O casal de rolinhas, olhando desconfiado, enquanto isso tentam nos enganar e achar um local para seu ninho |
Ontem foi o equinócio de primavera no hemisfério sul. Esta é
uma primavera sem muita cara de primavera aqui no nosso canto do mundo. O
espirito das pessoas não anda nada primaveril. Mas, vá lá, a primavera começou.
O planeta deu um “clique” e girou um pouco em sua orbita, passando em cima do
tropico. Agora se espera, aqui na parte de baixo do mundo, que os dias fiquem
mais longos e com mais calor.
Aqui no nosso quintal vivemos uma seca que dura, com poucas
interrupções, desde maio. Choveu, mas muito pouco, em junho e em agosto. A
terra anda esturricada e dura. A grama e os capins altos estão meio secos. O céu
azul as vezes chama algumas nuvens no horizonte, mas sem sinal de chuva.
As rolinhas teimam. Estão querendo viver, estão querendo se
acasalar, criar filhotes. Fazem ninhos nos lugares mais estranhos: na
samambaia, na lâmpada, no caibro da casa. Quando chegamos, o casal foge para longe e nos olha com
ar de desconfiados. Eles lutam desesperadamente pela vida, pela sua vida.
Na nossa vida, continuamos com agruras. As pessoas se
cumprimentam com os “como vai” e respondem com “tudo bem”, mesmo sabendo que
nem tudo vai e muito menos bem. É a vida que teima em seguir.
Somos hoje uma sociedade cansada, sem esperança. A gente
sempre desconfiou, mas agora temos certeza: somos comandados por bandidos.
Estes bandidos desfilam impunemente em nossas telinhas, sorriem para si nas
suas intermináveis reuniões. Estão intranquilos, mas tem a caneta em suas mãos.
A caneta e o apoio da população.
Sim, nossa população apoia os bandidos e os corruptos. Com seu
silencio, com sua omissão e com aquele pensamento que “aqueles lá” não prestam,
não importa a cor. Alguns sabem que importa a cor. Mas a cor que manda agora é
a cor deles, e então está ruim, mas está bom.
Nos sertões e nas periferias, o massacre é constante. As milícias
de fazendeiros e as policias agindo como milícias estão se sentindo a vontade
para fazer o que melhor sabem: assustar, expulsar ou matar. O que vier antes.
Nas cidades, muitos aplaudem quando veem camponeses ou índios sendo mortos na
televisão.
As outras milícias, as virtuais, não são menos letais:
soltam os cachorros contra pobres, artistas, gays, mulheres, ciclistas
(ciclistas?). Estão com a corda toda, fazendo seus robôs das redes sociais
trabalharem contra a arte e a cultura. As milícias virtuais fazem o primeiro
ataque. O judiciário não faz por menos: volta e meia um juiz iluminado proíbe arte,
reflexão, discussão. O cerco vai se fechando.
Nas câmaras municipais, pululam as leis que vigiam os
professores. As leis de censura brotam como que do chão. Nada de discutir
escola, educação, inclusão. Agora, trata-se de amordaçar professores.
A secura do chão se reflete na secura dos tempos. Parece que
foi embora a saliva de nossas bocas, não há como gritar. A grita é inútil. Bem
posicionados nas mídias, sempre tem alguém com um discurso de ódio e discriminação.
A gritaria é enorme, como que para
desviar o foco dos reais problemas.
As chuvas que devem chegar não serão chuvas benfazejas. Serão
grandes tempestades de vento, como ocorre em nossas primaveras. As rolinhas
correm para fazer seus ninhos antes das tempestades. As fêmeas se seguram nos
ninhos, mesmo debaixo de chuva, enquanto os machos correm atrás de galhos e
alimento. Lá por dezembro, os filhotes, já fortinhos, ensaiarão seus primeiros
voos.
Temos que esperar as tempestades, temos que resistir. Temos
que construir outras saídas que não sejam responder aos odiadores. Temos que
ter a nossa pauta, e não nos pautarmos pela deles.
A primavera é rude. Os tempos também. O que vamos fazer?
As rolinhas já estão fazendo.