O Vesúvio visto de Nápoles |
Ontem eu estava com certo receio de Nápoles e dos
napolitanos. Apesar de me julgar quase um napolitano, que achava que para conseguir esta condição era suficiente consumir
sorvete napolitano (aquele com três sabores) e a pizza marguerita, cheguei aqui
com os dois pés atrás. Confesso que minha primeira impressão foi a de um mundo caótico
e sem lei. É um pouco assim mesmo. Mas tem também outras coisas.
Ao caminhar pela manhã pela cidade, não se pode ignorar a
figura magna do Vesúvio. Sim, o grande vulcão que assombrou o império romano e
submergiu as cidades de Pompeia e Herculano está ali, nas vistas de cada um. É
como se, em Antonina, estivéssemos todo o tempo com um perigoso e avassalador
morro do Feiticeiro.
Ao caminhar pela cidade sentimos que ela é habitada por um
povo hedonista, que adora o prazer e se divertir. Como não se divertir, se você
vive na boca de um vulcão? Fiz essa pergunta para mim mesmo varias vezes. Não sei
se tenho uma boa resposta. A ultima erupção foi em 1944, os pracinhas
brasileiros anotaram suas ocorrência quando passaram por aqui. Como reagiria frente a uma erupção?
O que impressiona em Nápoles é o sol, que brilha como em nenhum
outro lugar que eu conheça. Uma luz que faz tudo se cobrir de uma aura, como se
fosse uma pintura a óleo. Os pintores que vierem para a Itália no século XVIII inventaram
um tipo de pintura que se encontra em todos os lugares, em todas as casas
burguesas desde então: uma pintura em tons pastel, mostrando uma natureza
perfeita e maravilhosa, numa baia perfeita e cheia de gente alegre. Arvores e céus
perfeitos, desenhados em delicados tons pastel.
Não é assim, por suposto. As pessoas são rudes e grosseiras,
e sua grosseria é visível nas ruas, no transito, no atendimento dos
restaurantes. O lixo se acumula em todo o lugar, apesar dos carrinhos e das
modernas caçambas de lixo em todas as ruas. No comercio há que se fazer atenção
no troco, os taxistas (sempre eles – cadê o Uber?) querem nos enganar a todo o
momento.
Nas ruas, vemos cartazes com figuras estranhas, candidatas a
não sei o que. Eu não votaria em nenhum deles. Mas há quem vote, e esses são os
napolitanos. Foram enganados, invadidos, envenenados, e não estão nem aí. Adoram
sua baía, sua cidade e sua vida. Lutam pra manter tudo como está. A alegria é a
família, a missa, os amigos. Faz quinhentos anos que é assim. Resistiram à Revolução
Francesa, às Guerras Napoleônicas, à Unificação italiana, à Revolução
Industrial, à invasão aliada durante a Segunda Guerra Mundial. Enfim, os
napolitanos resistiram à Era Moderna. Apesar de andarem pra lá e pra cá com
seus celulares, estarem na internet e assistirem à RAI, os napolitanos são
seres do passado, tentando manter-se naquelas pinturas românticas de antanho.
Entendo perfeitamente.
Venho também de uma cidade que, embora pequena e
insignificante e parada no tempo, não desiste jamais. Claro está que a Deitada-a-beira-do-mar não se compara
com Nápoles e seus dois mil anos de história. Antonina não tem o Vesúvio, mas
como disse antes, tem o Morro do Feiticeiro. Embora moderna, é também conservadora.
As pessoas tem essa amabilidade rude e graciosa que encanta quem vem da
modernidade. Que afaga quem vem, carente, de relações capitalistas, tipo “Time is Money”, “no
pain no gain”.
O que eu quero dizer é que esta sensação de um tempo
anterior a nós a qual, embora não se sustente, nos é muito cara. Não é possível
passear pelas vielas de Nápoles sem sentir uma certa nostalgia deste tempo e
deste espaço, mesmo que não pertençamos a este mundo. Eu, que tenho algumas fumaças
deste ar pré-capitalista, que trago de minha vivência antoninense, me rendo e
digo que um outro mundo é possível.
Vivemos todos sob a sombra do vulcão.