quinta-feira, 6 de novembro de 2014

A GAZETA ANTONINENSE!!


O jornal a Gazeta Antoninense, de 1884, deliciosa recordação do passado da Deitada-a-beira-do-mar
Neste dia em que a deitada-a-beira-do-mar faz seu aniversário de 217 anos – mas com um corpinho de 216!– apresento uma singela recordação de um importante documento para o povo capelista disponível aqui na internet (ver aqui). Trata-se de uma cópia do jornal “gazeta antoninense”, numero 3, de 16 de novembro de 1884, publicado pelo site da hemeroteca digital da Biblioteca Nacional. A hemeroteca digital é uma imensa e amigável plataforma, onde se podem encontrar muitas outras preciosidades...
A princípio, sabemos pouco da referida “Gazeta”: no subtítulo ela se intitula como “órgão imparcial”, com publicação semanal. Seu diretor era Joaquim S da silva, que já colocamos aqui como um dos pioneiros da imprensa capelista, ao lado de tantos outros que vieram depois, já no século XX, como João Leite e sua filha Armandina, Admaro Santos e outros, numa lista bem extensa.  Neste único exemplar, que somente foi preservado porque foi enviado ao Coronel José d´Almeida, residente na corte (Rio de janeiro), temos algumas noticias interessantes.
No editorial, um texto falando sobre a potencialidade do município, pedindo a união dos “esforços  particulares, com o auxilio protecionista dos poderes provinciais”, para cuidar do incremento da produção de cachaça em Antonina. Convoca os agricultores e capitalistas para a indústria da cana, que então estava sendo importada para nossa região, em notável prejuízo para os agricultores. O texto conclama para uma união de capitalistas e agricultores, junto com uma politica fiscal adequada para reverter este quadro. 
Ainda na primeira pagina, na seção de noticias, é reproduzida uma representação conduzida pelo coronel Teóphilo Soares Gomes, pedindo a construção do ramal ferroviário para antonina. A representação é citada por diversos homens públicos e comerciantes da cidade. Trata-se de uma importante reivindicação, pois com a construção da ferrovia, antonina perdia a primazia em termos de transporte de mercadorias para o porto, encarecendo o produto e prejudicando os comerciantes da cidade. Este ramal viria a ficar pronto em 1890, seis anos depois desta representação.
Na pagina 2, há uma noticia policial: a liberta Maria, conhecida pelo apelido de “Sacandé”, teria amanhecido morta na estrada do Itapema. A notícia informa que, tendo o habito de se embriagar, a vítima estava ferida por “instrumento cortante”. Como há pouco s dias a vitima havia entrado numa briga com o cigarreiro Luiz Fernandes, quando este espancava uma mulher,havia forte indicio de crime, e o texto diz esperar do Sr. Delegado os devidos esclarecimentos.
Outra noticia criminal é de um homem que foi preso ao desembarcar do paquete “Aymoré”, que entrara na nossa formosa baía vindo de Santos no  dia  10 de novembro último.  De uma verificação no seu quarto, no hotel Camacho, foram encontradas jóias e cerca de 702$000 em dinheiro. Ao que tudo indicava tratava-se de um fugitivo que vinha de Santos, onde havia cometido um terrível crime. Aguardava-se a requisição das autoridades paulistas para que o criminoso fosse encaminhado àquela praça.
Nesta pagina há também uma poesia satírica de Alberto Corte Real, dedicada a seu amigo Teóphilo Soares Gomes. Nela, o eu da poesia relata um sonho em que seria herdeiro de Rotschild, célebre banqueiro judeu. Mesmo sendo bom cristão, o “ouro cegou-lhe os olhos da alma”, e, de maneira demoníaca, entregou-se aos prazeres da riqueza e da luxuria sem freios. No entanto, quando o sono acabou, o único alívio que sentiu foi ter acordado tão somente “um bom cristão”.
Nos anúncios figurava com especial desenvoltura o senhor Manoel Miranda, vendendo desde bules e açucareiros de ferro até camas de ferro. Há também uma extensa propagando do sulfato de quina Marca Flexa, tendo ainda um parecer do doutor Joaquim Câmara, do Rio de Janeiro, que atesta as faculdades e a pureza da medicação.
Por último, mas não menos importante, Antonina recebia por aqueles dias o magico Jules F Bosco, um artista internacional mostrando seus talentos para os bagrinhos. O anuncio do espetáculo era um primor de horror, ao menos para a época. Um homem (seria o próprio Jules F Bosco?) segurando uma cabeça ensanguentada. Queria pegar uma maquina do tempo e ir lá ver.

Enfim, um singelo presente para meus queridos conterrâneos, hoje envoltos em tantos escândalos e confusões  e que merecem olhar com carinho e curiosidade para esta interessante documento que nos mostra a capela de outras eras...
Anuncio do espetáculo do magico internacional Jules F Bosco na Antonina de nossos trisavós!!

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

DE FOCAS E OUTROS BICHOS

As focas estão brabas!!

Antonina está na mídia por estes dias.  Não por suas belezas, por sua história ou por seu povo, sempre tão alegre e generoso.  As noticias do afastamento de João D´Homero e a guerra de liminares que se trava por estes dias na Deitada-a-beira-do-mar  são o grande assunto na cidade e sobre ela.
João pode até vencer a batalha de liminares, mas perdeu uma importante batalha na guerra de seu mandato. Se sua atuação fosse proba, se sua atuação fosse correta e eficiente, se a população visse nele alguém que luta por ela e não por seus interesses ou de seus amigos, certamente não estaria passando por este perrengue todo. Nenhuma das gestões anteriores que me lembre, embora algumas tenham sido abaixo de zero nestes quesitos, superaram o desgaste desta atual gestão.
João pode vencer a batalha das liminares, pode cabalar uns votos na câmara, pode achar algumas brechas na lei, mas nada esconde o fato de que sua gestão está sendo, no mínimo, insuficiente. O descaso com a Saúde parece ser a ponta de um grande iceberg que pode vir a tona com investigações livres e desimpedidas.
Por falar em iceberg, parece que um dos factoides da reunião da câmara na terça, quando se decidiu pela comissão processante, foi a fala de um vereador, chamando os cidadãos que ali estavam de “focas amestradas”. Além da infelicidade de investir contra cidadãos e eleitores, parece que o referido vereador é quem parecia amestrado, ao defender o indefensável. Sim, pois onde há fumaça há fogo. A coisa pública não pode ser usada como se privada fosse. Há que se investigar.
Depois de junho de 2013 nosso povo perdeu a paciência, para o bem ou para o mal. Estamos impacientes, estamos com pressa. Não se trata de se fazer o que sempre se fez, há que se fazer mais: saúde, educação, transporte publico, tudo isso é importante e urgente. Não se pode brincar com estas coisas. Mas aparentemente, o poder público municipal é que estava equilibrando bolas, batendo palminha e dando gritos roucos pelas ruas. E ainda querendo apanhar todos os peixes que lhe eram atirados.
A câmara está cumprindo seu papel. Parabéns ao presidente da câmara, vereador Márcio Balera, que, no meio deste nevoeiro, leva o barco devagar. Com calma, respeito às leis e transparência, tudo há de ser esclarecido. E esse é, precisamente, o papel dos vereadores, o motivo pelo qual de quatro em quatro anos sejam reconduzidos a seus cargos: fiscalizar o executivo.
O que não pode, o que não dá, é a situação que encontrei em fins de setembro na terrinha, com pessoas insatisfeitas, um poder público arrogante e descompromissado, serviços públicos insuficientes.  O povo elege, acredita, confia. Se não confia, protesta, pede pra sair. Se for o caso, tem que sair, é do jogo.
Antonina quer mar, arte e amor; mas com saúde, educação, transporte publico de qualidade.

