quarta-feira, 24 de outubro de 2018

A BOLSA E A VIDA



Na feira deste domingo, enquanto escolhia abobrinhas e pepinos japoneses, escutei casualmente a conversa de dois homens ao meu lado. Conversa de homem. De homem de bem. Os dois falavam de Bolsa. Um falou “a Bolsa subiu”. O outro concordou e respondeu: “Tomara que continue assim”. Pelo pouco que pude perceber, os dois estavam falando das pesquisas da ultima semana que apontavam o favoritismo de Bolsonaro e a aparente euforia do mercado com esta notícia.
Em geral, eu sempre fico espantado com o noticiário econômico. As oscilações para cima e para baixo das bolsas de valores tem a ver com causas que nem sempre compreendemos. Se compreendemos, muitas vezes nos chocamos. Algumas muitas vezes, notícias aparentemente boas não são boas para omercado: o aumento do numero de empregos nos EUA em 2011, por exemplo. Outras vezes, compreensivelmente, os mercados reagem com perplexidade, como foi com a notícia da vitória de Donald Trump nos Estados Unidos.
No Brasil, o ciclo é o mesmo. Os mercados reagem favoravelmente se existem indícios de que vai haver reforma da previdência, por exemplo. Isso vai ser uma tremenda dor de cabeça para os trabalhadores, mas o “tal do mercado” comemora. Se as negociações da Reforma da Previdência emperram, o mercado reage em baixa.
Eu não entendo nada de Economia. Alguns dizem que é uma ciência humana. Muitos discordam. Eu não entendo nada de economês. Tenho alguns palpites. Muito dizem que os mercados são a melhor maneira de organizar a atividade econômica. Que a tal da mão invisível nos guiaria por ações concretas e seguras, onde todos sairiam ganhando.
Outros dizem que um governo seguro pode melhorar a mão do mercado. Uma ação política por parte do Estado pode resolver os problemas de assimetria entre os entes econômicos. Eu acho que isso é o mais seguro. Não confio em mãos metafisicas.
Nada nos garante que as ações dos governos nos mercados sejam sempre sérias e sábias. São decisões políticas, marcadas por interesses de grupos. Mas o mercado, qual um graxaim selvagem, não gosta de amarras. Morde as cordas e sai desvairado pela noite à procura de presas. Assim pode ser o mercado.
 Por vezes, o mercado beira o cinismo. No dia da facada que Bolsonaro levou, o mercado reagiu com alta. Segundo os analistas, prevendo as facilidades que o Coiso teria com sua vitimização, como realmente teve. Marcelo Coelho, na Folha, perguntou se os mercados são amorais ou imorais. Qual é a sua resposta para esta pergunta?
Hoje, o mercado está em alta. Os que fazem negócios estão otimistas. Vão poder ganhar muito dinheiro, fazer bons negócios. Por isso as Bolsas “sobem”. Entretanto, nem sempre o que o mercado quer é o que a sociedade quer. Mas, quando isso acontece, os homens na feira de domingo discutem felizes sobre as tendências da bolsa.
O mercado reagiu em alta quando Collor de Mello ganhou as eleições. Reagiu muito bem à eleição de Hitler, por exemplo. E reagiu muito bem quando Temer, o vampiro, conseguiu o seu cargo e sua "ponte para o futuro" naquela votação horripilante de um congresso pouco comprometido com o interesse publico. Nem sempre o Mercado reage bem à democracia. Assim como deve ter reagido bem quando o golpe sangrento de Pinochet derrubou o governo socialista legitimamente eleito de Salvador Allende.
Os mercados não levam em conta a economia real. Aquela que nós todos fazemos no dia a dia. Não aquela feliz economia de Adam Smith, do padeiro e do açougueiro que acreditam na mão invisível. O mercado, a maior parte dele, joga contra a sociedade que lhes dá suporte. São amorais. São imorais. Os mercados devem ser criminalizados sempre que trouxerem prejuízos para a sociedade pagar. Os banqueiros e especuladores da crise de 2008 nos Estados Unidos deveriam ter sido presos . Eram grandes demais para quebrar?
Adam Smith acreditava na moralidade dos agentes econômicos. Eu concordo, e acho que assim deve ser. Por respeito a mim, por respeito a você. Os mercados devem se comportar, ter regras dentro da moralidade, e não fora dela. E que, se não se comporta, o mercado não venha chorar as pitangas depois que quebram de tanto especular, como foi na crise do subprime. 
Ser o candidato do Mercado não quer dizer grande coisa. Ser o candidato das liberdades todas é muito, quase tudo. É tudo o que temos pra hoje. 

