sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

A CONTROVÉRSIA DO QQTACONTECENO


(a Paleontologia Imaginária é um ramo da Paleontologia que trata de animais incertos; é um ramo do conhecimento que faz fronteiras com a paleontologia, a geografia, a física molecular, a psicologia e com Morretes (PR). Como membro da Sociedade Brasileira de Paleontologia Imaginária (SBPI) e colaborador da South American Review of Imaginary Paleontology, periódico classe A1 da CAPES, venho através deste blog fazer a divulgação científica da Palentologia Imaginária para o publico interessado em ciências)

Para Marko Monteiro e Carolina Zabini
Depois da controvérsia do Antropoceno, uma nova e maior controvérsia acende os debates científicos da Paleontologia Imaginária. Assim, os debates sobre o período Antropoceno, sua delimitação temporal e mesmo a sua existência enquanto período geológico passaram a um segundo plano. O novo período proposto é o Qqtaconteceno (Crutzen, 2017).
Segundo Monteiro (2016) trata-se de um período além de controverso, perplexo. A sucessão normal das faunas e sua disputa no ecossistema planetário estariam se dando numa velocidade até então inaudita, complicando e fazendo modificar nossa compreensão da evolução planetária (Zabini, 2016).
No Qqtaconteceno, predominou amplamente sobre os demais o gênero feicebuquis. Havia o F. destrus e o F. sinistrus, que faziam grandes disputas em pontos nodais da rede (Ortellado, 1999). A arma destes grupos era uma enzima altamente tóxica chamada textão. O textão acumulava-se em grandes áreas, em geral inviabilizado a compreensão do que estava em disputa (Mainardi, 2013). Em geral, um grupo não entendia o que o outro dizia, e grandes toneladas deste material acumularam-se no registro sedimentar (Almeida, 1946).
Outros animais do gênero feicebuquis são os F. correntinus, que criava diversas correntes de bobagens que também marcaram o registro fóssil do Qqtaconteceno (Zuckerberg, 2012, 2013, 2015). O F. narcisistus era outra espécie característica, e mostrava com frequência as festas que frequentava, batizados, casamentos e fotos de crianças fofas (Kardashian, 2014) . Os mais estranhos, no entanto, são os F. abstinenticus, que se recusavam terminantemente a entrar. Dizia-se mesmo que tal espécie não existia, mas alguns exemplares foram achados juntamente com fosseis do gênero Instagranis (Favatto & Steinkpf, neste momento agora). Outro gênero característica deste período é o Tinderius sp, que tentava desesperadamente se acasalar, com resultados bastante duvidosos (Marquezine & Neymar Jr, 2014).
Mas não se trata somente do gênero feicebuquis, embora ele seja o predominante do período Qqtaconteceno. O gênero Tuitus também era muito comum (Safadão, 2015). Em geral os espécimes deste gênero eram similares aos do gênero Feicibuquis, porem mais curtos, com 140 vertebras (Porchat & Duvivier, 2012, 2013, 2016). Outra diferença qualitativa importante era que o Tuitus sp se organizavam segundo quais as espécies seguiam as outras, formando grandes aglomerados nos oceanos do Qqtaconteceno (Oparin, 1944).
Os registros também apontam mudanças ambientais causadas por grandes paquidermes como o Donaldus trumpicus do Qqtaconteceno da América do Norte. A princípio pouco representativas (1% do total), elas acabaram por tomar conta do registro no qqtaconteceno médio (Al Gore, 1999). A presença do D. trumpicus desorganizou os grandes sistemas evolutivos da região (Sanders & Clinton, 2015), determinando o avanço de espécimes predadoras mais antigas. A ligação do D. trumpicus com outros espécimes da Eurásia, como o Vladescus putinus da Russia conduziu a um retrocesso geral do registro paleontológico imaginário (Cameron, 2014).
No Brasil o Qqtaconteceno (Fora Temer, 2016) é fruto de um ambiente de estagnação paradoxalmente provocados pelos mamíferos do gênero Ministeriopublicus (Janot et al., 2014). Trata-se de uma espécie altamente seletiva, que preda somente os mamíferos esquerdos, deixando os mamíferos direitos livres para continuar predando (Calheiros & Jucá, 2016a, b). Os espécimes hoje dominantes, como os Patus amarelus e os Coxinhus raivosus são decorrência da perda de dominância de grandes espécimes do antropoceno recente como o gênero Ptistus sp. Na tentativa de extinguir as grandes espécies sindicalistas e populares não há certeza, mas há muita convicção (Dallagnol, 1933).
A perplexidade causada no Qqtaconteceno, no entanto, não é nova. Sócrates (apud Platão) já estava intrigado com o registro paleontológico da região de Qqtacontecenia, na Ásia Menor. Suas indagações sobre o Qqtaconteceno forneceram várias explicações que são utilizadas até hoje para entender o registro paleontológico imaginário. Na Alemanha, Karl Marx e Friedrich Hegel (Marx & Hegel, 1844) também propuseram explicações sobre o Qqtaconteceno, explicado como uma luta entre gêneros e ordens paleontológicas imaginárias.
Hoje há várias explicações sobre o Qqtaconteceno (Zizek, 2010; Bauman, 2011). No entanto, o registro paleontológico tem mostrado a consistente reentrada de mamíferos pleistocênicos e mesmo cretáceos nos ambientes modernos. Se o Antropoceno era um período contraditório, marcado pelas bruscas mudanças climáticas e ambientais, o Qqtaconteceno é um período onde a perplexidade faz parte do registro.
Há que se perguntar: tem algum meteoro disponível por aí?

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

A HISTORIA O ABSOLVERÁ?