Focas, leões marinhos e outros bichos querem respeito. 

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

IMPEACHMENT?

E não é que o assunto mais quente do momento não é Dilma nem Aécio, mas sim João Ubirajara Lopes, o João D`Homero?
Quando estive em nossa querida Deitada-a-beira-do-mar, há cerca de um mês,  fiquei muito assustado com as histórias que ouvi sobre a gestão de João D`Homero, aqui e ali. Ouvi casos escabrosos de problemas administrativos de sua gestão, contados desde por quem enfrentou sua candidatura nas urnas até os que foram de sua base de apoio desde o mais tenro início. Do que ouvi, tudo se resumiu a desânimo e desalento com o prefeito e sua gestão.
Parece que o prefeito eleito se encastelou no poder, qual um rei em seu trono, e que imaginou que os mais de cinco mil votos que recebeu fossem uma grande promissória, a descontar em quatro (ou oito!) anos. Um rei sem compromisso com quem o colocou ali, ou seja, com os cidadãos, sem compromisso sequer com os que o ajudaram na campanha. Com truculência e bravatas, tratava de calar no berro seus inimigos políticos. Terminou por se isolar até mesmo dos que o apoiaram e continuou teimosamente a fazer-se de surdo ao tal "clamor popular".
Lembrei-me de que, durante a campanha eleitoral de 2012 fiquei realmente assustado com seu plano de governo, cheio de promessa vagas e pouco consistentes (ver aqui). Comparei-o, na época, ao cavaleiro inexistente de Calvino, o que só existia dentro de sua armadura. Vejo que agora, sem um norte, o cavaleiro branco que ganhou os corações e mentes da cidade em cima de um trio elétrico não tinha mais consistência que uma alegoria de escola de samba (com todo o respeito às escolas de samba de minha terra e suas formosas alegorias, claro!).
E o que era clamor, virou protesto. Virou panelaço, virou passeata (aqui) e, por fim, virou um pedido de cassação, movido pela advogada Ruth Fernandes. A Câmara, em que pese os vereadores mais combativos, travava um combate um tanto quanto passivo, com reclamações pontuais. Com o pedido de cassação, os nobres edis foram obrigados a tomar uma atitude mais consistente. Vejo nas redes sociais grandes "rencas" de anônimos (infelizmente anônimos) reclamando dos vereadores: ué, eles são os vereadores que temos! Foram legitimamente eleitos. E, ouvindo o “ruído rouco das ruas”, pelo menos alguns deles tomaram uma atitude (ver aqui).
Não sei o que vai ser da tal da “comissão processante” da Câmara Municipal de Antonina, mas desejo-lhe sorte e coragem. Sorte pra navegar nestes mares bravios da investigação minuciosa da má gestão e da incúria para com a coisa publica. Há que se ter estomago. E coragem pra mudar o que tem que ser mudado. Não podemos conviver com governantes que, embriagados pelo poder, esquecem-se do motivo principal para o qual foram eleitos.

Doa a quem doer. Nossa querida Deitada-a-beira-do-mar não merece mais sofrer assim. 

sábado, 16 de agosto de 2014

FESTA DE N.S. DO PILAR (DE 1929!)


FESTA DE NOSSA SENHORA DO PILAR

POR OCTAVIO SECUNDINO

Quando Antonina está no reinado da Virgem do Pilar, ricos e pobres se confraternizam.
O mercado tonar-se repleto de “iguarias do mar”.
Lembra-se do tempo dos Rosas, dos Quarteis, dos Nunes, dos Pires, dos Mellos, dos Ribeiros, abastados donos de sítios de fartura.
Ao tempo do prefeito, o eminente chefe republicano Coronel Theóphilo Soares e do saudoso cidadão patrício Coronel Libero Guimarães, era estabelecido o preço fixo para a venda de peixes, mariscos, fructas e outros “saborosos da praia”, para que não houvesse excesso de zelo..., especialmente para quem aparecesse no caes com ares de “curitybano”.
Era o tempo do  3 por 2; do “5 por um tostão”, do “um por um vintém”.
Constitue um dos encantos do visitante a ida ao mercado e assistir, da rampa, o espetáculo grandioso que oferece os portos de mar, em dia de bom tempo, ceo azul, mar esverdeado, ora  calmo, em plácido marulhar, ora agitado, nervoso, erguendo ondas que se perdem ao longo do horizonte, lá, muito lá fora; a bahia sulta de embarcações, os morros que a circundam, limpos de neblina, e tudo isso , esse desenrolar de belezas deve-se ao mar, o misterioso mar:

Vejo-te às vezes calmo, serenado,
E de repente crespo, revoltado,
Em montanhas de enormes galahões,
Por ti ó mar vivo enamorado,
Vendo surtos, em te seio esverdeado,
Os bergantins de nossos corações...(OS)



