terça-feira, 19 de dezembro de 2017

ANTONINA CRIA...E O MUNDO COPIA (1)



Todos sabem da genialidade antoninense. Nesta formosa baía, que foi um presente do mar, foram engendradas algumas das mais importantes invenções da humanidade. Embora a humanidade não tenha sido avisada, claro está.

Dessa vez, nossas pesquisas apontam para mais um invento genial de um bagrinho também genial e que estão na base de nossa vida cotidiana. Falo do computador pessoal e da linguagem binária, criados em Antonina no final dos anos 70 por ninguém mais ninguém menos que Rellen Salu Berght.

Compositor genial, digno filho de uma terra de tantos compositores, o pequeno e esguio Rellen, vulgo Ratete, sempre foi acima da média. O que poucos sabem é que Rellen além de seus dotes de músico, também tinha um talento matemático e mecânico invulgares para sua época. Um talento desses que só surgem na Deitada-a-beira-do-mar, evidente.

Rellen então procurava uma máquina que fizesse o samba-enredo perfeito para o carnaval. Depois de muito queimar as pestanas, ele combinou uma televisão velha Philco e uma maquina de escrever Olivetti e juntou as duas numa geringonça só. Para compor os sambas, Rellen bolou uma linguagem matemática que pudesse representar o batuque de nossas escolas de samba. Mas afinal, o que seria essa linguagem matemática próxima do batuque?

Genial como sempre foi, Rellen associou o batuque a um padrão numérico. O um para a batida do surdo e o zero para o tempo, combinando várias seqüências com as ordens 01010101010. Essa, segundo Rellen, era a linguagem dos batuques. Esse processo demorou vários anos, até que, em 1982, Rellen chegou à perfeição. A máquina começou a suar e bufar, apitando e se agitando freneticamente. Na tela da tevê, acoplada a maquina de escrever, começou a surgir uma composição e uma melodia: “Sonhei que era carnaval, festa do povo/ Que bom seria...”.

Rellen correu para mostrar a todos o resultado de seu invento. Cabeça avoada que sempre foi, esqueceu a máquina ligada e a porta aberta. Por ali, nesse instante, passavam dois gringos, dois jovens nerds que foram mandados pelos pais para o Brasil para se divertirem e relaxar, pois não sabiam nada da vida. Dois babacões, que não sabiam pegar mulher, mas sabiam tudo de matemática e mecânica. William Gates e Steve Jobs eram seus nomes.

Estupefatos com a máquina que estavam vendo, os dois copiaram rapidamente os manuscritos de Rellen deixados em cima da mesa. E traduziram a linguagem dos batuques por “baituques”, cujo nome depois seria simplificado para bites. E deram no pé com os manuscritos, enquanto Rellen, vestido de conde, cantava sua glória na avenida do samba.

E o resto da história todos já sabem.  

(texto publicado primeiramente aqui)

quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

CHICA GARIMPEIRA

Chica Garimpeira na entrada de uma boca de lavra/2008

Estes dias estive visitando umas áreas de Francisca Alves Barroso, a Chica Garimpeira. Num universo masculino como é o universo garimpeiro, uma mulher como Chica, dona de draga na lavra do Vermelho durante muitos anos, é um fato impressionante.
Separada, trabalhou em frigoríficos, casas de família, em lojas. Tinha três filhos pra criar. Um dia, um tio a chamou pra ir trabalhar com ele numa draga no Crixás. Ela foi e nunca mais saiu deste universo. Veio para Cavalcante (GO) e, nas barrancas do Vermelho e do Tocantins, criou seus filhos e comprou seu pedaço de chão. Foi garimpeira e professora municipal.
Em 2003, com as obras da barragem, perde a draga e a área de garimpo. Até a escola onde dava aula foi inundada. Entra no movimento dos atingidos por barragens, o MAB, e vira uma ativa liderança local. Ganha 10 mil reais de indenização. “Mixaria”, diz, revoltada. Questões por posse de terra com vizinhos já levaram, segundo ela, um neto e um sobrinho. Diz que não quer vingança, e que Deus proverá. “Aqui se faz, aqui se paga”, arremata.


E lá vai ela. Andando firme pelo cerrado, subindo e descendo morro, de chinelo de dedo e uma bolsa feminina no braço, vai me mostrando as áreas que quer negociar. “O que é? pra que que serve? Tem utilidade?“ Tudo tem que ter utilidade na vida de Chica Garimpeira. Tem que botar o feijão na mesa, tem que criar os filhos e netos. A filha mais velha mora em Londres. Chica tem pressa, muita fé em Deus e muito ódio no coração para com os assassinos de seus meninos. Hoje, com o tempo e os filhos já criados, ela quer sossego, um pedaço de terra e muito trabalho de roça pra fazer. Que pessoa impressionante essa Chica Garimpeira...

(essa é uma crônica de 2008, quando eu trabalhava Com exploração Mineral em Goiás) Ver aqui

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

CRONICAS DO DUTO - ROMARIA (4)


A basílica de Aparecida; minha romaria chegou até lá!
Em meio à correria que foi minha permanência nas obras do duto Atibaia-Taubaté, consegui fazer algumas coisas interessantes. Conheci um pouco mais o vale do Paraíba, e percebi que estava perto de alguns lugares chave de nossa historia e de nossa cultura.