Cartum de Renato Machado

Quantos e quantos bytes se gastaram (e se gastarão ainda) nestes dias em que em Cuba se preparam as exéquias de Fidel Castro?
De um lado, para muitos, ele é o grande líder da mítica Revolução Cubana, que embalou os sonhos de toda uma geração de latino-americanos. Inclusive os meus. Fidel foi o herói da igualdade e da solidariedade internacional, o camarada que enfrentou (e nunca se dobrou) ao Império. Que desafiou e sobreviveu a onze presidentes americanos. O libertador de Angola e o homem que derrotou o Apartheid e possibilitou Mandela e a África do Sul moderna.
De outro lado, para muitos, aparece a figura do ditador, do déspota, do autocrata. Neste relato, alguns o filiam a Stálin e Pol Pot, assim como a Hitler e Mussolini. Este é o relato da Cuba do paredón, da perseguição, prisão e tortura de inimigos políticos, o perseguidor de artistas, gays e deficientes.
Quem é Fidel? Perguntam-se todos. O que ele significa? Por que desperta tanto amor e tanto ódio?
Não tenho a resposta, nem sei se alguém a tem. Eduardo Galeano tem a dele (aqui). Para a Direita Raivosa brasileira, ver aqui. A melhor definição de tudo é o Cartum de Renato Machado quem faz mais jus à figura do comandante. Nem Céu nem inferno, mas a História, este é o lugar (veja o original aqui). A História o absolverá? Somente com o passar do tempo e com olhos menos apaixonados poderemos chegar a uma apreciação sincera da atuação do comandante.
Entretanto, esta discussão sobre Fidel não é somente uma discussão sobre Fidel. É uma discussão sobre nós, aqui e agora. Sobre o Brasil e seu momento atual. Vejo meus companheiros de esquerda, eu incluso, a defender apaixonadamente Fidel, relativizando o lado amargo da Revolução Cubana. De fato, “gentlemans” não ganham revoluções. É preciso ter estomago para tomar algumas medidas. Não sei se eu as teria ou não, não posso julgar moralmente uma decisão deste tipo cinquenta nos depois, confortavelmente sentado em minha mesa.
Na maior parte das questões, um atenuante óbvio se anuncia: tratava-se da Guerra Fria. Se houve barbaridades daquele lado (o bloco Socialista), do outro lado (o “nosso” bloco capitalista) quantas barbaridades também não foram cometidas? Se ficarmos só na América Latina temos os exemplos da política do porrete, quando os americanos tiravam do poder quem, do campo da esquerda, ameaçasse suas políticas. Podia ser através de golpes de prepostos ou intervenção militar direta. Exemplos abundam. Pra citar dois: a deposição de Jacobo Arbenz Guzman, na Guatemala em 1954, o golpe e a deposição do esquerdista Juan Bosch na República Dominicana, que culminou com a invasão estadunidense de 1965 (com participação da Ditadura Brasileira inclusive). Nesta lista, nem entrei na América do Sul....
O Caribe no pós-guerra era um arquipélago de ditaduras sanguinárias, protegidas por Washington. Como não esquecer da Nicarágua de Somoza (1934 – 1979), da República Dominicana de Trujillo (1931-1961), do Haiti de Papa Doc (1957-1971)?
Assim quando, do nada (para a imprensa americana) um grupo de jovens barbudos desafia e vence um destes ditadores, o não menos sanguinário Fulgêncio Batista (1933-1959), estava configurado o mito.  Sim, era possível.
Cuba sofre de um processo de atração e repulsão por seu vizinho do Norte desde sua independência, em 1898. Desde a sangrenta guerra da independência, a partir da insurreição liderada pelo também mítico José Marti (El hombre sincero de donde crece la palma!), os Estados Unidos frequentemente tomaram um papel que não lhes cabia na condução da ilha. A ocupação militar durou de 1891 a 1903. É deste ano a Emenda Platt, que se estenderia até o governo de Fulgêncio Batista, em 1933. Esta emenda dava o direito de os Estados Unidos intervir em Cuba sob pretextos diversos, limitando na prática a independência do país. Desta forma, a Revolução Cubana pode ser entendida neste contexto secular como uma reação à dominação americana e uma segunda etapa do processo de independência do país.
O embargo americano também explica diversas atitudes tomadas por Cuba desde os anos 60. A resistência torna-se seu mote, e a resistência a qualquer preço. Depois do colapso da URSS em 1991 e mesmo antes, a situação econômica piora. Mas a pequena ilha resiste. O embargo gera uma porção de problemas e uma justificativa bastante plausível ao governo cubano para tomar medidas duras. Um duro embargo que já dura mais de 50 anos.
Por outro, vejo meus amigos de direita com um relato que é verdade: sim, o regime cubano matou pessoas. Os fins justificam os meios? Não posso responder que sim. Mas entender o que aconteceu dentro do espectro de seu tempo ajuda a entender algumas decisões.
O discurso da Direita está sendo usado, no entanto, para culpar a atual esquerda brasileira. Acho isso injusto e prejudicial ao bom debate. A esquerda já fez uma boa autocrítica desta e de outras práticas do passado. Não se pode achar que Stálin e Pol Pot sejam nossos camaradas. Meus nunca foram.
Hoje, a esquerda brasileira – e é só por ela que posso falar -  é mais democrática e legalista que a direita. Falo isso com muito orgulho. Durante o golpe, embora esperneássemos, o poder foi entregue sem nenhuma resistência, dentro da lei, embora não houvesse concordância com sua interpretação.
Por outro lado, a direita sempre abusou da lei (A lei? Ora, a lei!).  A direita burra vive propondo - hoje! Agora! Neste instante! -  um retorno ao passado, um passado violento que nos remete ao mundo antes da Revolução Francesa, antes da cidadania e dos direitos do homem. Um mundo de lei e de ordem. “Direitos Humanos para humanos direitos”. Mas lei e ordem para quem, cara pálida? Continuamos a mesma política do Império e da Colônia, admitindo tortura e morte sem julgamento para os mais pobres, que não por acaso são pretos e índios.
A direita mais “light” vive fazendo armadilhas e mudando as leis. Para quem está reclamando das anistias ao caixa dois e as outras patifarias que o congresso está fazendo: lembrem-se da corrupção que foram os cinco anos para Sarney e a reeleição de Fernando Henrique. O prof. Luiz Felipe Alencastro há muitos anos atrás denunciou esse golpismo “light” através das mudanças constitucionais (aqui).
Falar de Fidel, hoje, é falar do Brasil. É isso que nossos amigos de direita querem nos dizer é: “Isso não serve para nós, não está vendo? ”. “É isto o que você quer para o Brasil? ”, como diziam no tempo da Ditadura. Não, isso não nos serve. Por exemplo, não compactuo com tortura e assassinato sem julgamento, como fez o Exército Brasileiro nos anos 70 (ver o livro de Elio Gaspari, “A Ditadura Escancarada”). Atrocidades que o Exército Brasileiro nunca admitiu, o que é mais vergonhoso ainda. Não compactuo com o genocídio de pretos e índios que as policias militares e diversas milícias vem fazendo no campo e nas cidades.
Não compactuo com políticas de discriminação social, religiosa e qualquer outra. Se Fidel tratou de forma abusiva os gays (los enfermitos), ele está numa companhia que não é boa, mas numerosa. A prática de castração química, prisão e morte foi muito comum no passado (veja os exemplos na Inglaterra e nos Estados Unidos, e mesmo aqui no Brasil) e ainda o é no presente em vários países. Isso tem que ser posto em sua correta dimensão: estava errado e tem que ser denunciado. Agora, eu acho estranho que muitos que reclamam da “Ditadura Gayzista” estejam agora se compadecendo de nossos companheiros homossexuais. Cubanos.
Não gostam de Fidel? Tudo bem. Não gostam de sua prática política? Faz parte do jogo. Eu acho Fidel uma grande liderança e uma pessoa importante na luta dos povos por mais igualdade. Ele é incoerente e cometeu erros, sim. Ninguém é coerente o tempo todo. Ele não é candidato a Santo. Mas não é possível ignorar que sua luta foi importante na melhoria de vida e na redução das desigualdades em Cuba e na América Latina. Não é possível ignorar seu papel no fim do Apartheid. Não é possível ignorar as conquistas da Medicina cubana (veja um depoimento do insuspeito jornalista Jorge Pontual, da Globonews, aqui).
Cuba tem os desafios dela (ver aqui), nós temos os nossos. Nós nunca enfrentamos, com exceção dos governos petistas, o desafio de superar nossas desigualdades. Vivemos numa sociedade estamental e extremamente desigual. Nossas classes dominantes nunca quiseram expandir o ensino e a cidadania. Pelo contrário, nos enfurnamos em condomínios fechados e depois reclamamos que a rua está tomada por bandidos. Não estamos nem aí para uma sociedade em que a polícia nos trate todos como iguais. Somos coniventes com a tortura nas delegacias e com a morte de jovens, pretos, índios. Somos lenientes com a cultura do estupro, expondo nossas mulheres a situações inconcebíveis. Temos aversão e permitimos que as pessoas LGBT sofram com a violência e o assassinato.
E depois, refestelados no sofá da casa assistindo à televisão ou, então, na tela do computador ou do telefone, ficamos nos horrorizando com estas mesmas coisas. Mas no país dos outros.
Enquanto isso, Fidel entra na História pela porta da frente.

