foto: Eduardo Nascimento |
Já faz algum tempo que o Sete-Peles mora em Antonina. Alguns
dizem que ele sempre morou ali, “por isso Antonina não vai pra frente”.
Outros acham que não, ele veio pra cá nos anos 90, quando houve o último
suspiro do Porto. Ou que ele veio num destes Festivais de Inverno, gostou e
ficou. Ou foi num carnaval? Eu nem sei dizer...
O que se sabe é que ele sempre evitou morar no centro, tão
cheio de pecados e pecadores. Procurou casa no Batel, na Pita, a acabou morando
uns tempos no Jardim Maria Luiza, num sobrado alugado. Depois, mudou-se para a
Graciosa de Cima, onde mora num terreno estreito e com uma vista divina (?)
para o mar e para as Serras.
O Capiroto é um senhor branco, classe média, de meia idade.
Um homem de bem, de hábitos simples e metódicos. Todo dia de manhã bem cedo sai
passear com seu cão preto e peludo, desce até a praça da Feira-mar, passa
diante do Casarão dos Macedo chega até o belvedere da Matriz e, depois, volta
pra casa. Outras vezes, mais animado, vai pelo Tucunduva e dá a volta no Morro
do Bom Brinquedo, voltando pelo Batel.
O Coisa-ruim frequenta as missas na matriz, assim como assiste
as celebrações especiais na igreja do Bom Jesus do Saivá. Também frequenta as igrejas
protestantes tradicionais e as neopentecostais. Há quem diga que o viu num terreiro
de Umbanda, mas acho que é maledicência.
Já foi convidado pra entrar no partido tal ou qual, ou sair
pra candidato a vereador por diversos partidos. Até pra vice-prefeito foi
sondado. A todos, o Grão-tinhoso explica que não gosta de política, e que
prefere viver assim, quieto, no seu canto. Os políticos saem cabisbaixos de sua
casa.
Ao que se saiba o Bode Preto nunca brigou com os vizinhos
por causa de muros ou cercas. Também é bem silencioso e não incomoda ninguém
com gritos ou música alta. Vive sozinho, com o seu cão preto. É recatado, e ninguém
nunca o viu botando ninguém pra dentro de casa, seja mulher ou seja homem.
Ou seja, não é um antoninense comum. As pessoas na doce Deitada-a-beira-do-mar
seguem pela vida barulhentas, brigonas, intempestivas, reclamando do vizinho,
da prefeitura, da chuva. Falam do carro novo do vereador, da reforma na casa do
assessor da prefeitura, do vizinho, do cunhado, dos buracos na rua, dos matos
nas calçadas.
De noite, estão nas igrejas rezando ou no bar bebendo. Os da
igreja acreditando na perdição dos que estão no bar e os do bar vendo
afundar-se a vida dos que estão na igreja. Ao se encontrarem nas esquinas falam
de coisas graves e sérias. Como sobre a corrupção dos outros e, sobretudo,
concordam que são todos, os da igreja e os do bar, autênticos homens de bem.
Estes tempos, estava na terrinha, conversando e tomando um
chopp com um amigo querido, na pizzaria ali no final da Avenida do Samba. Questionei
o fato de o diabo estar entre nós. Meu amigo disse não se importar. “Ele não
incomoda ninguém, paga o IPTU regularmente”, me disse ele.
Mas e o mal? Ele não é o mal? Perguntei. Este meu amigo, cínico
e divertido como só um bom capelista pode ser, me olhou e disse: “Pára, Jeffinho!”.
Sorriu, deu um gole no Chopp e continuou: “o mal não está nele, está em você.
Você é que vê o mal nele”. Tive que concordar.
E ele continuou: “fico feliz de ele morar aqui, em Antonina, perto da
gente. Você vê ele cada vez que sai pra passear. Ele é o nosso metro. Como ele
é culpado de tudo, podemos continuar a viver como vivemos”. “E isso é bom?”, perguntei. Meu amigo
me olhou com ares de dúvida: “Sinceramente, não sei, é assim que vivemos. Não
é?”
Concordei com ele. Meu chopp estava esquentando. Dei um gole
e fiquei olhando as mariposas a rodar ao redor das lâmpadas da rua. Os paralelepípedos
estavam brilhando por causa da última chuva que tinha caído, fazia alguns
minutos.