Tonho e Melancia descendo o morro em São Jose dos Campos. Melancia, pra variar, fazendo graça montando a mula |
Quase todas as vezes que íamos fazer alguma investigação geotécnica nesta obra do duto, precisávamos colocar as ferramentas de sondagem no alto de um morro, em geral muito íngreme. Colocar as coisas a pé era penoso, e já estavam todos fatigados ao final da campanha.
Nosso colega Gilberto Marchioro tomou uma atitude ousada, como é do seu feitio, e contratou algumas mulas, com cangalha e tudo, pra auxiliar na empreitada. Quando vi a mula com o material, tive certeza: era uma operação de guerra.
Em várias situações, depois de verificarmos que o terreno era inacessível, procurávamos na região algum morador que tivesse mulas com cangalha: sempre tinha um.
Certa vez, procurávamos por uma mula numa estradinha perdida de um canto perdido de são Jose dos campos. Achamos um sitio num lugar muito bonito, cheio de mata e de água. Veio nos receber um dos filhos da dona, que soubemos depois ser pedreiro. Quando conversamos sobre a mula, ele disse que tinha uma, mas não sabia botar cangalha. Nós também não, e tínhamos mais o que fazer. Recusamos a oferta.
No entanto, ao saber que precisávamos subir o morro levando a sonda, o cara se ofereceu: “eu e meus irmãos levamos isso pra vocês. Somos em oito”. “Oito, aqui?” perguntamos. Ao receber a confirmação, ficamos espantados com tanta gente, mas era difícil recusar uma oferta daquela: oito pessoas a ajudar a carregar nossas equipagens todas, era quase o paraíso.
À noite, ficamos comentando aquilo: falávamos sobre “os oito do sítio”, ríamos muito da situação. “Parece uma operação de guerra”, alguém completou. “ah, já sei, os oito de Navarone!”. E pronto, os oito do sitio ficaram conhecidos como “os Oito de Navarone”.
Acontece que no dia seguinte eu fui pra outro lugar, e não acompanhei a instalação do equipamento de sondagem no alto do morro. Quando, de noite, encontrei o meu amigo Rômulo, que estivera lá naquela frente de trabalho ajudando a instalar os equipamentos, perguntei dos Oito de Navarone. Ele fez uma cara de sacana, abriu uma risada, e me respondeu: “dos oito, só sobrou um!”. “Como assim?”, quis saber, intrigado.
“Pois é”, explicou ele, “quando o pessoal chegou aqui e viu a quantidade de coisa que tinha pra subir o morro, desistiram. Só ficou um deles, o mais velho, que era pedreiro em São Jose dos campos. Ele sozinho nos ajudou a levar as coisas. Ajudou muito”.
Era muita coisa mesmo. E o pessoal era tudo gente de cidade, pouco acostumados com trabalho bruto, caiu fora logo que viu. Mas a piada ficou: “Rômulo, e os oito de Navarone?” “Só sobrou um!” dizia ele, rindo e mostrando com os dedos quantos eram e quantos sobraram.
O trabalho era realmente bruto, quase uma operação de guerra, cruel e sem piedade. Coisa de gente doida mesmo. Ou trabalho pra mula, com cangalha e tudo. Até o pessoal de Navarone, dos oito só sobrou um. Coisa besta, sô!
(Estas crônicas eu escrevi quando trabalhava num projeto de gasoduto entre Atibaia e Sao José dos Campos, em São Paulo, no final de 2009.)
(publicado em 2009 pela primeira vez aqui)