domingo, 20 de novembro de 2016

HOMO DEBEM


(a Paleontologia Imaginária é um ramo da Paleontologia que trata de animais incertos; é um ramo do conhecimento que faz fronteiras com a paleontologia, a geografia, a física molecular, a psicologia e com Morretes (PR). Como membro da Sociedade Brasileira de Paleontologia Imaginária (SBPI) e colaborador da South American Review of Imaginary Paleontology, periódico classe A1 da CAPES, venho através deste blog fazer a divulgação científica da Palentologia Imaginária para o publico interessado em ciências)


Os homens de bem não constroem Impérios;
apenas lhes fornecem a argamassa.
Millôr Fernandes
Dentre todos os locais do Leste Africano onde foram encontrados resquícios de hominídeos fósseis, nenhum tem causado tanta polêmica quanto a Garganta de Olduvai, onde foram pela primeira vez encontrados os restos fósseis do homo debem. Segundo o arqueólogo Osborne Leakey, primo de Richard Leakey, o homo debem foi uma espécie representativa do Pleistoceno inferior de Olduvai (O. Leakey, 1959). Os principais jazigos fossilíferos, localizado nos estratos superiores, indicam sua ocorrência imediatamente após as Grandes Guerras Pleistocênicas (Marshall, 1946).
Algumas características iniciais mostravam tratar-se de uma espécie dominante, de comportamento bastante singular. Consumia com avidez os produtos líticos de seu tempo, e desfrutou de um período de grande irradiação, tendo alcançado a maioria dos locais habitados pelos hominídeos de seu tempo (McLuham, 1960).  
Segundo os principais trabalhos sobre o homo debem, a espécie era reconhecida por ser muito produtiva, produzindo artefatos líticos de consumo para a maioria dos hominídeos de período (Ford, 1927; Toyota & Ford, 1957; Toyota et al., 1988). Tinha um comportamento monogâmico restrito, e se acasalava com fêmeas recatadas e das cavernas (Fora Temer, 2016). Segundo alguns pesquisadores do período, o homo debem era uma espécie muito respeitada e temida em todo o leste africano (Magnoli, 2011).
Estudos mais recentes, porém, mostram que o comportamento do homo debem não é tão homogêneo quanto aparentemente se pensou (Foulcault, 1974). Os homo debem eram na verdade uma espécie bastante subordinada entre os demais grupos de hominídeos. A espécie verdadeiramente dominante eram os homo debens, que controlavam os grandes caminhos murados (wall streeets, em inglês). Os homo debens dominavam a produção dos homo debem e exploravam seu trabalho de produção de manufaturas líticas (Pikety, 2012).
Frequentemente, durante as crises provocadas pelo homo debens, os homo debem perdiam suas ferramentas e ficavam sem ter o que fazer, vagando pelas savanas e consumindo bebidas alcoólicas (Bukowsky, 1960). As fêmeas da espécie rebelavam-se continuamente contra sua dominação, e os lares chefiados somente por fêmeas da espécie chegou a representar metade dos locais de moradia ao fim do pleistoceno (Beauvoir, 1956).
Depois de duas grandes crises, datadas pelo Carbono 14 em 100.929 e 100.208 BP (antes do presente), os homo debem foram praticamente extintos (Soros & Buffet, 2008). No entanto, algumas espécies de hominídeos inadaptados para as mudanças daquele início de milênio, acabavam por associar os homo debem a posturas retrógradas e conservadoras (O. Carvalho, 2013). Espécies parasitas como o Coxinhus sp e o Australopithecus bolsonarius participavam de estranhas festividades com os corpos pintados de amarelo e orando para uma divindade aquática (O Grande Pato), tentando lembrar dos homo debem como um exemplo positivo de hominídeo (R. Azevedo et al., comunicação verbal, 2016).
Alguns pesquisadores, no entanto, levantam a hipóteses de que os homo debem jamais tenham de fato existido. Segundo estes pesquisadores, a lenda dos homo debem, pacíficos e corretos, foi inventada para que os demais hominídeos da região se submetessem mais pacificamente aos homo debens (Chomsky, 1980; Chomsky, 2010; Chomsky, 2014). A polêmica subsistiu durante vários anos, sem resultados satisfatórios (Villa, 2012; Villa, 2013; Villa, 2014; Villa, 2015).
O que se sabe é que após a provável extinção dos homo debem persistiram vários anos de disputas no leste africano, entre os lados direito e esquerdo do vale de Olduvai, sobre quem se apropriaria do material lítico produzido. Não se sabe exatamente o que resultou, mas a ampla proliferação de hienas e urubus na região pode ser indicativo de uma extinção generalizada de vários espécimes de hominídeos (O. Leakey, 1964).


