legenda auto-explicativa (tirei daqui) |
Eu não amo o Brasil. Por que deveria amá-lo?
Houve uma época em que eu sinceramente acreditei no conto do
Patriotismo. A época era outra. Eu também. Na escola cantávamos o Hino Nacional,
sempre com medo de errar – afinal, era “amor eterno” ou “sonho intenso”? E aquele papo de “amor febril pelo Brasil? ”. Queriam por todo modo que fossemos todos
febris e destemidos.
Além dos hinos, haviam os contos militares nos livros de história,
contando anedotas como a da frase heroica de Caxias na ponte de Itororó,
conclamando: “Quem for brasileiro que me siga!”. Em todos os cantos havia o chamado a
amar a Pátria, amar a bandeira, amar o hino. Por trás de tudo, na sala da Diretora, estava um
general carrancudo numa foto.
Quantas vezes haviam concursos de redação com o tema
patriotismo? Quantas bobagens não escrevemos contando que a cor de nossa
bandeira eram os nossos recursos naturais (na verdade, o verde-amarelo eram as
cores da Casa de Bragança!). Ou então dando exemplos históricos de patriotismo
no Brasil, que recolhíamos em livros não muito rigorosos com a verdade histórica.
O patriotismo do tempo da Ditadura, no entanto, acabou-se
que era doce quando a classe média não tinha mais como comprar fuscas ou
passear em Buenos Aires e tomar uma cueca-cuela.
A popularidade do governo militar e seus tecnocratas despencava na medida em
que a economia vacilava. Entretanto, eu ainda não entendia aquilo tudo. Venho
de uma família muito nacionalista, tanto de direita quanto de esquerda. O nacionalismo
era o que nos unia. Por vezes, mesmo já me considerando de esquerda, eu me
espantava, quando era rapaz, com as pessoas que criticavam o patriotismo ou que
criticavam o Brasil. E o Amor Febril?
Com o passar do tempo, aquelas historias militares e aquele
verde-amarelismo tosco foram sendo substituídos por sentimentos diferentes. Entendi,
no começo da juventude, lutando pelas Eleições Diretas para presidente (DIRETAS JÁ!), que eu
não amava mais o Brasil varonil das canções militares, aquelas que nos diziam
que devíamos viver pela Pátria e morrer sem razão.
Como posso amar esse pais que se pinta todo de verde-amarelo
somente às vésperas de uma Copa do Mundo, com uma bandeirinha tímida na porta
das casas? Como amar o pais que no passado tinha como lema que se devia ama-lo ou
então ir embora – “Brasil ame-o ou deixe-o”?
Que amor é esse?
Hoje, eu entendo este amor diferente. Eu não amo o Brasil
dos manuais de Patriotismo, aquele que diz que patriotismo é amar e respeitar
os símbolos: bandeira, brasão, hino. O patriotismo brasileiro é sui-generis: você
tem que amar uma pátria que não te representa? Que no passado escravizou nossos
avós negros e índios? Como amar um pais hoje que não respeita os direitos dos
cidadãos mais pobres? Que não garante liberdade, pão e terra para todos? Como falar
que o brasileiro não tem patriotismo se a Pátria ela mesma não tem
brasileirismo?
Como amar um país cindido em dois, um Brasil branco e rico e
o outro, preto e pobre? Um país onde os trabalhadores mais humildes sofrem com
a exploração de mão de obra, com falta de acesso ao estudo, sem perspectiva de
melhorar sua vida?
Eu não amo o Brasil. Eu amo os brasileiros, aqueles que
extraem algum sentido do lugar sem sentido onde vivem.
Por outro lado, não se ama um país com o qual não temos laço
– de família, de história, de vida. O patriotismo tal como inventado lá atrás na
Revolução Francesa tinha este sentido – proteger a nós e os nossos dos “feroces soldats” da tirania. Na Primeira
Guerra Mundial, em nome deste tal patriotismo, milhões de pessoas morreram como
bois no matadouro pela conquista de alguns metros de terreno, ou pela glória de
algum general.
O nazismo e o fascismo também foram exemplos acabados de
como fazer de pessoas honestas soldados ferozes e cruéis, as buchas de canhão
do patriotismo. E assim, juntando os exemplos históricos que conhecemos, não há como não
concordar com a famosa frase de Samuel Johnson (1709-1784): “o patriotismo é o último refúgio do canalha”.
Portanto, eu não amo o Brasil. Não amo seus símbolos. Acho
um absurdo ficar falando de patriotismo sem cidadania. Um pais que teve
escravos e não tem políticas de ações afirmativas decentes é um pais a se amar?
Devemos amar o Brasil como as pessoas que pregam intervenção militar dizem? Felizmente
para nós, tem um problema: os militares não amam a Pátria, amam seus empregos...
Hoje, muitos outros usam o Patriotismo para ações de ódio e
de xenofobia. Se escudam em noções e conceitos antiquados (e fascistas) para
dizer não ao outro, ao estrangeiro. Houve até a piada-pronta de um grupo que protestou
na Avenida Paulista contra a imigração (ver aqui). Como disse um humorista de plantão, “no Brasil somente os Índios tem este
direito. E ali na passeata não se viu índio nenhum”.
Eu amo as pessoas que eu amo, e isso não tem país. Hoje,
posso dizer que tenho amigos pelo mundo. Eu amo minha terra não porque ela é
minha terra, mas porque ali estão minhas raízes, minha família, meus amigos. Tudo
isso e mais uma paisagenzinha bonita, tipo uma tarde de verão na Feira-mar, em
Antonina, e está feito o estrago...
Patriotismo não. Sentimento do mundo sim. Ao Brasil, eu
prefiro os brasileiros.