Hoje, ao andar pela Deitada-a-beira-do-mar, vi uma placa de
rua que me deixou intrigado: o que fazem ali, juntos, Bento Cego e o Comendador
Matarazzo?
De um lado, temos Bento Cego (1821 – 189?), nosso bardo,
talvez o maior artista antoninense de todos os tempos. Pobre e cego , o negro Bento nasceu numa
casinha humilde no bairro do Registro, em Antonina. Saiu de lá, em tenra idade, para ganhar o
mundo em duelos e trovas de viola. Teve uma vida sofrida e memorável, tendo
sido autor de versos sublimes cantados em feiras e festas profanas e religiosas de todo o centro-sul do Brasil,
desde o Rio Grande do Sul até Minas Gerais. O pouco que sabemos de sua vida foi
pesquisado pelo cônego Manoel Vicente da silva, e pelo jornalista Nestor de Castro
(ver aqui).
De outro lado, o Comendador Matarazzo (1883-1920), o primeiro
filho brasileiro do industrial Francisco Matarazzo. Durante a Primeira Guerra
Mundial, enquanto o pai Francisco participava do esforço de guerra italiano, o jovem
industrial Ermelino aumentava o capital e as instalações das Indústrias Matarazzo no Brasil.
É de 1917 a construção do moinho do Itapema, que mudou para sempre Antonina com
a implantação do parque industrial e de um bairro praticamente inteiro.
Falecido num acidente de carro na Itália em 1920, o jovem Comendador Ermelino (tinha só
36 anos) foi uma promessa de curta duração, mas que deixou marcas duradouras em
nossa incipiente industrialização.
Mesmo as duas ruas são muito diferentes. A Rua Bento Cego é
bem menor, e inicia-se na Praça Coronel Macedo, piamente, próximo ao largo da
matriz. Atravessa inicialmente a Rua do Esteiro, a pecaminosa Rua do Esteiro
dos puteiros de outrora, a hoje simples e modesta Rua Dr. Mello. Depois da
pequena ponte do Esteiro, a rua atravessa humildemente uma grande zona de
mangue, cheia de água, capins e de rizófora, a arvore do mangue. Construída com
aterro sobre o mangue, sentimos ao atravessa-la o cheiro de podre e a sensação de estar no
meio do barro e das águas escuras e salobras de nossos manguezais. A Rua Bento
Cego termina simples, na esquina da grande Avenida Comendador Maratazzo.
A Avenida Comendador Matarazzo inicia-se no porto, cruza as
casas de tijolinho e o grande complexo dos Moinhos Matarazzo, grande obra da
arquitetura industrial do inicio do século. Ao seu redor existiam diversos
grandes armazéns – o Valente, a Sermara e tantos outros. Eram construções
simples e grandes, com algumas ruínas ainda aparecendo, e que representavam
importantes firmas de navegação de outrora. Hoje pouco visíveis, eram muito
importantes os trilhos do trem, que seguiam paralela e obedientemente em toda a
sua extensão. Enquanto que pela rua iam os automóveis, ao seu lado os vagões transportavam
todo o tipo de mercadoria para os armazéns e o próprio porto, ali bem do seu
lado, no Itapema.
O que podemos imaginar neste encontro entre figuras tão díspares
como Bento Cego e o Comendador Matarazzo? O que diria Bento Cego para o Comendador?
E ele, o que responderia? Bento cego cantaria uma trova, louvando os feitos do
industrial? Será que ele, um provável apreciador da opera italiana, se
comoveria com os versos singelos do negro cantador? Seria um encontro
grandioso, para acima do bem e do mal, ou seria um grande fiasco, um mero
encontro banal entre dois seres que não se conhecem, não se apreciam, não se
entendem?
E o que a Antonina de hoje diria para estes dois
personagens? Bento Cego teria enfim seu reconhecimento pelos seus concidadãos? Será
que apreciaríamos de verdade seus versos, e canto e seu sofrimento? E o Comendador,
será que teria alguma empatia pelos bagrinhos de hoje em seus carros e seus
celulares correndo, andando, amando e trabalhando por nossas ruas tortas?
Ou será que nós, passando todo o dia pela esquina de um
encontro tão improvável talvez preferíssemos nem pensar nisso, ocupados que estamos com
nossa existência? Será que se eles tivessem de fato algo a nos dizer, talvez
preferíssemos não ouvir?
Encontro bacana amore.
ResponderExcluirbrigado, querida!! beijos
ExcluirÓtimo texto, excelente crônica. Parabéns, Jeff!
ResponderExcluirmuito obrigado, Edson!!
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