domingo, 6 de novembro de 2016

A CAPELA E SEU ANIVERSÁRIO: SAUDADES

Os meninos magrinhos dos anos 60/70 marchando no aniversário da Deitada-a-beira-do-mar
Mais um dia ensolarado por aqui. Venta um pouco de manhã, faz um friozinho, mas daqui a pouco o sol levanta e vai esquentar muito. Grandes nuvens se formam nas serras ao norte, rumo de Minas. Os passarinhos fazem uma feroz algazarra pelas arvores ao redor.
Vejo no meu telefone que o tempo em Antonina é nublado, com 50% de probabilidade de chuvas. A temperatura oscila pouco, entre confortáveis 19 e 23 graus. Será que vai ter desfile?
Quando era pequeno, esse era o terror dos dias 6 de novembro: será que vai chover? Se chovesse muito, o desfile do aniversário da cidade seria cancelado: como assim, não desfilar? A gente ensaiava um monte, noites e noites lá na caserna dos escoteiros, para que todos marchassem bonitinho, todos juntos, pé direito, pé esquerdo, num mesmo ritmo marcial. Se chovesse, como seria?
Nos meus anos de guri, todos se reuniam no coreto da praça: as escolas, as associações beneficentes, os escoteiros. Era um mundo, penso hoje, ainda tributário da era Vargas e daquele mundo protofascista das corporações. Mas, para nós, naquele tempo, isso não importava. Era uma festa. Todos estavam de roupas de festa. Nós, escoteiros, impecavelmente fardados.
No coreto, os discursos. Nem me lembro. A gente não ouvia direito, ou não entendia direito. Não devia ser coisa séria mesmo. Estávamos ali tentando ser marciais, brincando de soldadinhos. Lá em cima, o Prefeito, o Presidente da Câmara ou quem quer que fosse o orador, nada disso nos importava. Ficávamos vendo era quem chagava atrasado, quem havia esquecido alguma peça da farda, quem estava com o lenço arrumado, o bibico certo na cabeça.
Depois, vinha o desfile.
Os escoteiros abriam o desfile, marciais e garbosos o quanto podíamos ser marciais e garbosos aqueles meninos magros mal cabendo nas fardas. Na verdade, desfilávamos para nós mesmos e para nossas famílias. Sempre quando passávamos tinha um grupo que aplaudia um de nós, gritava o nome, batia palmas. Eram as famílias que estavam ali, enxergando-se naquele menino de farda um futuro e um passado.
Ficávamos sempre muito nervosos durante o desfile, de olho pra ver se estava tudo certo, se todos estavam de passo certo. Estávamos todos nervosíssimos até chegarmos ao Jequiti, onde o desfile terminava. Ali, quando nos dispersávamos, tínhamos uma outra tarefa: cuidar da “segurança” do desfile.
Armados de grossos bastões de madeira, ficávamos 1á frente da multidão para impedir que se atravessasse a pista do desfile, coisa que quase nunca acontecia. E ali ficávamos, marciais, “cuidando” do desfile das escolas e das associações. Era um prazer ter toda aquela responsabilidade. Lembro do orgulho que nós sentíamos por estar ali, fazendo parte das comemorações da cidade.
Acho que esta é a minha emoção mais marcante do dia 6 de novembro.
Faz muito tempo que não vou a um desfile do aniversário da Deitada-a-beira-do-mar (o deste ano é do 219º aniversário da elevação à vila, não é isso?). Aquelas lembranças são de um outro tempo, de uma outra cultura, de uma outra pessoa. Não sei como são os desfiles hoje, nem sei se teria paciência para assisti-los.
Sinto mesmo é uma grande e carinhosa lembrança de minha infância, de meus companheiros. Lembrança de um tempo que eu me sentia ligado profundamente a minha cidade e à sua gente. Por mais que me esforce, aquelas sensações aparecem para mim borradas como numa fotografia antiga.
Saudades, Capela! Saudades, Grupo Escoteiro Valle Porto de Antonina!

sábado, 8 de outubro de 2016

A OUTRA REPÚBLICA DE CURITIBA



Curitiba
   O interventor do estado
   era um pinheiro inabalável

   inabaláveis pinheiros igualmente
   o secretário da segurança pública
   o presidente da academia de letras
   o dono do jornal
   o bispo o arcebispo o magnífico reitor

   ah se naqueles tempos
   a gente tivesse
   (armando glauco dalton)
   um bom machado!

(José Paulo Paes)



