segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

REBELIÃO ESCRAVA EM ANTONINA (FINAL)


Estava tudo uma balbúrdia: os escravos em Antonina tentavam uma rebelião!
 O delegado Alves D´Araújo estava preocupado. O suplente de delegado, em sua ausência, havia escrito ao govenador solicitando uma atitude. Essa atitude, bastante rápida aliás, havia sido o deslocamento de tropas de Curitiba para Antonina, assim como colocar o efetivo da Guarda Nacional de Antonina e de Morretes em alerta. E assim foi feito. Em janeiro de 1859 Antonina parecia uma praça de guerra.
Os soldados acampavam no campo da Matriz, e os cavalos ficavam por ali, pastando em meio as vacas. Uns e outros assavam ali uma carne bovina num fogo de chão. Outros soldados, com conhecidos no lugar, tiravam uma sesta e comiam uma sopinha quente dentro das casas. Outros tantos soldados ficavam, com seus cavalos e utensílios, acampados nos matos da entrada da cidade, próximo as ruinas da igreja do Saivá, em meio as vacas e as ruinas dos engenhos de mate semidestruídos.
Os escravos, ressabiados, haviam se recolhido, e cochichavam as escondidas. Uns diziam que o próprio Imperador havia libertado os escravos. Outros diziam, como haviam dito uns dias antes ao próprio delegado, que um navio inglês estaria no porto para assegurar a liberdade dos cativos. A esperança, assim como a ansiedade, era grande.
No entanto, nada aconteceu. Não veio navio inglês, e o Imperador tirava seus cochilos em Petrópolis e nem sabia dos pobres escravos de Antonina, que teriam que se virar à sua própria sorte. Como, aliás, sempre tinham feito.
Ao final do mês, já mais tranquilo, o delegado Alves D´Araújo emitiu um ofício onde deu por encerradas as preocupações dos donos de escravos do lugar, e as tropas voltaram a seus cantos de origem.
Não havia sido a primeira vez que a população branca da cidade havia se assustado com uma rebelião negra. Cerca de trinta anos antes, os escravos do industrial José Luiz Gomes, dono de um Estaleiro e de plantações de cana no Pinheirinho, haviam se revoltado, matado o seu patrão e fugido, segundo alguns levando moedas de ouro e cobre, para a costeira de Guaraqueçaba, onde foram caçados e mortos. Seus corpos foram estraçalhados e exibidos para “exemplo” em postes pelas estradas do município.
Nesta nova rebelião, entretanto, haviam alguns elementos novos: desde 1850 o tráfico negreiro havia sido extinto, boa parte por pressão das canhoneiras inglesas. Não era a toa que os escravos se referissem a um navio inglês. Havia uma certa esperança, entre os escravos, de breve libertação que, afinal, se mostrou “lenta, gradual e segura”, como só a elite brasileira consegue realizar.
No entanto, para os escravos restou somente a negociação de sua liberdade, num processo lento e demorado. Teriam que “comprar” sua alforria, caso por caso. Muitas vezes pediriam a alforria em processos judiciais contra um judiciário tendencioso, como o daquela época (!?). Teriam que procurar proteção nas irmandades religiosas, como a irmandade de São Benedito.
Finalmente, teriam que negociar a liberdade dos recém-nascidos com a lei do ventre livre (1871) e a dos idosos com a lei dos sexagenários em 1885, quase as vésperas da abolição. A abolição em Antonina foi tardia. No 13 de maio ainda haviam muitos escravos que foram “libertados” por seus senhores, como se já não houvessem sido pela lei Aurea.
Sem contar que não foi dada, como já na época se exigiam os movimentos abolicionistas, de alguma “reparação” aos escravos libertados. Esta reparação seria necessária, argumentavam estes grupos, para que os agora ex-escravos pudessem entrar de maneira digna no novo mercado de trabalho que então se formava no país. Nada foi feito, como se sabe.
Quem se maravilha com as centenárias construções da bela Antonina tem a real noção de que estas belezas foram construídas com trabalho escravo?
Quem hoje passa pela Igreja de São Benedito, ou ouve uma escola de samba antoninense poderia imaginar quanta dor e sofrimento andaram por estas ruas?


