundo o texto, o orçamento para esta última etapa era de 5 contos de reis (aproximadamente 500 mil reais em valores de hoje). Já as igrejas de São Benedito e Bom Jesus do Saivá ainda vão em andamento, “com os auxílios dos fiéis e a pequena consignação dada pela província”.
A morte em Antonina, como na maior parte do Brasil, era um evento. E um evento público, que poderia e deveria ser assistido por todos. Não era raro que o quarto do moribundo fosse tomado por uma multidão. Em 1855 os irmãos Francisco Antônio, José Candido e Ignacio José de Souza publicam uma nota no jornal (ver aqui) onde agradecem aos que acompanharam o funeral de seu pai. Os irmãos também agradecem aos que “acompanharão os acima em seus desgostos”, ou seja, na hora da morte.
Nos funerais deste período o prestigio e a salvação do morto eram garantidos com funerais numerosos. Quanto mais gente e mais barulho, o funeral tinha tudo para ser bem-sucedido. Segundo as crenças da época, garantia a salvação da alma. Embora já estivesse em desuso, era comum a presença de muitos padres para acompanhar o funeral. Bento Soares da Costa e dona Maria Joaquina Soares da Rocha, além de agradecer as pessoas que acompanharam os funerais de sua filha Anna Bernardina, agradecem também aos padres Antônio Machado Lima e Jordão Homem Pedroso (ver aqui).
Os defuntos eram enterrados com roupas de suas irmandades. No caso de oficiais da Guarda Nacional, eram enterrados com seus uniformes de gala. Crianças eram enterradas com roupas de anjos, os “anjinhos”.
Os funerais, assim como os de hoje, eram feitos imediatamente após a morte, no máximo no dia seguinte. Em setembro de 1856, Joaquim Antônio dos santos Souza publicou matéria no jornal dezenove de dezembro em que reclama do vigário de antonina. O padre João Homem Pedroso, por “capricho indiscreto”, havia retardado o translado do corpo de sua mãe. A senhora fora enterrada no cemitério de Morretes, quarenta horas após seu falecimento (ver aqui).
As igrejas, neste tempo também eram importantes por que ali é que se realizavam as eleições. Afinal, os distritos eleitorais eram divididos em Paróquias. Pode parecer estranho ao leitor de hoje, mas, num regime em que a Igreja era atrelada ao Estado tem uma certa lógica. Em geral, as igrejas eram os maiores e os mais bem construídos prédios de uma cidade ou vila. Era natural que o Estado usasse deste fato para ali fazer as votações e a apuração dos votos.
Só podia votar neste tempo a população masculina livre que podia comprovar uma certa renda anual de 100 mil réis. Não era uma renda alta, mas já excluía muita gente. Cada distrito, pelo número de pessoas aptas a votar, os eleitores de paróquia, elegia um certo número de “eleitores de província” para o colégio eleitoral. Era este Colégio Eleitoral que escolhia os deputados provinciais e os deputados que iam a corte.
Com a emancipação do Paraná a Província, inúmeras modificações estavam sendo feitas. Em 1855 foram criados os colégios eleitorais de Antonina Morretes e Porto de Cima, independentes de Paranaguá (ver aqui). Em 1856 Antonina tinha 8 eleitores (ver aqui), contra os 3 eleitores de Porto de Cima, os 7 de Morretes e os 26 de Paranaguá.
Para ser candidato a eleitor, ou seja, para participar do colégio eleitoral, o cidadão tinha que comprovar uma renda mínima de 200 mil reis. Candidatos a Deputado deveriam ter uma renda mínima de 400 mil reis e para senador essa quantia chegava a 800 mil reis. Eleições no Brasil imperial era um assunto da elite.Não é de estranhar que as listas de eleitores eram geralmente encabeçadas pelos comerciantes e fazendeiros mais ricos de uma determinada localidade. A lista de eleitores de Paranaguá em 1856 era liderada por Manuel Antônio Guimarães, o Visconde de Nácar. Em Antonina e Morretes as listas eram preenchidas com nomes de pequenos comerciantes e agricultores.
As eleições se realizavam no dia 31 de dezembro. Os trabalhos se iniciavam com uma missa solene na igreja. Não raro, as pessoas iam a esta missa com seus melhores trajes. Era comum que os integrantes da Guarda Nacional de cada localidade fossem nestas missas com seus melhores uniformes, cheios de galonas e medalhas.  Depois, a comissão eleitoral tomava posse do edifício e a eleição era feita.
(continua)