Foto auto-explicativa de Marcelo Camargo (agencia Brasil) |
Hoje acordei bem cedo. Chovia e fazia frio. Levantei para
retirar algumas coisas que deixamos no jardim e que estavam molhando. Voltei pra
dentro molhado, sentido o vento frio na cara. Hoje, parece que o dia inteiro
foi assim, feio e frio.
É num dia assim que vivemos um dos momentos mais tristes da
historia politica do Brasil.
Tudo já estava anunciado de antemão. Os acordos já tinham
sido feitos e ninguém acreditava que seria possível uma reviravolta de ultima
hora nessa votação.
Dilma Roussef errou, e errou muito. Mas também acertou,
várias vezes. No seu segundo mandato, foi impiedosamente impedida de governar pelas "pautas-bomba" de Eduardo Cunha. Não há como defender o governo de Dilma pelo conjunto da obra. Mas defender a
legalidade e a democracia, essa é a questão que se coloca. Como disse o
blogueiro Daniel Buarque (aqui), o impeachment de Dilma Roussef acabou por
reforçar nossa imagem de Democracia “disfuncional”.
Quanto ao julgamento: foi impressionante ver Dilma Roussef durante
14 horas de sessão ali, firme, respondendo as questões duras que lhe foram
feitas. Muitos estranharam o seu jeito demorado de responder, a fala muitas vezes
repleta de tecnicalidades e alguns equívocos. Muitos dos que vi fazendo
gracinha com os eventuais deslizes de Dilma Rousseff não passariam numa mera apresentação
de seminário na faculdade. Mas, no “haterismo” da internet, viram doutores.
Num bombardeio desses, o que ficou não foram os eventuais equívocos
e deslizes, mas os muitos acertos de sua narrativa. O que ficou foi sim uma Presidenta
da República respondendo politicamente a um julgamento baseado em falsas
premissas. E ela as respondeu, uma a uma. Collor faltou à dele, e duvido que muitos
destes doutos senhores ali do Senado tivesse a força demonstrada por Dilma ao
fazê-lo.
Sim, porque a vontade de destitui-la veio muito antes das
razões que se levantaram para tanto. Primeiro queriam a recontagem dos votos. Não
deu em nada. Depois, desconfiaram das urnas eletrônicas. Como se tivessem
pequenos petralhas digitais nas urnas fraudando votos, o que obviamente não foi verificado. A verdade é que a direita no Brasil sempre tem desconfianças com as
urnas, e não só das eletrônicas. Desde a UDN, quando a democracia de massas se
implantou no Brasil, preferem o caminho do golpe ou das mudanças constitucionais.
Voltaremos a este assunto em outra ocasião.
Bom, aí vieram as tais das pedaladas fiscais. É um argumento
muito fraco. Para o especialista Kai Micheal Kenkel, do Instituto alemão de
Estudos Globais e Regional e observador do processo, o uso das pedaladas
configuraram um abuso do mecanismo de impeachment (ver aqui). Segundo ele, além
dos vários pareceres que demonstraram que as pedaladas não podem ser
enquadradas como crime, uma vez que “outros presidentes já fizeram uso das
pedaladas fiscais. A única diferença é a envergadura, que foi maior sob
Dilma", conclui Kenkel.
As tais das pedaladas fiscais soarão no futuro tão ridículas
quanto outros processos políticos do passado.
Lembro aqui, do famoso Plano Cohen. Divulgado pelo governo
de Getúlio Vargas em 1937, continha um suposto plano de tomada do poder pelos
comunistas. Sabe-se hoje que foi escrito pelo então capitão do exército (e não
por acaso golpista de 64) Olímpio Mourão Filho, militante integralista, e que
serviu de pretexto pra a consumação do golpe do Estado Novo (para saber mais
veja aqui).
Pretextos para golpes de estado não faltam, mesmo para nossa
tão pouco criativa elite econômico-financeira.
O que estamos assistindo é a volta do grupo conservador a
cena politica brasileira. Depois de treze anos de um governo que foi
timidamente progressista, as “forças vivas da nação“, como em 64, deram uma
volta por cima. E que volta por cima! Um “Regresso” bem a seu modo. Não é um
golpe de estado. Mas tem o cheiro ruim, o gosto amargo e a aparência estragada
de um golpe de estado.
Sob os céus do Brasil
(que hoje amanheceram frios e cinzentos por aqui) instala-se mais um “tempo
Saquarema”. “Partido Saquarema” era o apelido dado pelo povo aos integrantes do
Partido Conservador dos tempos do Império, advindo da região do estado do Rio dominada
politicamente (leia-se pela violência e capangagem) por vários influentes
lideres deste Partido.
Este é o Brasil do “Centrão Saquarema”, dominado por homens
brancos de meia idade e apoiado pelos três maiores partidos da casa: o Partido
do Boi, o Partido da Bala e o Partido da Bíblia. Baseado na violência e na
coerção física, como os saquaremas imperiais, a nova ordem quer impor uma
plataforma derrotada pelas urnas. Quer remover direitos e dar algumas vantagens
a burguesia rentista brasileira, famosa por sua dependência (eles sim!) das “leis
Rouanet” da economia. O Centrão Saquarema quer desnacionalizar por preço vil o
pouco que nos resta de riquezas naturais. E quer acabar – leia-se criminalizar
- com toda a oposição de esquerda.
Outro não é o significado desta quarta feira. Amanhã, sob a
égide dos novos saquaremas, a merda vira ouro, os meganhas da PF voltam para
seu lugar, os pobres vão para a cadeia. E todos na Casa Grande, depois de longos
treze anos, finalmente podem dormir o sono dos (hã?) justos.
Fim da História.
Mas...a Historia tem fim?
A conferir.