O tempo, no decurso da festa se conservou firme, belíssimo, ceo azulado, temperatura agradável.
O povo teve como milagre o fato de ter soprado, 5 dias, forte noroeste, sem agua.
A chuva só veio no dia 16, depois de encerrada a festa.
Lembram os romeiros que, no ano passado , por ocasião da festa, choveu 9 dias seguidos, até o dia 14, e no dia 15, festa do Pilar, amanheceu branda a temperatura, dia lindo, ceu optimo.
O povo, nestes dias claros do 8º mez do anno, acorre ao recinto sagrado, cheio desse clarão imortal da fé e da crença, dessa bemdicta fé que com luz explendente ilumina o infortúnio com seu piedoso e meigo sorriso; dessa bemdicta crença que avassala os corações, para entoar hymnos da paz, preces de amor a virgem Cheia de Graças, numa vibração sonora e de mysticos encantos aflorando com a nobreza de sentimentos, que são o sacerdócio do culto dos bons religiosos.
E o tempo da virgem, com Tropheos de milagres, orgulhoso das galas da santa, literalmente engalanado, parece querer alargar-se para dar logar aquelles que pedem lado para provar a sinceridade de sua veneração, num profundo silencio, num verdadeiro sentimento religioso, o fervor de sua fé, a santa, que em seu templo, branco com ao paz, acena aos navegantes, divinas promessas que a fé infunde nos corações dos que, entre o ceo e o mar, nos dias e nas noites de tempestades, volvem a lembrança para o orago milagroso.
Quando a virgem do pilar, em procissão, sahiu a rua, durante todo o santo passeio, os sinos da matriz, do s. Benedito e do Bom jesus do Saivá repicavam alegremente, esturgiam foguetes, tocavam as bandas musicaes da Policia, Lyra Infantil, e as dos Menores Marinheiros de Paranaguá e salvavam os morteiros, até se recolher o cortejo, após se percorrer as ruas marcadas da cidade e, que, ao entrar, em seu santuário, a virgem do Pilar, abençoa a terra e o povo antoninense, a todos os seus fieis e romeiros.
Preocupou o espirito dos crentes, o facto de, quando a santa passava pela rua 15, quase cahira a sua coroa, porem tal fato não merece aprehensões , porque foi, tão somente, por ter estado a cidade com suas ruas embandeiradas em arcos e ao passar por um deles, os que levavam o andor não o baixaram suficientemente, de modo que a coroa bateu-se nos arcos.
Não foi um mal. Foi a coroa da Rainha do que quis tocar as palmas, as bandeiras e as flores, com que a glorificavam os que a adoravam. .
No pateo da matriz haviam lindas barriquinhas que iluminadas a noite ofereceram lindo aspecto. Appareceram de fora, uns pavilhonetes com jogos – um dos detestáveis e nojentos vícios que putrificam a humanidade – mas que, o zelo precioso do dr. Prefeito e a aplaudida e sensata acção do Tenente delegado, fizeram desaparecer.
A noite, uma rica noite de prata, os clubs abriram, sorridentes, os seus vastos salões.
O Club Antoninense, tradicional de meio século, creado em agosto de 1873 por Hipólito Joaquim Theodoro de Oliveira, presidente; Manoel Pacheco de Carvalho, vice –presidente; João Álvaro de Aguiar, 1º secretario; Antônio José da Luz, 2º secretario; Joaquim Barnabé de Linhares, Thezoureiro, e João Manoel Ribeiro da Fonseca, procurador; deu brilhantíssima nota.
Nesse veterano club não há muito tempo, encantaram com a sua proveitosa acção; Coronel Theófilo, Coronel  Líbero, Coronel Marçallo, Dr Quincas Mendes, José f de O. Marques, João Vianna, Lourenço da Veiga, Polycarpo Pinheiro, Joaquim Muniz, Dr. Cunha Bueno, José Leandro, Alves dos Reis, Joaquim Loyola, Praxedes Pereira, Antônio Soares Gomes, Lauro Loyola, Theófilo Marques, e outros.
No Club 14 de julho, foi um baile a altura de grandes festas. O sympático club, de vibrações de Salvador Picanço, Erasmo Vianna, Sebastião Damaso de Souza (o sempre lembrado Nho-nhô Libanio), Cel. Benigno Lima, Cel. Leopoldino de Abreu, Agostinho Marconi, Coronel Antônio Macedo, Cel. Joaquim Linhares, João Luiz, Arthur de Sá, Alfredo Neves, Carlos Withers, instalado a 14 de julho de 1908, relembra as victórias da sociedade antoninense.
O Club dos Operários primou pela alegria.
Nos três representativos da elite capelista, o enthusiasmo, a cordialidade, a satisfação e o bom tato imperaram.
As bandas da policia, a banda Lyra Infantil, do incansável Maestro Urquiza e a banda dos Aprendizes Marinheiros, constituíram nota chic da festa.
O batalhão da Marinha, com seu garbo, ordem e disciplina, vindo de Paranaguá, e comandado por apreciável oficial, realçou grandemente os festejos.
Em tudo o que participou da festa, que do logar, quer de fora, houve um conjunto harmonioso.
Os festeiros: Exmo Dr. Affonso Alves de  Camargo, presidente do estado; Egberto de leão; Madame general Carlos Cavalcanti. Madame general Adalberto Menezes, e outros dignos cavalheiros e distinctas damas, concorreram sobremodo para a pompa, realce e brilho da festa.
Terminando nossa pálida descripção, terminamos entre saudades e amor do berço – ninho, em apagadas ruinas, cantando:

Há 42 annos – bela sina!
Foi que tive a ventura de nascer
Numa saudosa casa pequenina
Que imprimiu a ternura de meu Ser.
Foi na rua da fonte, em Antonina
19 de outubro. Que praser!
Foi um dia como este. E que divina
Primavera de amor a florescer!
Minha terra natal, risonha e bela,
Onde cantam os marujos, ó Capella
Que eu amo e exalto neste meu cantar.
Bemdicta sejas por teu sonho e brilho
Pela saudade e amor deste teu filho
Pela bençam da Virgem do Pilar!