O Mercado somos nós. 


segunda-feira, 22 de outubro de 2018

EU NÃO SOU SOLDADO



Por volta do ano de 1950, apareceu em Antonina um oficial reformado, por nome de Major Pombo, como era conhecido.
O Major Pombo é desses que, pelo posto militar, entende que tudo tem que ser como ele deseja, e sempre aplicou aquele termo de soberania: “sabe com quem está falando?”
Tendo comprado um sitio nas redondezas do município, resolver levar a efeito sua pequena fazenda. Isto motivado pela valorização das terras e o incentivo à plantação de café, conseguiu o capataz e começou a sua vida de agricultor.
Teve pelo seu ímpeto do “você sabe com quem está falando” diversos atritos.
Certa ocasião veio à cidade para comprar carne para sua fazenda. Percorreu os açougues sem conseguir, a carne estava na vez da fita e os açougueiros tinham os seus compromissos, e não podiam atende-lo. Ficava irritado, e logo dizia: “sabe com quem está falando?”
Por ultimo foi ao açougue do senhor Ovídio Agner Mendes (Vidoca) e perguntou se tinha carne. O senhor Vidoca respondeu que não. Ele [o Major] vendo que existiam alguns pesos de carne, insistiu para ser atendido. O senhor Vidoca ponderou nos seus compromissos, motivo pelo qual sentia não poder atende-lo.
O Major Pombo irritou-se e logo disse: “você sabe com quem está falando?”
O senhor Vidoca parou o seu serviço, olhou bem para a personalidade, baixou os óculos e respondeu: “não sei com quem falo.”
O Major Pombo com autoridade: “é o Major Pombo.”
O senhor Vidoca deu uma risadinha e respondeu: “o senhor pode ser major – mas eu não sou soldado...”

