Casemiro e Vini comemorando o gol Nelson Almeida/AFP encurtador.com.br/fvxBV |
Uma tarde de chuva fria e fina aqui em Barão Geraldo, após um
jogo de Copa de Mundo também muito chorado. No Qatar, a seleção brasileira venceu
a seleção da Suíça por um magro 1 a 0 e está classificado para as oitavas de
final, assim como a forte seleção francesa.
Depois do primeiro jogo, na última quinta-feira, está mais
comum ver pessoas com a camisa verde-amarela nas ruas e nas imagens. Apesar da
overdose de gente com camisas amarelas no noticiário esportivo e também no
noticiário político, percebi uma grande diferença: desta vez, em sua maioria,
quem está vestindo literalmente a camisa são, em sua maioria, corpos negros.
Eu vi uma coreografia ensaiada por um grupo da Maré, no Rio de Janeiro, liderados pelo influenciador Raphael Vicente, e que ficou linda
maravilhosa. Inspirados numa música de Shakira, ali eu vi a ginga e a alegria
que temos nos campos e nas comunidades. Ali eu vi que só quem pode ressignificar
esta camiseta é o povo. E o povo já fez isso. Os outros, da nossa arrogante
classe média branca, estão por aí, tristes, rezando e tomando chuva.
Estes brasileiros, aliás, estão lá nos estádios da Copa, semi-europeus,
torcendo para os negros e pardos que, lá no gramado, fazem do futebol
brasileiro uma arte. São estes brasileiros classe média que, do alto de seus privilégios,
ainda conseguem atacar Gilberto Gil, nosso espírito iluminado. Que as areias do
deserto se fechem sobre eles, e que mestre Gil siga nos trazendo a Paz.
Hoje decidi assistir ao jogo sozinho no meu sofá. Tive alguns
momentos um receio e um dejá-vu: a última vez que havia feito isso foi no tenebroso
7 a 1. Mas já sou bem velhinho e experiente para saber que o jogo é jogado lá
no Qatar e nada que eu faça, como ir ao banheiro, fazer uma pipoca, se enrolar
na bandeira, beijar uma figa, nada disso resolve. Ou resolve?
O fato é que foi um jogo muito tenso. Mais experientes que
os sérvios, os suíços, se não reeditaram o famoso ferrolho helvético dos anos 1950, também
não deram muita folga pra gente. Outro fato é que os suíços jamais haviam
perdido para o Brasil em Copas do Mundo.
Hoje um pouco menos vibrante, a esquadra brasileira também não
jogou mal. Teve destaques fortes em Vini Jr e em Casemiro, este último esperto e
inteligente no chute ao gol. Mas ninguém foi mal. Sequer Neymar, que ficou no hotel
e foi substituído nas arquibancadas por um sósia muito mais simpático.
Outra coisa que eu nunca tinha enfrentado foi o tal do VAR. Vai
demorar pra eu me acostumar ao VAR, ora se vai. Apesar da tecnologia diminuir
em muito as reclamações e as intermináveis discussão nas mesas redondas futebolísticas,
como fazemos sem as reclamações e as intermináveis discussão nas mesas redondas
futebolísticas? O gol de Vini Jr, segundo os analistas corretamente anulado,
foi uma pintura. É quase como se Van Gogh, da excelente seleção holandesa, descartasse
e jogasse fora o Retrato do Dr. Gachet porque a moldura estava com problema...
Ao fim, o placar magro valeu os tais dos três pontos. Os suíços,
pela primeira vez, souberam o que é perder para a seleção Brasileira. E nós
seguimos em frente com nossas alegrias e contradições. Cada jogo de Copa do
Mundo tem seu herói, ou seu vilão. Pobre do país que precisa de heróis, como
dizia um cara sábio do passado. Mas nós somos um pobre país.
O herói da vez foi Casemiro, meia forte e de futebol
elegante, e que habita lá para as bandas do Bernabeu. As histórias e as falas nas
redes sociais e na imprensa com certezas serão outras. Sai o Pombo e seu jeitão
de moleque grande, solidário e zoador, e entra em seu lugar a figura do capitão
brabão, que decide nos momentos mais difíceis. De heróis e chutes se faz a crônica
esportiva, ora pois.
A copa segue, lá nas tristes areias do Golfo Pérsico. Aqui,
o país se reinventa. Que venham camisas amarelas, que venham azuis. A pátria,
não a quero de chuteiras, assim como não a quero de armas na mão. Quero a dança
do pessoal da Maré, quero a alegria da prova dos nove, como já nos disse
Gilberto Gil.
Pindorama o país do futuro.