Tive o privilegio de trabalhar nas margens do rio Buquira. Ora pois, houve um cidadão que, tendo uma fazenda nas margens deste rio, meditou muito sobre os problemas da agricultura, do homem e do Brasil, que foi exatamente Jose Bento Monteiro Lobato.
Em Caçapava, visitei o museu do 6º RI, um dos pilares da antiga FEB, responsável sozinho pela captura da 148ª divisão alemã, já no fim da guerra. Com meu amor, visitei campos do Jordão, e conheci um pouco da cidade, a flor da serra da Mantiqueira.
E principalmente, conheci Aparecida. Eu achei que nunca fosse fazer uma peregrinação a aparecida. Mas fui indo, indo e no final estava lá eu, andando pelas naves da imensa basílica, vendo as pessoas colocando velas e fazendo preces. Claro, como xodó de igreja velha que sou, preferi mil vezes a basílica velha, que está sendo reformada.
Lá dentro, me encantei com a imagem da santa, com os desenhos, com a história, com a arquitetura. Mas me encantei mais com as pessoas e sua fé. Você via a fé das pessoas. Você via pelo rosto das pessoas o seu desejo de estar em comunhão com o divino.
Vi um senhor, meio velhinho, que estava lá com a família. Ele se foi chegando pra perto do altar, tímido, passo por passo, temeroso. Perto do altar, ele começou a fazer algo como se fosse uma oração em silencio. Era nítido que ele estava pedindo alguma coisa ao divino. E era bonito de ver, no meio de todo aquele seu maljeito, que ele conseguiu: na volta pra encontrar a mulher os filhos e os netos, o rosto dele era só luz.
Me comovi tanto, que também rezei. Rezei uma reza meio tatibitate, de quem não tem jeito pra coisa. Rezei por mim, por ti, por nós. Talvez, como na musica, já que não sabia mais rezar, o certo era só mostrar meu olhar, como o velhinho que havia visto fazia pouco. Mas já estava bom.

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

OS VERMES FELIZES


tirei daqui
As chuvas estão cada vez mais intensas. Os temporais se avolumam, felizmente sem muito vento. Faz até um tempo mais fresco e agradável. No interior de Goiás, quando esse tempo começava, o pessoal dizia, com o acento característico: “invernô baum”.
O solo ainda não está encharcado, e as frutas “da água” começam a dar suas flores: nosso pé de acerola já começou a dar umas florzinhas tímidas e azuladas. Os passarinhos felizes saem a procurar alimento. Pardais vasculham a grama a procura de minhocas.
Os insetos zunem felizes com o calor e a umidade. Ficamos preocupados com os mosquitos: já houve um caso de chukungunha no bairro. Potes, vasos e utensílios domésticos devem ser virados pra baixo, pra não deixar a agua acumular.
De todos os animais do jardim, os mais felizes, entretanto, são os vermes da composteira. Cada vez que vou jogar alguma coisa por lá eu vejo que eles aumentaram em quantidade. Eles vivem numa superabundância. O calor, a umidade e a oferta contínua de alimento fazem vermes gordos e felizes. Restos de mangas e coisas moles e doces são as primeiras coisas a serem atacadas. É uma comilança feliz.
Estes dias, ao voltar da composteira, pensei nos projetos do governo golpista. O paralelo é claro. Estamos num momento em que tudo é feito com a maior desfaçatez. Milhões são aprovados em renúncias fiscais, em liberação de verbas parlamentares, em distribuição de cargos. Tudo em superabundância, como os vermes da composteira.
Nós, do outro lado, estamos em contenção de despesas, contingenciamento, penúria e escassez. Sem falar dos milhões de desempregados. A chuva e o calor ainda não chegaram.
Os vermes felizes e protegidos. Semana passada, ao tomar posse, o superintendente da Policia Federal fez um discurso obsceno sobre malas e provas. Mas ninguém prestou atenção. No máximo, umas figurinhas de “grr” no facebook.
Índios e pequenos posseiros continuam ameaçados por grileiros e capangas dos fazendeiros. Não há mais proteção, não há mais pudor. O sangue escorre dos grotões.
Nas cidades, pipocam aqui e ali os projetos da grife “Escola sem partido”. Com o discurso da moralidade, a censura ameaça as escolas e os professores. Só falta começar abertamente a caça às bruxas.
Faz calor, o mormaço se instala. O ar fica mais “pesado”, os insetos se agitam. O céu escurece. Vai chover. Os vermes, felizes, prosseguem sua faina de comer e comer e comer.
Parece que nada detém os vermes. As pessoas que diziam combater a corrupção estão felizes. O governo popular que os incomodava está por ora afastado. Os deputados e o presidente golpista estão perto de cercear a Policia Federal: uma mala cheia de dinheiro não prova nada.
Os tais dos meninos liberais estão assumindo sua cara de ogro e provando que o liberalismo brasileiro não é tão liberal assim. Os liberais de 64 aplaudiram a deposição de João Goulart, assim como os liberais da República Velha eram coronéis mandões e os do império não se opuseram a principio contra a escravidão. A perseguição moralista e censuradora que os jovens liberais fazem aos artistas e à liberdade artística está de acordo com as ideias autoritárias dos que querem a volta do autoritarismo militar. Tudo certo.
Os vermes continuam. A “suruba” dos vermes não para.
A primavera se desmancha em calor e umidade. Nuvens negras passeiam livremente pelo céu. Céu roxo, cinza chumbo, como diria o poeta. O pais assiste mudo à catástrofe que se aproxima.
Vamos permitir?
Os vermes – e só os vermes – estão felizes.