Octávio Secundino
Curitiba, agosto - 1929



(essa pequena pérola achei no Jornal "A Republica", um dos mais importantes jornais do Paraná na época (clique aqui); é uma descrição, do ponto de vista das "zelites", como era a festa de NS do Pilar. Eram os tempos mais ricos da cidade, que nunca ais teria essa importância nem econômica nem social. )

sexta-feira, 11 de julho de 2014

BRASIL SEM VERGONHA

Paisagem dos arredores de Pequim, vista da janela do avião
No dia da minha partida pra Pequim, estava cansado com os preparativos da viagem, pra deixar tudo “mazomenos” em ordem antes de uma viagem mais longa. Quando me despedi da Maria José e entrei no ônibus, lembro-me de ter visto um adesivo num carro escrito: “Brasil Vergonha”. Não sei de que, o brilho do sol não me permitiu ler mais. Vergonha de quê? Não consegui entender.
Dormi um pouco e quando acordei, na marginal, um pôr do sol pálido e tranquilo contrastava com a barulheira do transito. Tive inclusive um pouco de dor de cabeça. Quando chegamos ao aeroporto e descemos do ônibus, não tinha ninguém pra conferir os tickets de bagagem. Uma senhora campineira ao meu lado, cheia de malas, olha para os céus, e clama, com ironia: “é o Brasil”.
Corta. Depois de 26 horas e viagem e tantos quetais, eis que chegamos em Pequim. É um aeroporto enorme, com dois terminais tão afastados que temos que pegar um trem interno para pegar nossas bagagens. Depois de passar pela imigração, com seus funcionários com cara de policial, fui pegar as malas. Havia uma série de avisos para conferir suas bagagens com o funcionário. Qual funcionário? Peguei minhas malas e me fui, olhando receoso para o lado, lembrando-me da senhora campineira.
Fiquei pensando nessa historia de “Brasil vergonha” e “ai, esse é o Brasil!”, que escutamos todos os dias nas ruas, nas revistas e jornais, nas redes sociais e mesmo na mesa da sala de jantar. Eu, que saiba, só posso ser brasileiro, não tenho como pedir cidadania em outro lugar como muita gente que pode e faz. Nada contra, mas nunca senti falta.
(Às vezes brinco que só posso pedir cidadania no Xingu. Porém, dado nosso histórico de relacionamento, duvido que eles lá me deem passaporte, e com razão).
Entretanto, o que é a vergonha? É com a falta de educação do povo? É com a miséria nas ruas? É com a corrupção, o patrimonialismo e com o preconceito das “elites brancas”? É com a plebe rude e rouca das ruas? É com os sindicalistas e sua “República Sindicalista” sempre a apavorar os sonhos dos patrões?  Parece estranho, mas quando se articulam estas frases, elas estão sempre com “Eles, elas” como sujeito. Nunca “nós”. Nós não somos culpados, por ação e/ou omissão, das nossas mazelas nacionais?  O que fazemos para sana-las, a sério?
O Brasil não é o melhor país do mundo, muito menos o pior. Mazelas têm até na Noruega. Temos problemas seriíssimos e uma estrutura de sociedade que não ajuda muito. O acesso a educação é, na minha modesta opinião, o maior gargalo nacional. Vontade sincera de mudar, de incluir e educar deve ser vista com carinho. Quem realmente quer mudar pra incluir?
Não me convence o discurso da vergonha. Não tenho vergonha de ser brasileiro. Tenho vergonha sim de mazelas, de injustiças e de descalabros, como rotineiramente acontecem por aqui. Mas isso nunca vai me fazer querer ter outro passaporte, nem um endereço  no exterior. O que acho que tem que mudar eu mudo na minha pequena vida – educando pessoas (e  me educando), discutindo questões importantes, e tantas outras coisas da cidadania.

É preciso para com a vergonha, com a culpa e outros sentimentos desse naipe. Precisamos é fazer a massa, assentar os tijolos, colocar o cimento, acender o fogo, chamar os vizinhos e viver, viver , viver. Sem vergonha. 

PS - escrevi este texto antes dos 7 a 1, evidentemente

sexta-feira, 20 de junho de 2014

UM PAÍS CHAMADO "BAXI"


Cartaz no metrô de Pequim, mostrando uma família  torcendo na Copa do Mundo, emulando uma torcida para o  "Baxi"(ou Brasil em mandarim); note-se a camisa verde-amarela da moça atrás do cara de vermelho...
Diversas vezes, enquanto estive lá, na China, as pessoas me perguntavam de onde eu era. Quando eu respondia – “Brazil” – invariavelmente escutava logo em seguida: “World Cup?” ou “football?”. No aeroporto, em ônibus e no metrô, em Pequim e nas outras cidades que visitei, eram comuns cartazes e outdoors falando algo do Brasil por conta do mundial.
Houve só uma pessoa que se mostrou bem informada sobre nós: um jovem, na Praça Tiananamen, corretamente se referiu ao Brasil e comentou e sobre os protestos contra a copa. Mas foi só. Exceção, o rapazinho de Tiananmen parecia alguém que já tinha viajado um pouco por aí. Os outros não demostravam o mesmo conhecimento. Um colega, geólogo do serviço geológico, chegou a me perguntar se o Brasil ficava na África. Outra pessoa, em outra circunstância, também me perguntou o mesmo.
O que eu entendi é que os chineses não dão muita atenção pra gente. Não o chinês médio, é claro. Afinal, a China é e sempre foi, para eles, o centro do mundo. Antigamente, referiam-se à China antiga como  o império do centro, ou o império do meio. O meio do mundo. O umbigo é muito forte na concepção chinesa do mundo. O que fica de nós pra eles é uma vaga lembrança de um país que gosta de jogar futebol e, além disso, o país que está sediando a copa do mundo. Isso somos nós, para eles.
O exotismo de um país distante, tropical, onde as pessoas gostam de jogar futebol parece ser a ideia que os chineses, e também o resto do mundo, acabam tendo de nós. Claro que encontrei Croatas que zombaram dizendo que iam ganhar da gente (sorry!), ou austríacos comentando sobre nossas possibilidades no mundial, ou ainda argentinos secando a gente. Tudo isso é o mundo. Vivíamos de TPM (tensão pré-mundial).
Hoje somos um país meio casmurro e muito mal humorado, em que boa parte (e parte pensante) rejeita a Copa do Mundo. Rejeitamos mesmo a Copa do Mundo? Sim, é um festival de breguices, de lugares comuns, de historias de boleiros que só fazem sentido dentro das quatro linhas. Sem falar, é claro, dos superfaturamentos, das obras de mobilidade inacabadas e outros quetais. O que se percebe é que, talvez, nosso mau humor com a copa seja fazer com que as pessoas lá na China entendam que nós somos muito  mais que uns idiotas alegres de um país tropical que sabem muito bem cobrar um escanteio (menos eu, perna-de-pau que sou!).
Essa contradição entre o que somo s e como somos vistos, acho eu, fazem parte de nosso momento. Acho que temos que relaxar um pouco dessa postura mal humorada e entender que somos na verdade um pouco isso e um pouco aquilo. Um pouco aquilo que projetamos ser – o tal país “padrão FIFA” que emergiu das jornadas de junho – e um pouco o país que nos enxergam, os de fora: a terra de boleiros que deixou de ser vira-latas há mais de cinquenta anos atrás, com Pelé e Mané.

