Palavra do Senhor no Evangelho de São Maneco Cego:
Ai de ti, Antonina!
Ai de ti, pobre e velha cidade! Ai de ti, cidade mesquinha e
miserável, com suas ruas cheirando a mijo, suas casas cheirando a mofo,
castigada pelo sol e pelos ventos e maltratada pelas chuvas e pelas marés!
Ai de tuas ruas cheias de mato, de teus muros caídos, de tuas
casas sem cuidado! Ai de teus miseráveis
quintais, tanto os cheios de trastes, velharias e sujeira, quanto os limpinhos
e recendendo a flores. Ai de tua baia assoreada, cheia de mato e sujeira!
Ai de ti e de teus filhos, perdidos em suas ruas, perdidos
nas casas, perdidos no mundo imenso além da Serra e além do Mar!
Mandei marés de lua, mas vós não vos importunastes! Mandei marés
de sete anos, mas ninguém deu a mínima! Mandei assorear a baia, para enchê-la
de entulhos e lodo, mas continuastes no pecado!
Enviei temporais e chuvas imensas que fizessem derreter teus
morros e destruir suas casas, mas nada mudou vossa conduta, Antonina!
Ai te ti, Antonina!
Ai de teus filhos que se perderam no mar: enfrentando as águas salobras de nossa baia, ou enfrentando os mares bravios para além da
barra de Superagui! Ai dos teus filhos
que se perderam além da Serra: enfrentando o frio, o vento e as outras cidades,
tão mais amistosas e hospitaleiras que a nossa! Ai dos bagrinhos que
enfrentaram o barro e o pó das estradas, dos que trabalharam em grandes
plantações, em imensas fábricas e escuras minas! Ai também dos que trabalharam
em escritórios ou nas mil vezes malditas profissões liberais! Ai dos que
encontraram colegas, amigos e amores para longe do Morro do Bom Brinquedo ou da
Ponta da Pita! Ai dos que se enganaram achando que este mundo além da Serra era
melhor, ou mais injusto, ou a última chance!
Ai também dos que permaneceram caminhando em tuas ruas ou
vivendo em tuas casas, Antonina! Ai dos que tentaram ganhar dinheiro e dos que
não mexeram uma palha. Ai dos que viveram das heranças, dos que roubaram as
pensões dos avós ou dos que trabalharam honestamente! Ai
de teus profissionais liberais, teus comerciantes
e teus funcionários públicos! Ai, sobretudo, de teus trabalhadores, que moram
na Pita ou Batel ou Tucunduva ou Praia dos Polacos ou Portinho, e que em vão
carpiram quintais, fizeram faxina, carregaram caminhões e cuidaram de crianças
e velhos!
Ai também dos
trabalhadores que no passado carregaram navios, cavaram estradas e construíram
pontes, e tentaram sinceramente, construir uma cidade no fundo daquela infecta
baia. Ai das mulheres que, por gerações, pariram filhos e alimentaram suas
preguiçosas famílias, que costuraram roupas e fizeram rendas de bilros e
fizeram bolos e doces para vender fora. Ai das mulheres que lavaram roupa pra
fora, ai das cozinheiras, copeiras e ai das pobres criadas, abusadas por todos!
Ai de teus políticos, teus sindicalistas, teus policiais, teus
juízes!! Ai de teus padres e teus pastores! Ai de teus jornalistas e
blogueiros! Ai dos teus haters, que pensam estar a salvo sob o anonimato da
internet! Ai dos deputados, governadores, senadores, e de todos os que vêm aqui
pedir voto! Ai dos que usam a inocência das pessoas, dos que compram voto, dos
que te corrompem e te roubam, pobre cidade!
Ai de ti porque você se deixa roubar, Antonina!! Não és mais
pobre de espírito do que aqueles te expoliam, falsa e hipócrita cidade!! Você
não é melhor nem pior que Goianésia, que Anicuns, que Laranjeiras do Sul. Ai
dos que querem teu mal, Antonina, mas presta atenção! Ai dos que querem teu
bem!! Ai daqueles que querem te salvar de alguém, de alguma coisa, de qualquer
coisa, deles mesmos!!
Ai de ti, Antonina!!
Ai de ti, cidade tão cheia de pecados! Eu te amaldiçoo a sofrer
neste mundo sem remissão a sorte daqueles que existem só por existir!
Pois que é chegada a hora da remissão sem salvação, da
salvação com culpa eterna. Pois que te condeno a existir, Antonina, enquanto o
mar ou os ventos ou as chuvas assim quiserem. Não te destruirei como a Babilônia,
afogada em pecados! Não farei as ondas destruírem o mercado, ou os ventos
derrubarem a igreja da Colina. Também não espalharei o terror e a morte no
Jequiti, no Cabral, na Caixa D´Água e no Quilometro 4, Antonina!
Mas te condenarei a coisa pior: existir sem brilho, sem alegria, sem
pompa nem majestade, pobre cidade!
Teus carnavais não brilharão mais, teus cantores e poetas
não cantarão mais as suas glórias, cidade amaldiçoada! Teus pintores não vão
mais por as suas belas tardes no papel, e tua historia vai se apagar sem que
dela conhecêsseis a metade, Antonina! Tuas ruas se cobrirão de mato e ninguém terá
forças para carpi-lo! Teus bares e restaurantes ficarão as moscas e tuas
igrejas vazias!
Haverá um dia em que, perdida no marasmo e na mediocridade, ninguém
mais se lembrará de ti, Antonina! Neste dia os haters de internet aparecerão finalmente
nas ruas da cidade, babando e falando suas frases desconexas e cheias de rancor,
mas não haverá ninguém para escuta-los!
Não haverá o rio do Nunes, não haverá a Caçarola do Joca, ou
a Igreja do Bom Jesus. Não haverá mais desfile de escandalosas nem procissão de
Nossa Senhora Do Pilar. Ninguém vai querer saber de suas qualidades, velha cidade, ou dará risadas com os não poucos defeitos dos bagrinhos seus filhos. Nunca foste e jamais será a Capital da Música, pois não haverá ninguém para cantar seus hinos!
Por que tua hora chegou, Antonina! Não há mais espaço para
ti na terra! Te dei Mar, Arte e Amor, mas os desperdiçaste! Que caia sobre ti a minha ira!
E assim falou o Senhor sobre a cidade de Antonina.