domingo, 21 de outubro de 2018

NOS TEMPOS DA ESCOLA COM PARTIDO



Por causa dos acontecimentos recentes, eu me peguei pensando em minha infância. Algumas coisas vividas naquela época surgiram fortes. No meu primeiro ano escolar, eu lembrava da quantidade de faixas verde-amarelas que existiam na escola. E retratos do “presidente Médici”. Lembro-me de cantar hinos, muitos hinos. E do entusiasmo de slogans como “Ninguém segura este pais!”. E se segurasse? Nos vidros dos carros, estava o adesivo “Brasil, ame-o ou deixe-o”. Que medo! E se eu não amar? Serei expulso?
No meu currículo, não existia História e Geografia, mas uma tal “Estudos sociais”. Por um lado, parecia uma coisa interessante, por ser multidisciplinar. Por outro, e isso logo percebemos, muita coisa não era colocada no currículo. Na prática, não tínhamos nem História, nem Geografia. Nem Estudos Sociais.
Tinha também uma disciplina chamada Educação Moral e Cívica. Era uma chatice de ficar vendo – e decorando – os símbolos da pátria. O Brasão, a Bandeira, os Hinos. Porque verde amarelo? “porque representam o verde das nossas matas, o amarelo a riqueza de nosso chão”. Era essa a explicação.
Ninguém dizia, por exemplo, que verde-amarelo eram as cores da casa de Bragança, da qual vieram nossos imperadores. E se o verde era tão importante, porque se desmatava tanto? Todos os dias víamos notícias sobre as obras da transamazônica. Eram frequentes na TV imagens icônicas de grandes arvores caindo, simbolizando a conquista da Amazônia.
(Sem nenhuma preocupação ambiental, nunca se desmatou tanto.)
Depois, tinha uma disciplina Estudos de Problemas Brasileiros. Tinha a questão das três “raças”. Tinha a questão do subdesenvolvimento. Mas não havia uma vontade real de discutir problemas brasileiros. Por que somos? Como somos? Como uma nação ainda adolescente, ainda colocávamos a culpa nos nossos pais. O culpado era Portugal, a culpa era do “passado ibérico”.
A responsabilidade nunca era nossa, nessa Escola com Partido. Neste tempo, a escola tinha claramente um partido. O partido do general de plantão. A abolição não era da responsabilidade dos traficantes de escravos. A política do atraso dos coronéis da República Velha não era da responsabilidade de ninguém. Getúlio Vargas não existia. Ele foi o presidente da Argentina?
Era tudo tão descarado que as coisas se naturalizavam por si. No governo Geisel e o seu slogan “Esse é um país que vai pra frente” mesmo sendo crianças todos já víamos o ridículo dessa posição de esconder o país embaixo do tapete. E se estivesse indo pra trás?
Hoje, temos realmente a sensação de estar indo pra trás. Algumas certezas dos últimos anos já são questionadas, algumas cláusulas pétreas são abertamente criticadas. Mas, em vez de propor avanços, estão sendo propostos atrasos. Em vez de mais escola, menos escola, como a proposta de mais ensino à distância. Distância de quem? Do professor?
Os professores estão sob ameaça. Em lugar de um ensino crítico, um ensino “Sem Partido”. Como se as pessoas que propõe esta perola não tivessem Partido. Ideologia, ou seja, o conjunto de valores e ideias de um individuo ou um grupo de indivíduos vivendo em sociedade, todos temos. Mas, para algumas pessoas, ideologia são as ideias do outro. O que eu penso é verdade. o que o outro pensa é ideologia. Tolinho.
Estamos voltando àquela escola hipócrita e autoritária de minha infância?  Onde não havia Educação Sexual, por exemplo, porque todos tinham medo de tratar o assunto? “Ideologia de gênero” é um caso. Inventaram essa jabuticaba para criticar o ensino de Educação Sexual nas escolas. Uma proposta séria, que tem por objetivo combater a intolerância e dar informações para que as crianças saibam se defender do abuso sexual. A maior parte das crianças vítimas de abuso jamais foram educadas por seus pais sobre o assunto. Estimular a ignorância é facilitar o abuso. Pelo visto, prefere-se o abuso.
Em vez de mais, menos debate. Em vez de ir mais fundo nos problemas para resolve-los, o silencio.
Eu achava que as escolas do passado tinham virado poeira do tempo. Que o pó cubra nossas escolas do futuro. 