A propósito: para os chineses, somos o “Baxi”, o tal país que é tão bom nesse negócio de colocar uma bola no gol que eles nos copiam e nos emulam em seus comerciais e outdoors, como na figura acima. Nesta área, somos nós a potência que todos um dia gostariam de ser. Se seremos potência nas outras áreas, depende de nós mesmos, com ou sem mau humor...

domingo, 15 de junho de 2014

A VIDA SEM GOOGLE

Vendedora ambulante na entrada do Parque Olímpico em Beijing. O que ela está vendendo? O Google sabe responder? socorro!!
No inicio do ano, passamos 12 dias numa praia do Uruguai, Cabo Polônio, numa casa sem eletricidade e com água de poço. Foi uma grande experiência voltar a coisas de antes de mim mesmo, ao tempo dos meus pais e avós, numa mundo ainda sem o tal do conforto da vida moderna. Aprendi a valorizar essas coisas de economia de recursos, e conseguimos diminuir o consumo de água de nossa casa, por exemplo. Sou mais observador que era com coisas de deixar luz ligada sem necessidade. Minha avó ficaria orgulhosa de mim.
Agora, passei por outra experiência limite: nos quinze dias que passei na China, não pude usar nem Google, nem Gmail nem Facebook. “Dar um google” ou “google something”, como dizem os americanos, lá simplesmente não cola. Você acessa uma vez e depois o botãozinho fica girando, girando, girando e depois de uns quinze minutos diz que aquela pagina não pode ser acessada.
Fazer o quê? No meu caso foi ficar literalmente sem, pois os instrumentos de busca que tem por lá são em chinês. Como entender aquela algaravia de símbolos, que nos deixava atordoados desde o aeroporto até o hotel e depois nas ruas nas lojas? Foi uma experiência de me sentir completamente analfabeto, completamente estupido. Aliás, essa é a essência da experiência no estrangeiro: virar um completo idiota que não sabe comprar um pão na esquina, nem qual ônibus e trem vai pegar, que mal consegue dar um obrigado sem dar bandeira.
Qual a saída? Não há saída, a não ser o aeroporto. O Bing, se me perdoam os seus defensores (se há algum!) é uma pálida experiência. Digitar as páginas diretamente no , como se fazia antigamente, é uma saída. Até me lembrei de coisas de antigamente (dez anos atrás!) quando se fazia essas coisas sem buscar primeiro no “oráculo”.
Outra coisa que me ocorreu foi a nossa total dependência dessa coisa que se chama Google. Os chineses, ciosos da sua independência, trataram logo de dar um basta e criar uma base de busca na qual eles confiam e podem manipular.  Tanto chineses quanto o resto do mundo (é assim a divisão que os chineses fazem do mundo, aliás) estão expostos a este jogo onde nossa privacidade está circulando por aí livremente, pra ser usada contra nós por governos e empresas de marketing - não necessariamente nessa ordem. A exposição de nossas vidas, sentimentos e ideias nos dias de hoje é tão cotidiana e ao mesmo tempo absurda que as longínquas noções orwelianas do passado hoje são um mero entretenimento para milhões.

Não sei o que vai mudar, mas estou nesse momento dando outro valor as experiências de tentar viver um pouco mais fora dessa Roda-viva e tentar dar um sentido a vida que não seja essa exposição boba e narcisista que fazemos hoje nos espaços virtuais. A vida e o mundo são maiores que isso. Mas não podemos esquecer de seu poder e de sua abrangência. Acho que a vida sem Google me indica esse caminho, o qual eu não sei se vou conseguir trilhar, seja por preguiça de fazer outra coisa, seja pela mera necessidade de faze-la. O que inclusive já estou fazendo ao postar estas maltraçadas. 

sexta-feira, 23 de maio de 2014

MUTATIS MUTANDIS

(a Paleontologia Imaginária é um ramo da Paleontologia que trata de animais incertos; é um ramo do conhecimento que faz fronteiras com a paleontologia, a geografia, a física molecular, a psicologia e com Morretes (PR). Como membro da Sociedade Brasileira de Paleontologia Imaginária (SBPI) e colaborador da South American Review of Imaginary Paleontology, periódico classe A1 da CAPES, venho através deste blog fazer a divulgação científica da Palentologia Imaginária para o publico interessado em ciências)
Dentre os numerosos espécimes de cordados que temos analisado do ponto de vista da Paleontologia Imaginaria, o Mutatis mutandis é uma das mais interessantes pelos desdobramentos de seu estudo. Trata-se de uma espécie de peixes que vivia mudando de um ecótone para outro, com uma intensa atividade que durou praticamente todo o Fanerozóico. Segundo Granero (1968, 2014), essas mudanças eram eventos especiais, que envolviam diversas e distintas etapas de desenvolvimento, e envolviam quase todo o ambiente nos quais estavam inseridos, incluindo diversas outros espécimes.
O Mutatis sp mudava-se primeiramente guardando objetos e utensílios em compartimentos na forma de caixas e sacos, amontoando esses objetos ao redor de seu ninho. Era grande a quantidade de objetos descartados neste processo (Giulian & Granero, atas do congresso de paleontologia de Feira de Santana, 1999, pag 201-235). Estes autores calculam a quantidade de materiais descartados em 30% do total de objetos do Mutatis mutandi.
No transporte dos objetos, era requerida a presença de animais do gênero Descuidadus sp, sempre presentes em grandes quantidades nesses eventos. O Descuidadus colocava os objetos de qualquer jeito nos transportes, em geral quebrando espelhos, vasos caros, quebravam plantas, esqueciam porcas e parafusos, riscavam as paredes, trocavam caixas e outros comportamentos bem reconhecidos no registro paleontológico, aumentando o descarte de objetos ao fim da segunda fase da mudança (Luisão Mudanças et al., atas do congresso de paleontologia imaginaria de Apucarana, 1994, pag 307-428).
Muitos destes também se extinguem durante estes episódios de mudança dos mutatis mutandis. Estas situações de extinções em massa podem atingir escala mundial. Durante o transporte, verifica-se que numerosas outras espécimes também se mudam, como os canídeos Caidus caminhonis e muitos outros seres, como roedores, plantas e insetos. Hoje se acredita que a extinção em massa do fim do Cretáceo foi causada por uma mudança domiciliar na região de Chichxlub, no Iucatã. Essa problemática foi tratada, entre outros, por Manuel Joaquim, em seu trabalho seminal intitulado “o Mundo Gira e a Lusitana Roda”, (Éditions du Chémin, 1956).
Os modernos estudiosos do tema não têm duvidas sobre o papel do Mutatis mutandis nas grandes extinções em massa do registro paleontológico. Para Granero (1995) três episódios de mudança do mutatis mutandis equivalem a um incêndio de grandes proporções, destruindo praticamente todo o meio. Por outro lado, Luisão Mudanças (2013) pondera que mudanças de pequenas proporções também podem acarretar danos ambientais profundos, principalmente se estiver relacionado com o Descuidadus sp.
No entanto, a irregularidade do registro paleontológico em escala planetária não garante que estejamos, ainda hoje, imunes a tais catástrofes (Fink, 2008, Atas do Congresso de Paleontologia Imaginária de Johanesburgo, p425-456). O mutatis mutandis deve ter sido extinto no final do Paleoceno, em meio à fase interglaciar Mindel (Fink, op. cit.). No entanto, alguns especialistas garantem que mais mudanças vêm por aí. Reservem muitas caixas de papelão, comprem uma boa fita adesiva e Salve-se quem puder.