Muito tem se falado na tal “República de Curitiba”. Para uns, trata-se de gente fazendo a lei; para outros, trata-se do judiciário extrapolando sua função, com os juízes e Ministério Público tornando-se “justiceiros”, conforme já discuti aqui no blog. No entanto, para longe dessa Curitiba oficial (seria oficialesca?), gostaria de fazer algumas considerações sobre uma outra República de Curitiba.
Trata-se da Curitiba que se ergue para além da Curitiba oficial, das canaletas do expresso, do calçadão da rua XV e do bosque do Papa. Uma Curitiba diferente da Curitiba que frequenta os shows do Teatro Guaíra ou os saraus do Clube Curitibano. A Curitiba suja, a Curitiba feia, a Curitiba que não está no mapa.
Trata-se da Curitiba da cultura underground. Nos pequenos bares ao redor da Reitoria, nos palcos do TUC, nos coletivos artísticos que hoje proliferam na vida cultural da cidade. Uma efervescência que ultrapassa em quantidade a qualidade muito do que a cultura oficial vem produzindo. Estes grupos hoje estão produzindo uma inquietação que vai além da acomodação da classe média curitibana e seu sentimento que seu “Batman” togado vai resolver seus problemas enquanto estão sentados no sofá da sala.
No passado, esta Curitiba era representada pelas figuras marginais da cidade. O grande ícone sempre foi Santa Maria Bueno, a santa das putas. Assassinada por seu amante no final do século, seu tumulo na ala mais pobre do cemitério municipal é hoje o grande centro de peregrinação. São as prostitutas, as mulheres humildes, deserdadas na sociedade Família & Propriedade os que buscam seu consolo. Outro grande ídolo foi Gilda, o traveco, o sujo, o odiado e amado nos anos 70 e 80. Não havia como não vê-la na rua XV, amável e provocante, de vestido e barba por fazer. Eu vi.
Não por acaso, hoje Maria Bueno e Gilda são ícones desta Republica de Curitiba. Por seu papel transgressor, seu desafio á bem-comportada ordem, sua afronta aos bons costumes, elas representam a Curitiba que não se verga as luminárias de plástico “para turista ver”, como já reclamou no passado outro ícone fora do eixo, Dalton Trevisan. Esta Republica de Curitiba é o espirito de Paulo Leminski, a tropeçar bêbado pelas canaletas do ônibus expresso, a cantar suas maldições. É a Curitiba de Ademir Plá, a nos embalar nossas manhãs na rua XV com sua música torta e sua estética riponga.
Hoje, é a Curitiba dos coletivos, dos shows na praça do ciclista, da ocupação da Funarte, da recusa a participar da arte oficial. É a arte dura e provocante de coletivos como o Agua Viva Concentrado Artístico e a Selvática, entre outros, que fazem a outra República de Curitiba dar as caras, e denunciar a ordem e o progresso da Curitiba bonitinha, limpinha e ordinária. É a Curitiba da transgressão, do transgênero, do transbordamento da inquietude que desafia a Curitiba dos carros caros e dos edifícios empresariais limpinhos, cheios de homens engravatados e mulheres de tailleur, prontos para descer o cacete no novo, no feio e no diferente.
Como amar Curitiba? Não sei. Nem tentei. Nunca me seduziu essa estética de classe média de morar em sobradinho e essas canaletas de ônibus que fazem os pobres morarem cada vez mais longe. O aperto dos terminais de ônibus contrasta com o espaço aberto do Centro Cívico, esse elefante branco manchado do sangue dos professores paranaenses por mais de um governo “democrático”. Temos que dizer não ao “Paraná das Famílias” e da “Curitiba que tem túmulo no Cemitério Municipal”, como disse no passado um orgulhoso Rafael Greca.
A verdadeira República de Curitiba é a cidade das casas de madeira, das fachadas de lambrequins. É a república dos trabalhadores indo de bicicleta para o trabalho, das diaristas atulhando os ônibus expressos para o centro. É a dos bailões sertanejos da periferia, das peladas da várzea, das calçadas de grama, dos botequins sujos servindo ovo com rolmops. É a Curitiba das prostitutas, dos trabalhadores humildes, dos empregados do comercio, cantados por Dalton Trevisan. A Curitiba dos negros e dos polacos, e dos polacos pretos. Essa cidade simples e humilde (muitas vezes conservadora), mas que valem mais do que quadras inteiras da Agua Verde e do Jardim social.
 Viva Gilda e Santa Maria Bueno. Essa é a República de Curitiba.
A outra, a tal, que a História tenha piedade.

quarta-feira, 31 de agosto de 2016

O NOVO TEMPO SAQUAREMA

Foto auto-explicativa de Marcelo Camargo (agencia Brasil)

Hoje acordei bem cedo. Chovia e fazia frio. Levantei para retirar algumas coisas que deixamos no jardim e que estavam molhando. Voltei pra dentro molhado, sentido o vento frio na cara. Hoje, parece que o dia inteiro foi assim, feio e frio.
É num dia assim que vivemos um dos momentos mais tristes da historia politica do Brasil.
Tudo já estava anunciado de antemão. Os acordos já tinham sido feitos e ninguém acreditava que seria possível uma reviravolta de ultima hora nessa votação.
Dilma Roussef errou, e errou muito. Mas também acertou, várias vezes.  No seu segundo mandato, foi impiedosamente impedida de governar pelas "pautas-bomba" de Eduardo Cunha. Não há como defender o governo de Dilma pelo conjunto da obra. Mas defender a legalidade e a democracia, essa é a questão que se coloca. Como disse o blogueiro Daniel Buarque (aqui), o impeachment de Dilma Roussef acabou por reforçar nossa imagem de Democracia “disfuncional”.
Quanto ao julgamento:  foi impressionante ver Dilma Roussef durante 14 horas de sessão ali, firme, respondendo as questões duras que lhe foram feitas. Muitos estranharam o seu jeito demorado de responder, a fala muitas vezes repleta de tecnicalidades e alguns equívocos. Muitos dos que vi fazendo gracinha com os eventuais deslizes de Dilma Rousseff não passariam numa mera apresentação de seminário na faculdade. Mas, no “haterismo” da internet, viram doutores.
Num bombardeio desses, o que ficou não foram os eventuais equívocos e deslizes, mas os muitos acertos de sua narrativa. O que ficou foi sim uma Presidenta da República respondendo politicamente a um julgamento baseado em falsas premissas. E ela as respondeu, uma a uma. Collor faltou à dele, e duvido que muitos destes doutos senhores ali do Senado tivesse a força demonstrada por Dilma ao fazê-lo.
Sim, porque a vontade de destitui-la veio muito antes das razões que se levantaram para tanto. Primeiro queriam a recontagem dos votos. Não deu em nada. Depois, desconfiaram das urnas eletrônicas. Como se tivessem pequenos petralhas digitais nas urnas fraudando votos, o que obviamente não foi verificado. A verdade é que a direita no Brasil sempre tem desconfianças com as urnas, e não só das eletrônicas. Desde a UDN, quando a democracia de massas se implantou no Brasil, preferem o caminho do golpe ou das mudanças constitucionais. Voltaremos a este assunto em outra ocasião.
Bom, aí vieram as tais das pedaladas fiscais. É um argumento muito fraco. Para o especialista Kai Micheal Kenkel, do Instituto alemão de Estudos Globais e Regional e observador do processo, o uso das pedaladas configuraram um abuso do mecanismo de impeachment (ver aqui). Segundo ele, além dos vários pareceres que demonstraram que as pedaladas não podem ser enquadradas como crime, uma vez que “outros presidentes já fizeram uso das pedaladas fiscais. A única diferença é a envergadura, que foi maior sob Dilma", conclui Kenkel.
As tais das pedaladas fiscais soarão no futuro tão ridículas quanto outros processos políticos do passado.
Lembro aqui, do famoso Plano Cohen. Divulgado pelo governo de Getúlio Vargas em 1937, continha um suposto plano de tomada do poder pelos comunistas. Sabe-se hoje que foi escrito pelo então capitão do exército (e não por acaso golpista de 64) Olímpio Mourão Filho, militante integralista, e que serviu de pretexto pra a consumação do golpe do Estado Novo (para saber mais veja aqui).
Pretextos para golpes de estado não faltam, mesmo para nossa tão pouco criativa elite econômico-financeira.
O que estamos assistindo é a volta do grupo conservador a cena politica brasileira. Depois de treze anos de um governo que foi timidamente progressista, as “forças vivas da nação“, como em 64, deram uma volta por cima. E que volta por cima! Um “Regresso” bem a seu modo. Não é um golpe de estado. Mas tem o cheiro ruim, o gosto amargo e a aparência estragada de um golpe de estado.
 Sob os céus do Brasil (que hoje amanheceram frios e cinzentos por aqui) instala-se mais um “tempo Saquarema”. “Partido Saquarema” era o apelido dado pelo povo aos integrantes do Partido Conservador dos tempos do Império, advindo da região do estado do Rio dominada politicamente (leia-se pela violência e capangagem) por vários influentes lideres deste Partido.
Este é o Brasil do “Centrão Saquarema”, dominado por homens brancos de meia idade e apoiado pelos três maiores partidos da casa: o Partido do Boi, o Partido da Bala e o Partido da Bíblia. Baseado na violência e na coerção física, como os saquaremas imperiais, a nova ordem quer impor uma plataforma derrotada pelas urnas. Quer remover direitos e dar algumas vantagens a burguesia rentista brasileira, famosa por sua dependência (eles sim!) das “leis Rouanet” da economia. O Centrão Saquarema quer desnacionalizar por preço vil o pouco que nos resta de riquezas naturais. E quer acabar – leia-se criminalizar - com toda a oposição de esquerda.
Outro não é o significado desta quarta feira. Amanhã, sob a égide dos novos saquaremas, a merda vira ouro, os meganhas da PF voltam para seu lugar, os pobres vão para a cadeia. E todos na Casa Grande, depois de longos treze anos, finalmente podem dormir o sono dos (hã?) justos.
Fim da História.
Mas...a Historia tem fim?