terça-feira, 16 de outubro de 2018

VOLTAR PARA 40, 50 ANOS ATRAS



Escoteiros desfilando em Antonina nos anos 70
Em recente visita a um quartel do Bope, o Messias revelou seu sonho: “queria fazer o Brasil voltar 40, 50 anos atrás”. Disse isso com a sinceridade insana que o caracteriza. E confesso que fiquei apaixonado pela ideia. Para mim, seria voltar à infância e parte da adolescência. Voltar 40 a 50 anos, significaria eu voltar a ter entre 5 e 15 anos de idade.
Num instante, fui levado para a Antonina de minha infância, terra adorada, minha pátria no sentido mais puro do termo. Voltaria para os jogos de bola na rua, para os desfiles de 7 de Setembro fardado de escoteiro, para os bons amigos que você  tem neste período da vida. Revi minha vida como uma antiga foto preto e branco.
Bolsonaro teria neste período, entre 13 e 23 anos. Também uma idade boa. Adolescência. Tempos de formação. Seria o período que ele passou desde o final do colégio aqui no interior de São Paulo até o quartel, já tenente. Como não invejar voltar à juventude?
Neste período tocava no rádio a bossa nova. A Mangueira de 1973 falou da lenda da Mãe do Ouro, lenda da minha terra: "ola-lá, olá ô bábá! É a Mãe do Ouro que em nos salvar!". Tocava também outras coisas esquisitas, como “assassinaram o Camarão”, ou “Aonde a vaca vai, o boi vai atrás". Mas tudo bem. Era a juventude.
Certa vez, eu e minha irmã colocamos um disco na vitrola de minha tia. Ela veio correndo da cozinha e tirou o disco, entre zangada e assustada. Era um disco de Geraldo Vandré, com uma música chamada “Caminhando”.
Na primeira série, uma colega de sala saiu da sala chorando, não voltou mais para a escola, a saudosa Escola de Aplicação Rocha Pombo de Antonina. Tinham prendido o pai dela, e ela estava muito triste. Ficamos muito assustados com a possibilidade dos nossas pais também desaparecerem e irem presos.
Mas, como nos explicaram depois, o pai dela era um “comunista”. A palavra era dita numa mistura de asco e desdém, como ainda hoje escuto alguns falando, como se ainda não tivessem saído da Guerra Fria. Não era comunista, pensava eu, aos sete anos. Era só o pai da nossa amiga.
Desfilávamos no Sete de Setembro, em grandes desfiles repletos de crianças. Certo dia, fui chamado para ler uma poesia no coreto da praça. Menino ainda, dei conta do recado diante do microfone, ainda que muito nervoso, as palavras saindo ásperas da boca. Nem me lembro do que se tratava o poema, sei que tinha “Brasil varonil” e “porvir”.
Nem todas as casas tinham telefones. Chamavam do vizinho, “telefone pra você”. Era o tal fone molecular. Cartas demoravam uma semana de Antonina para Londrina e quase um mês, se fosse para fora do Brasil.
Há cinquenta anos atrás o Brasil vivia o tal do milagre econômico dos generais. A economia crescia. As pessoas de classe média podiam ter carro, telefone. Nós tínhamos o melhor futebol do mundo e nossos estádios estavam cheios de craques: jogavam por aqui Zico, Rivelino, Carlos Alberto. Os mais velhos entre nós ainda se lembravam de ter visto Pelé jogando. Mundo bom.