sábado, 19 de abril de 2014

QUEM MATOU O PADRE PINTO?

O sacerdote antoninense Francisco da Costa Pinto (1865 - 1900)
Foi no dia 19 de abril de 1900 na cidade da Lapa. Lá pelas nove horas da noite daquele dia, o vigário da cidade, o padre Francisco da Costa Pinto, saiu da farmácia do Sr. Olympio Westphalen em direção a sua casa. Era escuro, fazia certo frio, mas a noite era agradável. Ao atravessar a Rua da Boa Vista na diagonal, o Padre Pinto ouviu alguém chamando: “Seu Padre, faça o favor”. Ao se voltar na direção da voz e se dirigir em direção ao homem, Padre Pinto ouviu um forte barulho e imediatamente sentiu um calor no peito. O homem que havia descarregado a arma contra ele era agora um vulto correndo para a escuridão do beco. Atraídos pelo barulho e pelo grito que o Padre soltou, os homens que ainda estavam dentro da farmácia saíram correndo e encontraram-no banhado em sangue, mas ainda vivo e em pé. “O que aconteceu?”, perguntou um.“Quem foi?”, perguntou outro a sua frente. O padre mal teve tempo de dizer que não sabia ao certo: era um mulato baixo e encorpado, vestindo um pala.  
Na confusão que se segue, o padre é levado para sua casa, e são chamados às pressas os doutores Mendes Ribeiro e João José de Carvalho.  Padre Pinto, no meio de toda confusão, ainda teve momentos de lucidez. Sem perder os sentidos, ainda disse perdoar seus inimigos, além de pediu perdão para si mesmo, pelo mal que houvesse cometido a alguém. O ferimento havia sido muito grande, além de grande a decorrente perda de sangue. Logo perdeu os sentidos e veio ser dado como morto, em laudo do Dr Evangelista, na madrugada do dia 20 de abril. Tinha 35 anos de idade.
A morte do Padre Pinto foi motivo de grande alvoroço. Sua forte atuação na Lapa, onde fez cerrada campanha contra a Maçonaria, foi motivo de grande polemica nos jornais da época. Politicamente, o padre estava contra o Coronel Joaquim Lacerda, um dos baluartes do partido Republicano Federal na Lapa e no Paraná. O Cel. Lacerda foi, junto com o General Carneiro, um dos chefes do contingente florianista que se bateu contra os maragatos de Gumercindo Saraiva na tomada da Lapa, na revolução federalista de 1893-94. A Lapa ainda vivia, naqueles tempos, o sabor amargo de uma cidade dividida numa guerra Civil. Contra tantos inimigos poderosos, não é de se estranhar a violência de sua morte.
Nascido em Antonina em 1865, o Padre Pinto foi desde cedo um brilhante aluno no Seminário Diocesano de São Paulo. O Seminário Diocesano, na segunda metade do século XIX, era um ativo centro de formação de quadros para o clero brasileiro.  Poeta inspirado, bom escritor, Padre Pinto era um espirito que adorava a discussão das idéias e a luta política. Escreveu muito para o jornal católico A Estrella, no qual combateu com vigor a Maçonaria. Orador vibrante, suas missas eram famosas em Curitiba, onde permaneceu logo após ter vindo do seminário, e na Lapa, onde foi nomeado vigário em 1898. Participou de algumas festas religiosas em Antonina e foi um dos oradores na inauguração do mercado municipal de Antonina, ao lado de Ermelino de Leão.

O assassinato do Padre Pinto nunca foi esclarecido. Seria muito esperar no Paraná daquela época a condenação dos assassinos de um inimigo político das forças situacionistas. No Paraná, a cicatrização das feridas da Revolução Federalista foi vital para a formação da classe politica até hoje dominante. A vida do Padre Pinto, suas lutas e sua morte, por outro lado, abrem uma interessante janela para se compreender aspectos interessantes da vida politica no Paraná e no Brasil daquele início de século.