PS – a história é verídica: Para saber sobre a Revolta Escrava em Antonina e os documentos citados basta consultar o trabalho da historiadora Sílvia Correa de Freitas (http://revistas.ufpr.br/vernaculo/article/viewFile/18073/11777_);

domingo, 15 de janeiro de 2017

REBELIÃO ESCRAVA EM ANTONINA!

batuque na cozinha, Sinhá não qué!
Em 15 de janeiro de 1859, o suplente de delegado Joaquim Leite Mendes estava desesperado com as notícias que estava recebendo. Com o olhar preocupado, tirou o chapéu e deu uma olhada pela janela. Lá fora, um semelhante dum calor, ele via os urubus pousados no telhado de asas abertas, depois da chuva que recém caíra e esperando a chuva que ia cair mais tarde. O morro do Feiticeiro estava semi-encoberto por uma nuvem fina. O ar estava abafado, mormacento.
Leite Mendes preocupava-se, pois o delegado Alves d’Araújo estava em viagem para a Vila do Príncipe [hoje Castro]. Que fazer? Depois de raciocinar olhando os telhados pela janela, tomou sua decisão. Pegou uma folha de papel, a pena e a tinta, sentou-se à mesa e, com sua fina caligrafia, começou a redigir um ofício endereçado ao governador da província, Francisco Liberato de Matos: “ontem estava este Município de Antonina  exposto a uma próxima sublevação de escravos sob protesto de sua liberdade geral que lhes foi conferida mas que foi negada por pessoa suspeita da cidade”.
Sim, a cidade de Antonina estava na iminência de uma sublevação de escravos! Como se daria isso? Leite Mendes tomou da pena e voltou a escrever: “servindo-se eles de dois grandes bailes denominados congadas que há muito tempo fazem todas as noites nesta cidade a pretexto de ensaio para sua festa de São Benedito”, explicou ele ao governador em sua caligrafia redonda. O tal do levante “terá lugar segundo consta no dia 20 deste mês, para por esse meio de reunião transmitiram essa notícia a escravatura dos sítios e consequentemente preparavam-se para o fim do sinistro plano”, explicou Leite Mendes.
Era o meio da tarde. Mas que fazer? A carta tinha que ir á Curitiba ainda aquele dia. Leite Mendes procurou um dos tropeiros de sua confiança, que estava com os cavalos amarrados ali no campo, perto da matriz. Sim, o tropeiro garantiu, um deles iria a Curitiba dentro de pouco tempo. Ia dormir em algum lugar da serra, mas antes do meio dia estaria chegando a Curitiba. Leite Mendes entregou-lhe a carta endereçada ao Governador e voltou pra casa, mais aliviado. Tinha cumprido sua missão.
Durante os dias que se seguiram, Curitiba e o litoral viveram momentos de angustia. As autoridades estavam simplesmente apavoradas com a possibilidade de um levante escravo em Antonina. Cartas foram endereçadas para Morretes e Paranaguá, prevenindo os senhores de escravos antes que a fagulha da revolta se espalhasse. O medo tomou conta das casas, e nem as tempestades de verão no final do dia davam algum alento aos patrões.
O governador mandou reforço policial para Antonina, enviando o Capitão Manoel Eufrásio de Assumpção e mais quatro soldados. Estes deveriam arregimentar os soldados disponíveis em Porto de Cima e Morretes. Assim reforçados, a brava tropa policial entraria em poucos dias numa Antonina em polvorosa, assustada com a possibilidade de um levante de escravos.
O próprio delegado Alves d´Araújo, no dia 19 de janeiro, quando retornou de sua viagem foi, ele mesmo, interpelado por alguns pretos mais desaforados. Estes exigiam que ele lhes desse a liberdade a que eles, os pretos, já tinham direito. Alves d´Araújo, é claro, não sabia de nenhuma alforria. “Mas tem sim”, disseram-lhe os pretos. Segundo os escravos, havia uma ordem de libertação geral direta da Coroa, e ele, Alves d`Araújo, estava, por interesses escusos e perversos, negando a eles conhecer a verdade. Havia, inclusive, um navio inglês chegando ao porto para protegê-los e fazer os senhores aplicar a lei.
Como diríamos hoje: que surrealista! Como diriam os antigos, que maçada!! Haverá então uma revolta escrava em Antonina? O que acontecerá?

(postado originalmente em janeiro de 2013)