Como não amar e querer voltar a este mundo, fiquei me perguntando. Imaginei, por exemplo, Carlos Alberto Brilhante Ustra, nosso Eichmann, saindo no fim da tarde do trabalho e indo para casa, ver a mulher e os filhos. Homem de bem.
Seu trabalho, hoje se sabe, era fazer crianças, como eu era na época, assistir seus pais serem torturados. Era estuprar moças “comunistas”. Era dar choque no pinto daqueles comunistas filhos da puta. Eles bem mereciam. Todo mês, Ustra recebia um holerite com o seu salário, pago com o dinheiro do contribuinte.
Os casos de corrupção, como o que resultou na exoneração do governador do Paraná Haroldo Leon Peres, em 1971, eram abafados. Lembro que a Veja, que então era uma revista decente, deu a notícia. A revista foi apreendida nas bancas. Meu pai, não sei como, conseguiu um exemplar. Passei muito tempo entregando a Veja para os amigos de meu pai lerem, na surdina, levando para a casa de cada um embrulhado em papel de pão.
Era também um mundo onde não podíamos falar com os filhos de mães desquitadas. Ainda não havia a lei do divórcio. Mulheres desquitadas eram perigosas, entendíamos nós, em nossa ideia infantil.
É exatamente este o mundo que o capitão quer voltar. De seus tempos de tenente. Um mundo onde homens brancos – e militares – podiam tudo. Livre, leve solto, os militares eram a lei. Quantas meninas ele não “comeu” por causa da farda?
Um mundo onde ser mulher era mais difícil. As mulheres não se separavam dos maridos por medo de perder a estabilidade econômica. E a violência doméstica? Disso não se falava. Se olhava, se percebia e não se falava. Mundo bom, este.
Na Amazônia, a chegada dos grandes projetos de estradas e mineração destruíam povos inteiros. Camisas contaminadas com vírus da gripe, dinamite jogada de helicóptero, valia tudo para matar índios. Um Vietnã aqui dentro e que não víamos. Cid Moreira, rapaz educado, ao apresentar o Jornal Nacional não falava destas coisas na hora da janta. Os homens de bem estavam descansando.
Voltar para quarenta, cinquenta anos atrás. Não sei se quero voltar a um mundo onde eu era criança e não decidia por mim. Hoje tenho cabelos grisalhos, tenho gastrite, tenho que visitar o urologista com regularidade e tenho dores nas costas. Mas não quero voltar quarenta anos. Qual seria o preço disso?
O preço desse sonho louco seria voltar ao mundo selvagem que era o Brasil daquela época. Tinha seu charme. Mas a Idade Média também tinha. Voltar a um mundo onde militares podiam entrar e acabar com uma festinha de rapazes porque o tenente queria uma moça que estava lá. Onde você não votava para presidente e governador.
Um mundo onde não tinham leis que coibiam abusos domésticos, porque o mal está dentro de casa, e não fora, sabiam? Ter leis de proteção às mulheres, lei de divórcio, criminalizar quem agride o diferente. Nada disso tinha. Respeito as minorias é um pressuposto de um mundo com justiça. Ao mundo de quarenta anos atrás, eu prefiro este nosso bagunçado mundo de hoje.
Qual será o preço que vamos pagar para um doido desses fazer a gente voltar no passado para viver seu sonho reacionário?