A conferir.

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

OS "BONS TEMPOS" DE MUNIRA PELUSO

Eu não estava com muita vontade de opinar sobre as eleições municipais de Antonina, por diversas razões. Sem nenhum desdouro aos demais candidatos à vaga de prefeito, continuo achando que Zé Paulo deveria ter uma chance de governar Antonina. As razões já dei aqui neste blog. Mas essa resposta, bem sei,  cabe aos quinze mil (quinze mil?) eleitores da Deitada-a-beira-do-mar.
O que eu gostaria de comentar – mais uma vez – é a longevidade da candidatura Munira Peluso. A movimentação na internet e no facebook começou com a clara intenção de alavancar sua campanha. O tal do grupo público aberto parece bem demonstrar isso.
Conforme já falei aqui, Munira Peluso tem cerca de vinte a vinte e cinco por cento dos votos cativos. Isso não muda, pois é um eleitorado que veio com ela desde os anos 90 do século passado. As politicas clientelistas da ex-prefeita, que também já discuti aqui, contribuem para isso.
A campanha é bem óbvia. Fala de um tempo no passado, um tempo ideal. O álbum de fotos  “Bons Tempos”, mostra em tons descoloridos uma Antonina ideal, como se Antoninas ideais existissem. Obras realizadas, pessoas felizes, notícias boas nos jornais. Parece que tudo corria as mil maravilhas neste breve tempo, em comparação com os tempos que se seguiram.
Esta é uma tática ilusionista. Vista do tempo nebuloso de hoje, parece que havia uma era de ouro em Antonina, maior até que os tempos de Heitor Soares Gomes.   O que, evidentemente, é uma grande bobagem.
Naqueles tempos, Munira nadou numa corrente de prosperidade do governo Jaime Lerner (Quem se lembra?),  com a inauguração do Terminal Frigorifico e em algumas outras politicas que já não mais existem. Nem seu antigo benfeitor, Beto Richa, pode mais ajudar ninguém. A grande oferta de empregos daquela época não é possível mais hoje. Ou seja, uma gestão Munira neste já tão avançado século não seria mais do mesmo. A conjuntura é outra.
Claro que olhar para o passado olhando a partir do desastre ético da gestão D´Homero dá algumas vantagens em comparação com prefeitos anteriores, todos eles.  Mas esquecer o nepotismo e a mediocridade de uma gestão que quase acabou com o Carnaval de Antonina -quem se lembra? Essa era a Antonina de “Mônica”: parentes na prefeitura, moralismo de araque sufocando as festas públicas, valentões espancando desafetos e opositores.

Eram realmente bons tempos?

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

A REPUBLICA DE CURITIBA



Curitiba tem estado nas cabeças e nas bocas recentemente como um local: a sede da tal “República de Curitiba”, a sucessora da “República do Galeão” dos desvarios udenistas do passado. Vi recentemente nas ruas os carros com adesivos apoiando Sergio Moro e suas investigações. O curitibano médio sente que ali esta se fazendo uma luta contra a corrupção, e se sente mais aliviado.

Afinal, todos sabemos que, se estamos vivendo (e sobrevivendo) numa sociedade marcada pela corrupção, a corrupção também nos atinge. No fundo no fundo, todos nos sentimos um pouco corruptos no nosso dia a dia. Molhar a mão do guarda, furar fila, andar acima da velocidade permitida são pequenas corrupções. E existem as grandes, as grandes maracutaias, aquelas que sabemos de longe, seja por conversas seja através de noticias na mídia. Se vemos isso acontecer sem fazer nada, então somos todos corruptos.

Quando aparece alguém querendo fazer justiça, queremos que ele puna os corruptos. E os puna exemplarmente. Segundo os psicanalistas, o desejo é que nosso cotidiano corrupto seja punido, e que nós também sejamos punidos por nossa corrupção. Aí vem a vontade de punir mais que a punição, punir exemplarmente. A vontade de punir (nos punir) é como a sensação do linchamento. Uma catarse coletiva toma conta da sociedade, que sente que está sendo regenerada e punida por suas culpas.

Entretanto, uma coisa é a justiça, outra o justiçamento. A primeira é lenta, exige contraprovas, não se contenta com versões, e nem sempre leva a catarse. Muitas vezes, a justiça não pode ser feita exemplarmente, pois a necessidade de provas é um imperativo e uma limitação da justiça. Não se pode punir sem absoluta certeza; a dúvida está do lado do réu. Por isso muitas vezes sentimos a sensação de que a justiça é distante, difícil, senão impossível.

Já o justiçamento não. Se a justiça não foi feita, podemos rapidamente estender uma corda numa árvore e pendurar o culpado. Sim, porque o culpado já o é de antemão. Precisa apenas de uma denúncia, umazinha só, e a culpa está feita, às favas as minúcias e as regras legais. Queremos de uma vez acabar com o culpado, e com ele acabar com nossa culpa. Quando acaba o justiçamento, uma sensação de euforia e de dever cumprido toma conta das pessoas, como uma boa injeção de dopamina.

