A Cholera morbus sendo recepcionada pelos médicos brasileiros e pelas condições precárias de saúde e higiene (fonte) |
(Esta crônica é dedicada a meu grande amigo Marcos Cruz Alves)
Em 1994 houveram mais de 400 casos de cólera morbo em Paranaguá.
Há ainda quem se lembre. A nossa vizinha foi atingida na oitava e última grande
pandemia de cólera (1991-95) que atingiu principalmente a América do Sul e
central. Na época as discussões giravam em torno de como pudemos ao final do século
XX permitir o avanço de uma doença transmitida por condições precárias de
higiene. E, naturalmente, se culpavam os mais atingidos, os mais pobres, por “não
ter consciência” e se permitir viver (e morrer) em tais condições.
Em 1855-56 houve a primeira grande epidemia de cólera no Brasil.
Este surto atingiu mais fortemente a Corte e o Norte, onde a doença se iniciou.
Até então estivemos livres da doença, que teve seis grandes eventos desde o início
do século. Originaria da Índia, os ingleses a levaram para a Europa. A partir daí,
o vibrião ganhou o mundo.
Em 10 de outubro de 1855 o Dezenove de Dezembro publicou um relatório
do Dr José Cândido da Silva Murici, que apontava algumas providencias a serem
tomadas para impedir a entrada do cólera no Paraná (ver aqui). O Relatório baseava-se num outro Relatório, da Comissão Sanitária do Império.
Entre as medidas propostas pelo Dr Murici estavam a vinda de
seis médicos e dois farmacêuticos para a província. Era grande a falta de médicos
e de remédios para combater a cólera. Existiam lugares populosos em toda a província,
onde não havia botica ou “ao menos, um curandeiro”.
Outra questão era a segurança sanitária nos portos. Sugeria o
doutor ativar a construção de um lazareto em Paranaguá para controlar a entrada
da doença na província.
O doutor também reclamava da falta de asseio da população, e
a adulteração dos alimentos. Também alertava a “falta de força moral” das câmaras
municipais e suas autoridades para se impor o asseio e fazer os vendedores
terem mais cuidado.
O Doutor Murici propunha a construção de hospitais em cada
cidade ou vila, propondo um para homens e outro para mulheres. Estes hospitais
teriam que ter botica, além de médicos e pessoal suficiente para tratar dos
enfermos.
Além disso, propunha o doutor a criação de comissões por
quarteirão, para cuidar dos primeiros socorros e para transportar os doentes
para os hospitais mais próximos. Uma vez que as pessoas acometidas da doença
são de todos os sexos, o doutor Murici acha que seria “justo” que mulheres
possam participar destas comissões.
O transporte dos doentes teria que ser feito por padiola. O transporte
seria feito por escravos de cada quarteirão. Este serviço seria de primeira
necessidade e os senhores não poderiam, por seu “vil egoísmo”, afastar seus
escravos deste trabalho.
No caso de contaminação de uma localidade, poderiam ser erguidas
barreiras entre estas e as localidades ainda não contaminadas. Entre o litoral
e a serra-acima o Doutor Murici propunha a trancar as estradas da Graciosa e Itupava
e colocar uma barreira de quarentena no Rio do Pinto.
Em Curitiba, o relatório propunha aterrar tanques como o do Bittencourt,
na entrada da cidade. Também propunha aterros no rio Ivo e um ataque severo a
aguas estagnadas na área urbana. Era, como já vimos, uma consequência
da aplicação pratica da teoria dos miasmas.
O governo provincial gastou doze contos de reis, cerca de um milhão e duzentos mil reais na moeda de hoje, nas medidas
preventivas contra o cólera, conforme informou à Assembleia Legislativa o padre
Damaso Correa (ver aqui).
A câmara de Antonina foi autorizada a dispor de 22 mil reis da mesa de rendas
para as atividades de combate ao cólera.
Como consequência do relatório, comissões foram montadas em
todos os munícipios e villas, onde era possível. Em Antonina, o Dr Carlos Tobias
Reksteiner foi nomeado para fazer parte da comissão extraordinária de saúde pública
da vila (ver aqui).
O mesmo aconteceu para o doutor Theodoro Reichest, que foi encarregado da
construção da casa de quarentena e lazareto, o que deveria ser feito “sem perda
de tempo” (ver aqui).
Ainda em dezembro de 1855 o governo provincial respondia à
comissão de saúde pública, que havia solicitado a criação de um hospital na
vila para “socorrer os enfermos pobres”. Dizia que logo resolveria a requisição.
Não sabemos de que maneira isso foi resolvido.
O medo da contaminação era muito grande. A notícia que dois marinheiros
provenientes de Belém que haviam morrido em Paranaguá com sintomas de cólera. Numa
nota de Curitiba, o redator avisava o fiscal de saúde pública que “o cholera
está batendo à porta!”, chamando a atenção para o estado imundo que estava a
rua do comercio (ver aqui).
"Deus se compadeça de nós!”, concluía o texto. Os redatores do Dezenove, por
outro lado, pediam que não houvessem “receios
exagerados” ou “terror intempestivo”. Segundo o jornal, as autoridades estavam fazendo o possível
para evitar a chegado do mal (ver aqui).
Havia ainda os que encontravam algum humor na situação: Francisco Caetano de Souza,
avisando através de anúncio que estava indo para o Rio de Janeiro em fevereiro
de 1856, avisava que pretendia voltar “se o cholera o permitir” (ver aqui).
(continua)
O ritmo do relato está muito bom; por um momento, cheguei a me ver em meio ao desespero da população. Abraço, Jeff!
ResponderExcluirValeu, Edson, obrigado!!
ResponderExcluirAbraços também!!