domingo, 7 de outubro de 2018

OS BOLSOMINIONS E O SENSO COMUM


Existem ideias que parecem simples. O mundo é simples e fácil de resolver.  Parece que sempre foi o obvio e nós, burros que somos, jamais vimos a verdade ali, na nossa frente. Parecem geniais, estas ideias. Mas não são. Muitas destas genialidades foram ditas por eleitores de Messias Bolsonaro no ultimo mês. 

Uma delas é a questão da violência. Como numa conversa de bar, o cara se posiciona, firme: “tem que botar mais polícia!”. A evidência empírica mostra que mais policia não resolve. Resolve aqui, não resolve ali, e a violência continua tudo igual.
O cara do bar retruca: “tem que botar o exército!”. Que ideia genial! Porque não pensamos nisso antes? Em minha vida cheguei a ver três intervenções do exercito no Rio de Janeiro. Se intervenção militar resolvesse, o Rio seria uma Suíça. Mas não é. Ou é?
Bandido bom é bandido morto. Quem nunca ouviu essa platitude? Parece simples, como num faroeste: tem os mocinhos e tem os bandidos. Os bandidos, é claro, tem todos os defeitos do mundo. Os bandidos são facínoras e sem piedade. O mocinho consegue matar 10, 100, mil, e ainda vai ganhar o beijo da mocinha ou a benção do padre.
Neste mundo tão simples, não cabe complexidade. Por que será que a maior parte das vitimas da polícia são jovens negros? O cara do bar hesita em sua resposta, porque vai entrar no terreno do preconceito. O cara do bar, que não é o general Mourão, tem algum filtro do que fala. Não vai fazer nenhum discurso justificando a violência pela “raça” da vítima, alguma falta de “caráter”, nem falar sobre a “malandragem dos negros”, como fez o general Mourão. Mas pensa. Você pode imaginar o que ele pensa? Ou no que ele vota?
Ideias simples, muitas vezes cheias de informações falsas e preconceitos sempre existiram. Falar de segurança publica não é tarefa para o cara do bar. Por que a criminalidade hoje mudou das grandes para as pequenas cidades? Porque mudou dos grandes centros para o norte e nordeste? Como deter o tráfico de drogas? Como lutar contra as milícias?
Nenhuma destas questões tem uma resposta simples. Muitas soluções já foram tentadas. A maior parte, envolvendo mais armas, mais violência, mais guerra. E a violência não para de crescer. O homem do bar não sabe o que fazer.
Aí entra o medo. O discurso do medo. Todos precisamos nos armar. Outra ideia simples e aparentemente perfeita. No entanto, sabemos que aumento dos homicídios por armas de fogo em razão da ausência de políticas específicas (veja aqui). Como resolver isso? Com políticas de segurança.
Mais ciência e menos Chuck Norris.
Mas o homem do bar não se convence. Ele conhece zil e um exemplos de que isso não funciona. E insiste nas ideias simples e de fácil implementação, fáceis como um chá de boldo pra curar a ressaca.
São ideias do senso comum. Se te disserem que um peso com penas e um peso de chumbo caem com a mesma velocidade você acredita? Parece óbvio que o peso de chumbo cai mais rápido. Você está vendo isso. Mas não é. Galileu precisou de muita experimentação para provar isso.
Levar o conhecimento acima do senso comum, da observação simples. Soluções negociadas e complexas para problemas complexos. Pensar com ciência e criatividade. Em lugar disso, você vê uma fala vazia de conteúdo e cheia de emoção. Quando não, ódio.
Insistir em senso comum e ideias simples como as disseminadas no último mês nos levam a mais do mesmo. Ou vamos daqui a quatro anos trocar as fraldas e os políticos pela mesma razão, como disse Eça de Queiroz numa placa de caminhão.  
Se daqui a quatro anos ainda houver democracia, essa coisa tão esquisita e tão longe do senso comum....