O justiçamento pode deixar as pessoas mais relaxadas. Pode ser glamuroso, como num filme do Batman. Mas na vida real, com suas incerteza e suas nuances, o justiçamento espalha ainda mais injustiça do que aquela que pretende exterminar. Os prejulgamentos, os julgamentos midiáticos estão aí pra nos mostrar o quanto podemos nos equivocar e provocar ainda mais injustiças.

Existiu o caso da Escola Base em São Paulo. Existiu, nesta mesma Curitiba republicana, o longo processo das “bruxas de Guaratuba”, uma historia macabra de assassinato de crianças em rituais de magia negra que frequentou nosso imaginário nos anos 90. E existem os processos políticos travestidos de ações contra a corrupção, como estamos vendo hoje.

Nada contra investigações contra a corrupção. Quem não é a favor de investigar e punir atos de corrupção, ainda mais com o dinheiro público? No entanto, existe hoje uma série de perversões que estão sendo feitas em nome do combate à corrupção e que estão viciando e envenenando nossa jovem democracia.

A República de Curitiba, chefiada pelo juiz Moro, gerou uma serie de fatos controversos, muitos deles contestados pelos Juízes do Supremo e por muitos advogados no Brasil e fora dele. Prisões arbitrárias, investigações feitas de maneira parcial, divulgação ilegal de escutas telefônicas, são muitas as acusações de arbitrariedade manchando uma operação que deveria ser a “nossa” Operação Mãos Limpas.

O juiz Moro não é Batman. Não podemos concordar com um juiz justiceiro. As investigações devem ser feitas nos termos da lei. Claro, doa a quem doer. Não podemos ser coniventes com quem rouba dinheiro público. Mas este processo de investigação - e isso eu acho que é claro (é?) para todos - deve ser feito dentro da lei.

De boas intenções estão cheias as casas e as almas da Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba. Uma cidade tão limpinha e organizada, Curitiba tem orgulho de si mesma. Tem tanto orgulho de seus ônibus vermelhos que não consegue pensar num sistema mais eficaz como o Metrô, por exemplo. A expansão da cidade gerada nos tempos da Ditadura e de Jaime Lerner já não se sustenta.

Mas o curitibano que põe adesivo no carro dizendo que apoia a Lava-Jato (incondicionalmente, talvez!) não anda de ônibus. É fácil sentir orgulho de algo que você vê de longe, na canaleta. Não pega os ônibus superlotados no horário de pico, não enfrenta as filas dos terminais. É fácil dizer que “o sistema de transporte funciona”, por que você não sente a sua atual deficiência.
O curitibano que acha que mora na capital ecológica não pode usar (nem pra limpar as mãos!) as águas do rio Belém, do Atuba e do Barigui. Acha que o frio é chique, mas mora em casas ruins termicamente, e usa roupas de frio igualmente caras e ruins. E se acha na Europa, cercado de araucárias por todos os lados.

É fácil não ver seus próprios pecados. É fácil esperar que um outro (um justiceiro) faça o “trabalho” que eu como cidadão não posso fazer. É fácil bater no peito e dizer que o problema são os outros. Assim como é fácil dar um like no facebook e colocar um comentário raivoso de que você é a favor do Batman.

A república de Curitiba eu quero outra.



segunda-feira, 13 de junho de 2016

SOB A SOMBRA DO VULCÃO

O Vesúvio visto de Nápoles

Ontem eu estava com certo receio de Nápoles e dos napolitanos. Apesar de me julgar quase um napolitano, que achava que para conseguir esta condição era suficiente consumir sorvete napolitano (aquele com três sabores) e a pizza marguerita, cheguei aqui com os dois pés atrás. Confesso que minha primeira impressão foi a de um mundo caótico e sem lei. É um pouco assim mesmo. Mas tem também outras coisas.
Ao caminhar pela manhã pela cidade, não se pode ignorar a figura magna do Vesúvio. Sim, o grande vulcão que assombrou o império romano e submergiu as cidades de Pompeia e Herculano está ali, nas vistas de cada um. É como se, em Antonina, estivéssemos todo o tempo com um perigoso e avassalador morro do Feiticeiro.
Ao caminhar pela cidade sentimos que ela é habitada por um povo hedonista, que adora o prazer e se divertir. Como não se divertir, se você vive na boca de um vulcão? Fiz essa pergunta para mim mesmo varias vezes. Não sei se tenho uma boa resposta. A ultima erupção foi em 1944, os pracinhas brasileiros anotaram suas ocorrência quando passaram por aqui. Como reagiria frente a uma erupção?
O que impressiona em Nápoles é o sol, que brilha como em nenhum outro lugar que eu conheça. Uma luz que faz tudo se cobrir de uma aura, como se fosse uma pintura a óleo. Os pintores que vierem para a Itália no século XVIII inventaram um tipo de pintura que se encontra em todos os lugares, em todas as casas burguesas desde então: uma pintura em tons pastel, mostrando uma natureza perfeita e maravilhosa, numa baia perfeita e cheia de gente alegre. Arvores e céus perfeitos, desenhados em delicados tons pastel.
Não é assim, por suposto. As pessoas são rudes e grosseiras, e sua grosseria é visível nas ruas, no transito, no atendimento dos restaurantes. O lixo se acumula em todo o lugar, apesar dos carrinhos e das modernas caçambas de lixo em todas as ruas. No comercio há que se fazer atenção no troco, os taxistas (sempre eles – cadê o Uber?) querem nos enganar a todo o momento.
Nas ruas, vemos cartazes com figuras estranhas, candidatas a não sei o que. Eu não votaria em nenhum deles. Mas há quem vote, e esses são os napolitanos. Foram enganados, invadidos, envenenados, e não estão nem aí. Adoram sua baía, sua cidade e sua vida. Lutam pra manter tudo como está. A alegria é a família, a missa, os amigos. Faz quinhentos anos que é assim. Resistiram à Revolução Francesa, às Guerras Napoleônicas, à Unificação italiana, à Revolução Industrial, à invasão aliada durante a Segunda Guerra Mundial. Enfim, os napolitanos resistiram à Era Moderna. Apesar de andarem pra lá e pra cá com seus celulares, estarem na internet e assistirem à RAI, os napolitanos são seres do passado, tentando manter-se naquelas pinturas românticas de antanho.
Entendo perfeitamente.
Venho também de uma cidade que, embora pequena e insignificante e parada no tempo, não desiste jamais. Claro está que a Deitada-a-beira-do-mar não se compara com Nápoles e seus dois mil anos de história. Antonina não tem o Vesúvio, mas como disse antes, tem o Morro do Feiticeiro. Embora moderna, é também conservadora. As pessoas tem essa amabilidade rude e graciosa que encanta quem vem da modernidade. Que afaga quem vem, carente,  de relações capitalistas, tipo “Time is Money”, “no pain no gain”.  
O que eu quero dizer é que esta sensação de um tempo anterior a nós a qual, embora não se sustente, nos é muito cara. Não é possível passear pelas vielas de Nápoles sem sentir uma certa nostalgia deste tempo e deste espaço, mesmo que não pertençamos a este mundo. Eu, que tenho algumas fumaças deste ar pré-capitalista, que trago de minha vivência antoninense, me rendo e digo que um outro mundo é possível.

