Estava tudo uma balbúrdia: os escravos em Antonina tentavam
uma rebelião!
O delegado Alves D´Araújo
estava preocupado. O suplente de delegado, em sua ausência, havia escrito ao
govenador solicitando uma atitude. Essa atitude, bastante rápida aliás, havia sido o
deslocamento de tropas de Curitiba para Antonina, assim como colocar o efetivo
da Guarda Nacional de Antonina e de Morretes em alerta. E assim foi feito. Em janeiro de 1859 Antonina
parecia uma praça de guerra.
Os soldados acampavam no campo da Matriz, e os cavalos
ficavam por ali, pastando em meio as vacas. Uns e outros assavam ali uma carne
bovina num fogo de chão. Outros soldados, com conhecidos no lugar, tiravam uma
sesta e comiam uma sopinha quente dentro das casas. Outros tantos soldados ficavam,
com seus cavalos e utensílios, acampados nos matos da entrada da cidade, próximo
as ruinas da igreja do Saivá, em meio as vacas e as ruinas dos engenhos de mate
semidestruídos.
Os escravos, ressabiados, haviam se recolhido, e cochichavam
as escondidas. Uns diziam que o próprio Imperador havia libertado os escravos.
Outros diziam, como haviam dito uns dias antes ao próprio delegado, que um
navio inglês estaria no porto para assegurar a liberdade dos cativos. A
esperança, assim como a ansiedade, era grande.
No entanto, nada aconteceu. Não veio navio inglês, e o Imperador
tirava seus cochilos em Petrópolis e nem sabia dos pobres escravos de Antonina,
que teriam que se virar à sua própria sorte. Como, aliás, sempre tinham feito.
Ao final do mês, já mais tranquilo, o delegado Alves D´Araújo emitiu um ofício
onde deu por encerradas as preocupações dos donos de escravos do lugar, e as
tropas voltaram a seus cantos de origem.
Não havia sido a primeira vez que a população branca da
cidade havia se assustado com uma rebelião negra. Cerca de trinta anos
antes, os escravos do industrial José Luiz Gomes, dono de um Estaleiro e de
plantações de cana no Pinheirinho, haviam se revoltado, matado o seu patrão e
fugido, segundo alguns levando moedas de ouro e cobre, para a costeira de Guaraqueçaba,
onde foram caçados e mortos. Seus corpos foram estraçalhados e exibidos para “exemplo”
em postes pelas estradas do município.
Nesta nova rebelião, entretanto, haviam alguns elementos
novos: desde 1850 o tráfico negreiro havia sido extinto, boa parte por pressão
das canhoneiras inglesas. Não era a toa que os escravos se referissem a um
navio inglês. Havia uma certa esperança, entre os escravos, de breve libertação
que, afinal, se mostrou “lenta, gradual e segura”, como só a elite brasileira
consegue realizar.
No entanto, para os escravos restou somente a negociação de sua
liberdade, num processo lento e demorado. Teriam que “comprar” sua alforria,
caso por caso. Muitas vezes pediriam a alforria em processos judiciais contra um judiciário
tendencioso, como o daquela época (!?). Teriam que procurar proteção nas
irmandades religiosas, como a irmandade de São Benedito.
Finalmente, teriam que negociar a liberdade dos recém-nascidos
com a lei do ventre livre (1871) e a dos idosos com a lei dos sexagenários em
1885, quase as vésperas da abolição. A abolição em Antonina foi tardia. No 13 de maio ainda haviam muitos escravos que foram “libertados” por seus senhores, como se já não houvessem sido
pela lei Aurea.
Sem contar que não foi dada, como já na época se exigiam os
movimentos abolicionistas, de alguma “reparação” aos escravos libertados. Esta reparação seria necessária,
argumentavam estes grupos, para que os agora ex-escravos pudessem entrar de
maneira digna no novo mercado de trabalho que então se formava no país. Nada foi
feito, como se sabe.
Quem se maravilha com as centenárias construções da bela Antonina
tem a real noção de que estas belezas foram construídas com trabalho escravo?
Quem hoje passa pela Igreja de São Benedito, ou ouve uma
escola de samba antoninense poderia imaginar quanta dor e sofrimento andaram
por estas ruas?
PS – a história é verídica: Para saber sobre a Revolta
Escrava em Antonina e os documentos citados basta consultar o trabalho da historiadora
Sílvia Correa de Freitas (http://revistas.ufpr.br/vernaculo/article/viewFile/18073/11777_);