sexta-feira, 21 de março de 2014

BELLINI E A PÁTRIA DE CHUTEIRAS


O Capitão, numa velha foto, envergando a camisa que só se veste por amor

Se existe Deus eu não sei, tenho lá minhas idéias a respeito. Deuses, no entanto, os há e muitos. Alguns desses deuses eu tive o privilégio de ver dentro de quatro linhas, como o grande Djalma Santos. Outros, como o grande capitão Bellini, eu só vi em velhas fotos e em filmes preto e branco. Sua imagem, levantando a Jules Rimet na Suécia  é uma das mais sacrossantas imagens da Pátria de chuteiras.
Hoje já não há pátria de chuteiras, está fora de moda a ideologia de Nelson Rodrigues, o grande demiurgo do brasileiro do século XX. Naquela época, o futebol era o que nos fazia sorrir, nos fazia sonhar ser grandes, nos fazia deixar de ser vira-latas. Hoje, mestre Nelson, é hora de mudar o disco, mudar o discurso, repaginar. Não precisamos nos enxergar no mundo com as lentes do canal 100.
Mas temos deuses das quatro linhas. Temos um país que corre atrás da bola em qualquer canto do Mundo, do gelo da Islândia aos mares do sul da China. Somos um povo que bate tiro de meta com bicão pra frente, que cobra lateral sem dar chance de reversão pro adversário e que bate escanteio direitinho (menos eu, grande perna-de-pau que sou), no primeiro ou no segundo pau. Somos, com muito orgulho, um país que cruza e vai pra área cabecear.
Hoje, as vésperas de mais um mundial no Brasil, perdemos nosso grande capitão, o homem que levantou a taça. Segundo ele mesmo, levantou a taça porque todos queriam ver. Certo, Capitão. Bellini foi dessa estirpe de boleiros épicos. Que compensava sua falta de técnica com muita garra, sem ser violento. Que dava bronca, quando era necessário, em colegas do porte de um Vavá, um Garrincha, um Pelé. Que liderava um time que tinha Didi no meio de campo e Nilton Santos na lateral. Definitivamente, não é pra qualquer mortal.
E nós atleticanos, ainda tivemos a alegria de ver o Capitão com a camisa que só se veste por amor. Não foram tempos muito bons pro nosso Furacão, mas tivemos deuses como Bellini, Djalma Santos e Brito nos fazendo companhia. Nosso querido Marcus Porvinha talvez se lembre de alguma história e queira nos contar sobre Bellini na Deitada-a-beira-do-mar, será que não?
Estamos meio ressabiados com a Copa. Estamos meio de saco cheio com tanta conversa mole de estádios inacabados, de dinheiro a rodo indo pra obras suspeitas. Sem paciência para a cartolagem, para a FIFA, para o governo e os empreiteiros (sempre eles!).  Definitivamente, este é um mundial sem Pátria de chuteiras. Ainda bem, é um bom sinal, somos um país mais maduro. O futebol já não é mais o ópio do brasileiro.
Isso não significa dizer que não vai ter Copa. Vai ter sim, e durante um apito e outro, nossas vidas só terão sentido dentro daquelas quatro linhas. Vamos gritar muito, vamos vibrar muito. Depois, quando se fecharem as cortinas e se encerrar o espetáculo, a história será bem outra. Queremos ver a conta dessa festa toda, e cadeia pra quem botou a mão no que não era seu. E vida pra frente, pois o futebol é só um jogo.

A imagem épica de Bellini levantando a taça para a Pátria de chuteiras é a imagem de um época ingênua e, quem sabe, feliz. Talvez você nos diga, Bellini, se é verdade que a felicidade só se encontra nas velhas fotos em preto e branco, envergando uma camisa rubro-negra?

quinta-feira, 20 de março de 2014

HISTORIAS DE MINHA CABEÇA

o personagem da cabeça voadora do filme "as aventuras do Barão de Munchausen", do Monty Pithon
Hoje na Austrália, ou seja, amanhã aqui (é isso mesmo?) meu filho surge do nada do facebook pra cobrar que eu escreva historias da minha cabeça no blog. Histórias de minha cabeça? Explico: quando eles eram crianças, e isso não faz muito tempo (entre dez e quinze anos atrás) eles viviam me pedindo pra contar historias na hora de dormir. No começo, eram umas historias mais tradicionais, aquelas que fazem parte do inconsciente coletivo: chapeuzinho vermelho, cinderela, Pedro e o Lobo, e outras quetais. Certas épocas tinha que ser exatamente a mesma história toda santa noite. Quem é pai sabe da manha.
Depois, eu tinha outras – tinha uns contos do Câmara Cascudo, umas historias do Pedro Malazarte e coisas do gênero. Depois, ainda contei umas que escutava quando criança que me contava meu tio Edilson Leal – parte câmara cascudo, pare folclore baiano e outras que ele mesmo inventava, e que nós - eu minhas irmãs e meus primos - adorávamos ouvir quando íamos pra casa dele nas férias.
Chegou um ponto, porem, que a fonte secou: como não secar?  Não dá, as sinapses são as mesmas, não tem jeito mais!  Aí eu um dia comecei a inventar historias, mas no dia seguinte eu não me lembrava. Qual? Aquela, da tua cabeça, me pediu um dia a Júlia.
Lembrei então de um filme do Monty Pithon, acho que foi “a Maravilhosa Historia do Barão de Munchhausen”, em que tinha um personagem que era só uma cabeça. Pronto. Contei a eles que a minha cabeça tinha se desprendido do corpo – eu sou meio avoado mesmo – e ficou andando por ai. Eles me olharam, desconfiados – o pai tá nos engrupindo. “Sim”, respondi, “vocês não queriam a história da minha cabeça?”. 
E assim foi. Um dia, minha cabeça chegava até a Lua, onde meu pai sempre dizia que ela estava mesmo. Noutro dia, meu crânio voador descia no fundo do oceano pra conversar com o Peixinho Vermelho, um Nemo do tempo antigo, personagem de meu querido Edilson Leal. No outro, estava na mão de gigantes que jogavam pingue pongue comigo. Teve alguns dias em que a cabeça sonhou que ela era só uma cabeça que sonhava que era uma cabeça que sonhava... ”Pai, deixa de enganar a gente e conta a historia!”, pediam Julia e Pedro, zangados com a embromação. Historia pra dormir não é pra amadores...
Agora, uma cobrança via facebook – porque você não conta a historia de sua cabeça? Bem que tentei responder: Porque tem o Departamento, tem os alunos, tem as aulas... ”queremos historia de sua cabeça!” continuaram me pedindo os dois, já bem marmanjinhos, no chat do tal do face.  E ai? Nem sei.  Achei que estava guardando historias de minha cabeça pra próxima geração que está vindo por aí. Nem sei se ainda tenho sinapses para tanto. Tem dias que eu só quero deitar no sofá e ficar ali parado, vendo as moscas voarem pra lá e pra cá, sem fazer nada, sem pensar, sem tugir nem mugir...

Julia e Pedro: não prometo nada. Minha cabeça vai pensar. Nos tempos que correm já é muita coisa.

terça-feira, 11 de março de 2014

A TRAGÉDIA FEZ TRÊS ANOS...E NÓS COM ISSO?