Vivemos todos sob a sombra do vulcão. 

domingo, 12 de junho de 2016

NAPOLES NÃO É PARA PRINCIPIANTES

Piazza del Plebiscito, Napoli

Cesar e Napoleão cruzaram os Alpes uma vez. Eu e Zezinha, de uma maneira mais simples e banal, cruzamos os Alpes duas vezes ontem. A primeira, vindo do Brasil em direção a Munique, na Alemanha. Lá demoramos um tempo no aeroporto e pegamos outro avião para Napoli, aonde chegamos ao fim da tarde. Foi quando cruzamos os Alpes pela segunda vez. O tempo nublado não nos permitiu ver nada além das verdes campinas da Baviera e dos rudes penhascos próximos de Napoli.
O aeroporto de Nápoles é bem simples e meio velhinho, e me lembrou do antigo Santa Genoveva de Goiânia, antes das reformas da Copa. O motorista de taxi, que me lembrou de todos os motoristas de taxi do mundo, dirigiu feito um maluco pelas avenidas e como um “pazzo” pelas ruas velhas do centro de Nápoles. A noção de “transito caótico” dos guias de viagem é pouco. As ruas são estreitas e os carros e motos andam a toda, expulsando para os cantos os pedestres. Fiquei com pena de algumas velhinhas que vi pelo caminho, se esgueirando para uma proteção de metal que algumas vielas têm. Mal dá pra caber um carro e ali passam uma moto, um carro e dois pedestres. Ao mesmo tempo.
O motorista de taxi nos indicou alguns pontos, com uma bela vista do monte Vesúvio de do monte Somma, majestosamente situados no fundo da baia de Nápoles. Indicou o Quartiere Spagnoli, onde as ruas estreitas e prédios altos com varais de fora a fora dá a impressão do exótico que a Itália sempre mostrou aos turistas. Aquele abandono e pobreza blasé e aquele amontoamento de gente que se vê nos filmes italianos antigos.
Nossa anfitriã do AirBnB, a Marina, nos recebeu muito bem, mostrou os detalhes do quarto e da casa. Estamos num quarto no rés-do-chão de um prédio do século XVII, com as paredes descascando e janelas velhas e varais para a rua. Moraria num desses se obrigado pela necessidade, claro está. Mas se pudesse... Ah minha casinha!
Depois, Marina nos levou a conhecer a redondeza. Caminhamos pelas ruas do bairro, ruas estreitas e cheias de pequenos comércios: uma pizzaria, uma verduraria, uma mercearia, e essas outras coisas pré-capitalistas que a modernidade nos deixou sem. Nem temos tempo para comprar todas essas coisas num só lugar, o que dirá comprar tudo picado, e à dinheiro...
Mais abaixo está a grande Praça do Plebiscito, e seus grandes cafés, o Palácio Real, que está em reformas, e a opera São Carlos. Segundo Marina, ela está no mesmo nível do Scala de Milão. Tem na sua programação desta semana um “Romeu e Julieta”, a preços obviamente exorbitantes.
Marina nos deixou na galeria Umberto Primo e se foi. Voltamos no meio da multidão, de gente passeando num morno sábado à tarde.  Diz que as ruas são perigosas, e até crianças são batedoras de carteira. Vimos foi muita gente rindo e se divertindo, o que, dizem, é coisa que os napolitanos melhor sabem fazer.
Comemos uma marguerita à napolitana, uma massa de pão com massa de tomate e grandes (e poucas) folhas de manjericão e um pouco – muito pouco – de queijo. Em tempos de menos glúten e gordura, não é tão ruim assim. A noite chegou, e fomos dormir, exaustos de tanta viagem e novidade.

Ao que parece, Nápoles não é para principiantes....

domingo, 29 de maio de 2016

OBRIGADO, GEOLOGIA!




Obrigado, Geologia!

Eu ainda nem sabia quem era você, e você já estava na minha vida. A Geologia estava nos tijolos da minha casa, no vidro das janelas de minha escola, nos paralelepípedos da minha rua, no mar que banha a minha querida Antonina...

Quantas vezes fiquei na Prainha sentindo o lodo sob os meus pés, ou queimando meus pés nos lajedos da Ponta Da Pita, olhando lá longe o cimo da Serra do Mar, e nem sabia que tudo aquilo era mineral, era rocha, era granito. Quantas vezes, lá em Tamarana, eu ficava com meus pés vermelhos de poeira, ou ia tomar banho nas cachoeiras do rio Apucaraninha e não sabia o que era basalto, o que era arenito.

Obrigado, Geologia!

Obrigado por me fazer ver o pequeno mineral que constrói a rocha que constrói a montanha. Por ver bloco que vira seixo que vira areia que desce da serra que vira lama e vai atulhar o mar. Por ver o veio que vira minério que vira riqueza e que constrói casas, cidades, um país, o mundo.
Obrigado, Geologia, pelas grotas que visitei, pelas drenagens que percorri, pelos morros que subi, pelos frios e calores que já passei. Pelas cidades e pelos países que conheci, obrigado, Geologia!

Você já me levou ao fundo da Amazônia, às veredas do cerrado, às grotas das araucárias, aos píncaros da Serra do Mar! Graças a você conheci as fraldas dos Andes, o altiplano do México, os montes de Sichuan!

Por tua causa, também conheci, Geologia, lugares no fim do mundo, lixões e lugares imundos, grotões que se quer esquecer. Obrigado, Geologia, por me dar o de bom e do pior, meu alento e meu sustento, meu caminho pelo mundo!

Obrigado, Geologia, pelos amigos que fiz e farei, espalhados por todos os cantos! Amigos com quem já compartilhei o fácil e o difícil, barracas no meio do mato, uma casa no fim do mundo, uma fogueira no meio da noite, um gole d´água no fim da trilha, uma cerveja a beira mar.

Obrigado Geologia, por me fazer conhecer tanta gente, tantos mestres, minha medida das coisas, meu sentimento mais fundo!


Obrigado, Geologia, por fazer eu me sentir pequeno, pequeno ser, pequeno instante, na grande história do mundo....