Tá difícil chover por aqui.
As nuvens passam, passam e nada. Depois de ventar a noite
inteira, o dia amanhece de sol. Limpinho, limpinho. Sem nem uma nuvem. Depois,
o calor vai aumentando devagar. Os últimos dias estava insuportável de quente. O
ar, extremamente seco. O nariz sofre. A sensação de boca seca nos persegue o
tempo todo.
No jardim de casa, é só esquecer de molhar um dia e algumas
plantas já começam a murchar. Haja água. E lá vamos nós a molhar as plantas. A
terra vai engolindo avidamente toda a agua que colocamos. Quase dá pra ouvir o
glut-glut-glut telúrico.
Choveu, mas muito pouco. As chuvas que passam por cima da
gente nestes dias de primavera nos dão falsas esperanças. De noite, com o
barulho do vento, me confundo esperando ouvir o som da chuva. De manhã, ao
abrir as portas e ir para fora tomar o café olhando as plantas, me sinto
enganado pelo vento.
As pessoas tentam olhar nas previsões do tempo, sempre tão
seguras. Probabilidade de chuva: 57%. Não vai chover hoje, não vai chover
amanhã. A chuva que estava prevista para o domingo passou por cima e nada. A
esperança, ressequida.
As notícias que recebemos também andam ressequidas e
desalentadoras. Na semana que passou, vimos os poderes da república batendo
cabeça, disputando nacos de poder, inventando interpretações.
Pode-se dizer que desde que Aécio, esse semeador de ventos,
começou a duvidar dos fundamentos da democracia, estamos todos ladeira abaixo. Do
resultado das eleições ao golpeachment
tudo o que tínhamos por regras foi se esfarelando. Agora, pau que bate em Chico
não bate em Francisco. Precisamos antes perguntar para Gilmar Mendes.
O STF se acovarda. Bate em quem está fraco e não se sustenta
contra os que estão fortes. A lei, ora a lei! O Senado da República, nada
republicano, transforma-se numa agremiação que protege os seus. Seus comparsas.
Na Câmara, vigora a proteção ao presidente apanhado com a
boca na botija em relações espúrias com o poder econômico. A ele é dado o benefício
da dúvida que foi sonegado durante a consecução da deposição da presidenta
eleita. A ele não se questiona o toma-la-dá-cá realizado com as bancadas do
atraso a cada pedido de abertura de inquérito.
A fatura da “governabilidade” é paga regularmente. Nesta
semana a bancada dos grotões e do atraso viu o governo estabelecer uma portaria que restringe a definição de escravidão e dificulta a atuação dos auditores.
Com isso, a escravidão volta ao interior do país. Quem
quiser veja as consequências aqui.
O Brasil teve um passado tenebroso em termos de escravidão. Fomos
o ultimo pais da américa a banir a escravidão num processo lento e doloroso que
até hoje gera conflitos em nossa sociedade.
Com essa portaria, segundo os especialistas, vai facilitar a
ação dos “gatos” aliciando mão de obra barata no interior do pais. A maior
parte em projetos agropecuários na Amazônia. Mas isso não vale nada.
Para os donos dos grotões do pais, é esta a liberdade que
eles querem. A liberdade do liberalismo brasileiro, essa aberração conceitual,
é a liberdade de explorar sem freios a mão de obra. Nosso liberalismo tem as
mãos manchadas de sangue.
Enquanto isso, tentamos levar nossas vidas. Quase sempre
respondo um tudo bem com um “eu vou bem,
mas o resto está uma merda!”. Eu estou bem. Tenho saúde, família, trabalho.
Mas ando preocupado com a falta de chuva e com a falta de esperança.
Dias melhores virão. Dias melhores verão. Vai finalmente
chover e as plantas do jardim vão ficar menos ressequidas. As tempestades do
fim da primavera vão balançar as árvores e criar ravinas no solo. Mas o verão
vai chegar.
No entanto, no deserto que se transformou este país, teremos
alguma esperança?