A destruição do bairro da Larangeira, em março/2011

Hoje, há três  anos atrás, a Deitada-a-beira-do-mar viveu uma das maiores catástrofes de sua história. Pra quem não se lembra, a chuva intensa daqueles dias gerou diversos escorregamentos de terra, que destruíram dezenas de casas, com dois óbitos, além de ameaçar o abastecimento de água na Pita e no Km 4. Foram dias de muito medo e apreensão. Lembro-me das pessoas apavoradas pelas ruas, me perguntando se era verdade que o Morro da Pedra ia desabar. Lembro-me das milhares de pessoas do Portinho e das Graciosas de cima e de baixo que tiveram que abandonar suas casas. Lembro-me das reuniões tensas nos Bombeiros e na Defesa Civil, em que se fazia o levantamento das áreas mais afetadas e das que ainda corriam risco de sofrerem com os escorregamentos. Foram dias realmente tensos.
Mas também me lembro do esforço que as pessoas fizeram, e que, no meio de toda a tragédia, nos fazem acreditar que as coisas podem ser melhores. Vi as dezenas de voluntários que cuidavam de fazer organizar e distribuir as cestas básicas aos desabrigados, dos funcionários da prefeitura fazendo o possível para minorar o sofrimento das pessoas, vi o pessoal do SAMAE lutando no Km 4 pra evitar que um grande escorregamento rompesse os canos da agua e colocasse em risco o abastecimento da cidade. Todos fizeram seu melhor, e a sensação que eu tinha andando pelas ruas embarreadas de minha terra que nós éramos um povo unido e solidário.
Acho que somos. Lembro que falei com diversas pessoas que aquilo significava não um fim, mas provavelmente um novo começo. Até escrevi alguns textos (AQUI)  (AQUI TAMBEM) sobre isso: a cidade estava tendo uma chance de se reinventar e começar de novo.
O tempo, que afinal é o senhor da razão, passou inexoravelmente sobre nós. Cada um nos seus afazeres, cada um com suas preocupações, e fomos deixando de lado as boas intenções do inicio. O mato cresceu vigorosamente nas cicatrizes dos escorregamentos, apagando-os de nossas vistas e de nossa memoria. Dá pra imaginar a quantidade de escorregamentos tão ou mais catastróficos aquele mato esconde? Eu contei pelo menos mais um, de idade desconhecida, na subida do morro da pedra. Na Serra da Prata, no Floresta, deu pra ver dois episódios grandes de escorregamento antes deste atual.
Eduardo Nascimento, nosso Bó, como sempre, foi à luta e conseguiu um começo: o Parque do Mirante. Ele tem que sair do papel. E os desabrigados? Como estão? Quanto mais o tempo passa, diminui nossa solidariedade, não estamos mais nem aí pra eles.
Três anos depois, Antonina fica mais distante da tragédia e mais perto de sua realidade: todos brigando com o tal do prefeito, que afinal de contas não é nenhum semideus, mas é quem foi eleito pra governar a cidade. Será que nenhum prefeito presta? Enquanto isso nos preparamos para eleger por mais um quatriênio o próximo prefeito,  que vamos certamente odiar. Será que só os prefeitos é que estão errados? Será que não exigimos deles coisas que poderíamos fazer?

 São só alguns pensamentos que me vem, à distância, quando penso na tragédia de 11 de março e nas oportunidades que deixamos passar. 

domingo, 23 de fevereiro de 2014

URUBLUES, ANO 7

Estou vindo de uma série de viagens, que me custaram uma pequena dor nas costas de dormir em camas emprestadas ou em camas de hotel. Passei pouco tempo em casa, e pouco tempo ainda com os meus e com minha terrinha, que vi rapidinho num domingo ensolarado de janeiro. E que calor!! Pegamos temperaturas de quase 40°C em Porto Alegre, mais de 38°C em Campinas e outro tanto em Minas, de onde volto após 11 dias de trabalho de campo com os alunos (tive nesse meio tempo um prazerzinho extra em viajar pra Londrina pra formatura de minha querida filha Julia). Enfim, estive mais na estrada que em casa.
Agora chega. O semestre começa, e  2014 vem no estrondo, como uma imensa escola de samba iniciando seu desfile na avenida. O tempo passa veloz, e nossa compreensão das coisas fica como se a gente estivesse sempre com vertigem, nosso tempo passa sempre mais veloz do que nossa capacidade de compreendê-lo. O que será do nosso primeiro semestre, espremido entre o Carnaval e a Copa? O que será da Copa e do Brasil durante e depois dela? E das eleições? E do mundo? O que diremos do mundo e das coisas em dezembro?
São sete anos de blog. Sete anos muito bons, onde conheci muitas pessoas, principalmente na minha terra, de onde sai tão cedo. Aprendi muito. Briguei, como tantos. Me decepcionei? Talvez um pouco. Me cansei? Sim, também. Mas nesse ultimo ano tão pobre de postagens o trabalho me consumiu de uma forma mais intensa, de modo que a energia das postagens ficou um pouco baixa. E outros projetos pessoais também me tiraram um pouco do foco do blog.
Mas vamos lá. 2014 está caminhando nas escolas, nas ruas, campos, construções, ainda sob o efeito dos terremotos do ano passado. O Brasil de 2013 foi um país estranho, onde as convicções mais sólidas se desmanchavam no ar, segundo a sempre instigante metáfora daquele velho alemão barbudo. O mundo está na rua e também está na rede. Guerras diferentes das tradicionais, guerras de hackers em espaços virtuais, parafraseando a bela canção do velho Gil. O mundo está estranho e esquisito.
Brasil, Venezuela, Egito, Turquia, Ucrânia – o mundo está nas ruas, rugindo insatisfeito. Não existem bonzinhos e mocinhos, vilões ou heróis. Você faz os seus. Existem interesses, e além destes, as pessoas estão brigando cada vez mais pelos chamados interesses difusos: democracia, tolerância, direitos humanos. Não se pode mais, como o Tzar fez há cem anos, metralhar uma passeata em que o povo pedia liberdade e passar impune. O presidente da Ucrânia caiu, Kadhafi caiu, nosso bom Alckmin aqui em nossas bandas teve que recuar e mudar seu raivoso discurso de maio do ano passado, quando mandou sentar o pau nos estudantes do passe livre.

Onde ficamos nessa historia toda? Não sei. Quem sabe?