sexta-feira, 5 de outubro de 2018

VOCE VOTOU NO COLLOR?



Vocês se lembram de alguém que tenha votado no Collor?
Eu me lembro de muita gente que teve essa opção funesta em 1989. Foram, inclusive, a maioria dos leitores. Mas, anos depois, ninguém mais admitia ter votado nele. Não me lembro de ver ninguém batendo no peito, orgulhoso, dizendo: “Eu votei no homem!
Lembro que uma vez, ao conversar com alguém na rua e que não me conhecia, eu fiz uma falsa confissão: “pois é, eu votei no Collor. E me arrependo muito”. De imediato, a pessoa me fez uma cara de empatia e contrição, respondendo “eu também me arrependi!”.
Hoje, parece que estamos numa situação semelhante: o numero de pessoas que quer votar no capitão reformado é muito grande. Quase todos se inflam de orgulho ao dizer que o candidato que escolheram é “limpo”. E que é contra a corrupção. Quando escuto isso, imediatamente me vem à memoria o “Caçador de Marajás”.
Ele também dizia que era uma força renovadora na política. Vinha também de um pequeno partido sem expressão, o PRN. Para todos os lados, o que se via era a bandeira da corrupção (Veja aqui o discurso dele em 1989) . Qual era a sua proposta para a saúde? – “Caçar os Marajás!” Qual sua proposta para a economia? – “Caçar os Marajás!”. Era o monocórdico discurso.
 Vínhamos de um tempo muito estranho. O regime militar havia acabado melancólico, uns quatro anos antes. Decisões políticas equivocadas, o fantasma de milhares de casos de corrupção abafados, o general Newton Cruz fechando Brasília no dia da votação das Diretas já. O regime militar era um cadáver na sala. Para ocupar a presidência, em lugar de Tancredo Neves, assumiu José Sarney, um político astuto, mas despreparado. Suas ações intempestivas na economia levaram a mais caos, e a uma hiperinflação. As primeiras eleições presidenciais desde 1960 ocorriam num ambiente de caos econômico e de desesperança com a política.
Collor foi uma aposta praticamente pessoal de Roberto Marinho,o dono da Globo, para afastar a ameaça de um governo de esquerda. Naquele momento, a principal preocupação eram Leonel Brizola e Lula. Collor e seu discurso anticorrupção caíram no gosto do Dr Roberto, que foi o seu mais fiel eleitor.
A história todos sabem. Cercado de corruptos por todos os lados, com uma economia em frangalhos, impopular e abandonado pelo seu benfeitor, Collor amargou o impeachment.
A história é cruel. Foi cruel com Collor. Seus eleitores o esqueceram e o apagaram da memória. Tudo se passou, na cabeça das pessoas que o elegeram, com se jamais tivesse se passado. Um esquecimento conveniente, todavia, que acalma as consciências. No entanto, tudo foi verdade.
Hoje, estamos novamente com um candidato anticorrupção na dianteira das intenções de voto. Um candidato de passado insignificante, que em mais de 30 anos pulou de partido em partido, e que em todo esse tempo não teve sequer um projeto aprovado.
Galopando em cima de um discurso anticorrupção, ele promete mais segurança. Os planos são vagos: dizem somente que policia vai ter carta branca para matar. Quem conhece minimamente o Brasil sabe quem vai morrer: os pretos e pobres. Mas mesmo assim, as pessoas embarcam neste autoengano. Mesmo muitos eleitores pretos e pobres.  
Não há como não fazer o paralelo com Collor. A história de povos sem consciência se repete e se repete, ora om farsa, ora como tragédia. O fascismo que ele representa, entretanto, é muito pior Collor e sua “República das Alagoas”. Estão quase todos embarcando numa canoa furada, sabendo que é furada. Tentando desesperadamente se convencer que não está furada.
Bolsonaro é um preço muito alto para se livrar do PT.

