Estatua inacabada de Procrastinos (sec IV aC, Jônia setentrional, a esquerda de quem vai para Mileto) |
Para Ricardo Castillo
(que não é absolutamente
devoto de Procrastinos...)
Ateus, agnósticos e outros incréus em geral, creiam neste
pobre bagrinho: Procrastinos é o Deus de nosso tempo.
Um dos muitos e mal conhecidos deuses olímpicos,
Procrastinos era filho de Cronos, o Tempo, e Réia, a Terra. Desde pequeno,
Procrastinos era um deus muito cruel e amoral, o que lhe conferiu uma grande
legião de seguidores, cujas origens nascem na Grécia Clássica e chegam a nosso
tempo. Procrastinos, em lugar de fazer o que seu pai Cronos mandava, ficava
pelas ruas do Olimpo fazendo nada, caçando formigas pra arrancar as cabeças ou
matando passarinho com cetra (ou bodoque ou estilingue, dependendo da região da
Grécia que estamos falando).
No entanto, houve um tempo em que Procrastinos se revoltou
contra seu Destino, e tentou matar o Tempo. Cronos, seu pai colérico e
vingativo, sentindo-se ameaçado pelo jovem deus, o atirou num imundo sofá cheio
de ácaros e o condenou a assistir Sessão da Tarde até o fim dos tempos.
Procrastinos só sobreviveu este castigo com grandes doses de Ovomaltine e bolachas
negresco, que lhe eram dadas as escondidas pelas ninfas advertises. Vendo que o
comportamento do deus não melhorava, Cronos ampliou o castigo, e o condenou a
também assistir Malhação.
Esta existência cruel e tediosa não impediu, porém, que Procrastinos
tivesse uma imensa legião de seguidores. Trata-se de um culto brando e
cotidiano, exercido em silencio e devoção. De fato, o culto a Procrastinos não
tem o voluntarismo do estridente culto das religiões monoteístas modernas. Apesar
de ter alguns inegáveis pontos de contato, seu culto também não segue a linha
das religiões orientais e seus ritos de silencio e paz interior.
O culto a Procrastinos é um culto do desassossego, da
anti-paz de espirito. Seus adeptos estão sempre num grande estado de confusão mental,
de desordem interior, procurando um vir-a-ser num futuro próximo e ao mesmo
tempo distante, onde tudo terá uma solução mágica e misteriosa. Momentaneamente
saciados, os adeptos do deus então se atiram num sofá reverencial, para
assistir sabe-se lá o que na televisão, ou, em tempos mais recentes, no
computador. Hoje, as Redes Sociais são um grande espaço de culto a
Procrastinos.
Não existiam, na Grécia Antiga, muitos espaços para o culto
a Procrastinos. O que se sabe é que, embora mais reverenciado que Zeus e muito
mais amado que Apolo, os seguidores de Procrastinos não construíram nenhum
templo de culto digno de nota. Ao que parece, houve muitos projetos, mas poucos
saíram do papel, dado o empenho dos fieis aos cultos de procrastinação (prokrastineia), como vieram a ser chamados. Algumas
vezes, os cultos de Procratinos eram feitos juntamente com os cultos báquicos,
desde que não exigissem muito esforço. A ênfase na produção de uva, o culto das
videiras e o envase do vinho não eram entendidos pelos procrastinadores, como
vieram a ser chamados os seguidores de Procrastinos.
Platão tinha uma visão bastante positiva de Procrastinos, e
colocou no Timeu um dialogo com Flésias de Epidauro, onde havia um elogio da atividade dos
procrastinadores, muitas vezes mal compreendido pelos platônicos mais
diligentes. Já Aristóteles (sempre ele!) condenava o culto a Procrastinos,
tendo escrito alguns parágrafos furibundos no terceiro volume de sua Física. No
entanto, esta foi uma obra que, por influência de Procrastinos, o Estagirita não conseguiu terminar.
Em Roma, os epicuristas viam com bastante simpatia o culto a Procrastinos, o
qual, entretanto, era veementemente combatido pelos estoicos.
Já Santo Tomas de Aquino condenou com veemência o culto a
Procrastinos, que se desenvolvia sem cessar por toda a Idade Media, mesmo após
a morte do culto dos deuses clássicos. Em seu clássico “blasfêmia procrastinas vulgus in teolodiceam nostram" escrita em
1257 em Paris, o sábio e santo iniciou uma veemente obra contra
Procrastinos, a procrastinação e os procrastinadores. No entanto, por motivos
que permanecem um tanto obscuros até
para os estudiosos da vida e da obra de S. Tomás, a obra infelizmente não foi concluída.
(este pequeno opúsculo sobre o grande deus Procrastinos
deveria prosseguir em quinze volumes e dois tomos, com notas das edições grega,
latina e árabe. Entretanto, isso exige muito esforço! Vou deixar a segunda
parte, de mais três paginas pra amanhã, e continuo depois do almoço, assim que
tomar um café. Eu juro!! Por Procrastinos!!)
Muito bom, Jeff! Voltou à toda, hein? Você trata com bom humor, a arma dos sábios, um dos grandes males da humanidade em todos os tempos, a procrastinação.
ResponderExcluirObrigado, Edson, mais uma vez, pelo teu carinho!!
ExcluirNa verdade eu queria escrever mais, mas Procrastinos não deixa...
um grande abraço