Semana passada deu um vendaval danado por aqui. A amoreira
em frente a minha casa não aguentou a força do vento e caiu, felizmente sem
causar danos. Na sexta-feira minha mulher notou um novo galho rachado e mandou
chamar os bombeiros. Estes vieram e cortaram também o novo galho, e colocaram os
restos da poda no pequeno bosque em frente a minha casa.
Ontem de manhã fui até lá ver o galho, o tamanho que era. Ali
também tem um imenso pé de guapuruvu, um eucalipto, varias jaqueiras e uma
imensa paineira. Estava distraído com as jacas, que estão quase maduras, quando
vi um ruído, de alguém me chamando. Olhei, olhei e a princípio não vi ninguém.
Depois, a voz chamou novamente: “pst, pst, aqui!”. Perto da jaqueira grande, quase na beira do
pequeno córrego, um homenzinho de preto estava me chamando. Cheguei meio
desconfiado, com essa violência por aqui, nunca se sabe. Mas o homenzinho de
preto me perguntou, também desconfiado: “você
morava na Rua dos Mineiros, em Antonina?”. Diacho! Rua dos Mineiros?
Demorou pra cair a ficha que ele estava falando da atual Rua Coronel Libero, a
rua da minha infância.
“fale lá uma coisa pra eles”, ele me disse, autoritário. Vi
pela gola que se tratava de um padre, mas o que um padrezinho vestido de
batina, tal qual o padre Buchman, estava fazendo atrás da jaqueira? “você está me entendendo, guri?”,
perguntou o padre, olhando nos meus olhos. Seus cabelos eram agrisalhados,
tinha a testa larga. Quem seria?
“Educação, meu filho,
educação! É isso que quero que diga lá pro pessoal de Antonina”, me disse
ele, veemente. “Mas quem é o senhor?”,
perguntei. Ele me olhou espantado, com ose eu tivesse a obrigação de
conhece-lo: “Sou o monsenhor”, respondeu o padrezinho. Olhou como se eu fosse
um completo estupido, o que alias não estava longe da verdade. Eu não tinha a
menor ideia de quem era o tal monsenhor. “Alias, quando colocaram o nome na
rua”, continuou ele, “colocaram só como cônego. Mas quando morri, eu era
Monsenhor, um cargo muito mais alto. Fale lá que precisam corrigir isso
também!”. Os olhos do padrezinho mostravam uma certa magoa.
Foi então que me dei conta que estava diante do cônego (ou
Monsenhor!) Manoel Vicente da Silva, um dos maiores oradores sacros do Brasil
em sua época. Nascido na Deitada-a-beira-do-mar em 1851, foi para São Paulo,
onde se consagrou como professor e pregador. Esteve no Maranhão por curto
período de tempo, mas logo voltou à Sampa, onde deu aula e pregou até sua
morte, em 1909. Era o vigário da paróquia da Bela Cintra quando faleceu,
vitimado por uma gripe.
“Esses novos
governantes lá de nossa terra precisam compreender que Educação é essencial.
Sem ela, nossa cidade nunca vai sair do atraso”, me disse ele, como num de
seus sermões. Perguntei se ele conheceu Nestor de Castro, e ele fez que sim. “Era um bom menino, mas muito revoltado, só
queria saber de política. Mas coloquei ele, pobre orfãozinho, nos melhores
colégios de São Paulo”.
“Mas o quê que o
senhor quer que eu diga?” perguntei. Ele me olhou duvidando de mim, e
disse: “Educação, meu filho, educação! Tem
que educar todo mundo naquela terra. Filho de pobre e filho de rico. Os
governantes tem que fazer disso uma cruzada! Tem que ter escola, professor, tem
que ter tudo”. Comentei com ele que já havia muitas escolas na cidade, mas
o ensino não ia lá essas coisas. Contei a ele dos últimos resultados do IDEB,
no qual se mostra que o ensino na cidade havia mesmo regredido nos anos
recentes. Monsenhor Manoel Vicente me olhou com pena: “Tem que reverter isso, meu filho. Mas sem esforço não se tem
resultados. Milagres são com Deus. Mas acho que o senhor é desses
livres-pensadores que não acredita em milagres, não é?”.
Ia explicar pra ele, mas ele começou a gritar, com se estivesse
no alto do púlpito de sua igreja: “Vai
lá, herege, que você é herege, eu sei! Mas sei também que nesse milagre você
acredita: fala pra eles que educação é a saída!” e desapareceu como por
encanto.
Quando voltei da mata, ainda atordoado com o encontro, meu
celular começou a tocar. Tinha umas cinco ligações de Pai Zinho, meu guia
espiritual. “Tinha um padrezinho querendo
falar contigo, zifio! Tava tentando te ligar! Mas essas companhias telefônicas,
também!”, me disse Pai Zinho, entre nervoso e aliviado ao mesmo tempo, pelo
aperreio, mas vendo que o contato, afinal, tinha dado certo. “Acho que você estava fora de área, zifio”,
disse ele, divertido. “Mas eu não!”.
Acho que é isso. O cônego (ou Monsenhor) tem razão: é
preciso investir na educação, ou vamos continuar andando pra trás. Tomara que
quem tenha o poder esteja sinceramente pensando nisso.