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

O CANDIDATO QUE NÃO AMAVA AS MULHERES



Os bolsonaristas que saíram as ruas no domingo foram dispersados, em São Paulo, por uma forte chuva. Problemas com São Pedro, talvez? Mas, ainda assim, mesmo molhada, a manifestação dos bolsonaros foi uma manifestação muito grande. Foi uma reação contra as grandes manifestações anti-bolsonaro deste sábado, que reuniram centenas de milhares (milhões?) de pessoas pelo país. Principalmente mulheres.
Por mais que se grite e esperneie contra o Coiso, a grandereação contra o capitão reformado parece ser mesmo a feminina. Os números gritam: cerca de 50% das mulheres não votariam “de jeito nenhum” neste candidato, contra 33% dos homens.  
Recentemente, o jornal El Pais comparou o movimento das mulheres contra Bolsonaro com a história lendária da Hidra de Lerna, a que se cortava uma cabeça e cresciam várias. O ataque dos grupos bolsonaristas à página “mulheres contra Bolsonaro” no Facebook deu impulso não só ao grupo, mas também incentivou o surgimento de outros grupos e deu ânimo para as manifestações de rua deste último fim de semana.
Esta rejeição é muito bem explicada. A misoginia do discurso bolsonarista não conhece limites. É famoso o seu discurso do “não te estupro por que você não merece”, contra a deputada Maria do Rosário. É uma fala das cavernas. O estupro como forma de punição, como houve nas sociedades primitivas, juntamente com a diminuição da oponente mulher: nem isso você merece.
Alias, desmerecer mulheres é uma pratica desse discurso: a tal da “fraquejada” do capitão reformado teria gerado sua única filha mulher. Outra vez a afirmação do feminino como o fraco, o inferior. Tal desmerecimento tambémse reflete nos salários inferiores recebidos pelas mulheres, conforme já explicou o douto candidato: “Afinal, elas engravidam...”
Por isso e muito mais, não se espere que as mulheres se encantem pelas propostas do capitão. Ali somente há mais do mesmo: depreciação, aviltamento, subordinação. Tudo coisas que a sociedade já jogou e está jogando na lata de lixo dos costumes.
 Mas o bolsonarismo é persistente: numa fala recente o deputado E. Bolsonaro também citou que, ao contrario das mulheres de “esquerda”, que repudiam a candidatura de seu pai são menos higiênicas que as mulheres de direita. Nada mais fascista que um discurso higienista. A fala do bolsonarismo, enfim, é um discurso de ódio e aversão às mulheres.
As mulheres que, aliás, já tem muitos outros problemas em viver num mundo machista e patriarcal. Agora, tem ainda que se preocupar com um candidato a presidente misógino. Há a violência cotidiana, a violência doméstica. Há a violência nas ruas. Há a violência do mundo do trabalho. Tudo isso, não vê quem não quer, impacta também nossa economia e nossa sociedade.
 E ainda vem o tal vice, o general Mourão, a dizer mais uma de suas “pérolas”: famílias lideradaspor mulheres são “fábricas de desajustados”. Como se não bastasse toda a carga sobre as mulheres, ainda sobra a culpa pela crise da sociedade na qual elas não mandam.
Essa carga e esse discurso estão se refletindo agora nas urnas. O capitão e seu vice general tem muito com que se preocupar. Afinal, elas são a maioria. E sabem muito bem qual a carga que pesa, qual a fala que fere, qual a violência que mata.
O capitão e todos os que acham esse discurso “politicamente incorreto” e “lacrador” bacana, que coloquem suas barbas de molho. É muito fácil falar isso em rodinhas de homens. Nestas rodas, em geral, ganha quem mais se mostrar cruel e misógino. Quem contar mais barbaridades, ganha uns risinhos de aprovação e uns comentários maldosos. É o cara. Pois não é.
(Eu já frequentei essas rodas. Eu mesmo já fiz comentários deste tipo. Fui criado num ambiente machista. Eu mesmo sou e tenho muitas atitudes machistas. Estou aprendendo a não ser, com ajuda de todas as mulheres com quem convivo. Também acho que o mundo deve caminhar numa outra direção. Eu quero um mundo onde o feminino e o masculino e outras orientações sexuais possam viver em paz.)
A realidade é bem outra. Somos uma sociedade de mulheres forte e de homens infantilizados. Muitos desses homens aí até sabem fazer um churrasco, mas não sabem esquentar papinha de bebê. Nas rodinhas de homens que temos hoje, quantos não são os bolsonaros, contando suas safadezas e mesquinharias com mulheres como se fosse uma busca pelo Graal? Enquanto isso, lá estão elas, em casa, a cuidar da vida e da família, e até deles mesmos.
É o mundo das famílias sem homem, tanto real quanto virtualmente. Só não sabe disso aquele mundinho de testosterona e misoginia que são os quartéis. Ah, os quartéis! Alguns destes homens, vivendo nesta bolha, até se acham e se intitulam “homens de bem”!
Os homens como chefe de família são mais raros que no passado. Ao contrário do que disse o general Mourão, o que há é um país onde as mulheres já são 40% dos chefes de família. E na maioria das vezes dão conta do recado, apesar dos pesares.
Por tudo isso, temos um embate inédito nestas eleições. Um embate entre a sociedade contra uma visão de mundo. Uma sociedade majoritariamente feminina. Que não é monocrática, nem unitária, nem partidária. A espinha dorsal deste movimento, desta vez, são elas.
O espaço que a sociedade está colocando para todos aqueles que queiram mandar, ordenar regulamentar ou violentar o corpo das mulheres está ficando cada vez mais estreito. Isso não se dá por ideologia, ou por politica institucional. Isso vem se dando por ações políticas no nosso cotidiano. Não dá pra fingir que isso não existe. O empoderamento feminino veio para ficar.
O mundo dos candidatos que não amam as mulheres está com os dias contados.