sábado, 9 de setembro de 2017

ANTONINA EM 1854 (PARTE 7)


A Cholera morbus sendo recepcionada pelos médicos brasileiros e pelas condições precárias de saúde e higiene (fonte)

(Esta crônica é dedicada a meu grande amigo Marcos Cruz Alves)

Em 1994 houveram mais de 400 casos de cólera morbo em Paranaguá. Há ainda quem se lembre. A nossa vizinha foi atingida na oitava e última grande pandemia de cólera (1991-95) que atingiu principalmente a América do Sul e central. Na época as discussões giravam em torno de como pudemos ao final do século XX permitir o avanço de uma doença transmitida por condições precárias de higiene. E, naturalmente, se culpavam os mais atingidos, os mais pobres, por “não ter consciência” e se permitir viver (e morrer) em tais condições.
Em 1855-56 houve a primeira grande epidemia de cólera no Brasil. Este surto atingiu mais fortemente a Corte e o Norte, onde a doença se iniciou. Até então estivemos livres da doença, que teve seis grandes eventos desde o início do século. Originaria da Índia, os ingleses a levaram para a Europa. A partir daí, o vibrião ganhou o mundo.
Em 10 de outubro de 1855 o Dezenove de Dezembro publicou um relatório do Dr José Cândido da Silva Murici, que apontava algumas providencias a serem tomadas para impedir a entrada do cólera no Paraná (ver aqui). O Relatório baseava-se num outro Relatório, da Comissão Sanitária do Império.
Entre as medidas propostas pelo Dr Murici estavam a vinda de seis médicos e dois farmacêuticos para a província. Era grande a falta de médicos e de remédios para combater a cólera. Existiam lugares populosos em toda a província, onde não havia botica ou “ao menos, um curandeiro”.
Outra questão era a segurança sanitária nos portos. Sugeria o doutor ativar a construção de um lazareto em Paranaguá para controlar a entrada da doença na província.
O doutor também reclamava da falta de asseio da população, e a adulteração dos alimentos. Também alertava a “falta de força moral” das câmaras municipais e suas autoridades para se impor o asseio e fazer os vendedores terem mais cuidado.
O Doutor Murici propunha a construção de hospitais em cada cidade ou vila, propondo um para homens e outro para mulheres. Estes hospitais teriam que ter botica, além de médicos e pessoal suficiente para tratar dos enfermos.
Além disso, propunha o doutor a criação de comissões por quarteirão, para cuidar dos primeiros socorros e para transportar os doentes para os hospitais mais próximos. Uma vez que as pessoas acometidas da doença são de todos os sexos, o doutor Murici acha que seria “justo” que mulheres possam participar destas comissões.
O transporte dos doentes teria que ser feito por padiola. O transporte seria feito por escravos de cada quarteirão. Este serviço seria de primeira necessidade e os senhores não poderiam, por seu “vil egoísmo”, afastar seus escravos deste trabalho.
No caso de contaminação de uma localidade, poderiam ser erguidas barreiras entre estas e as localidades ainda não contaminadas. Entre o litoral e a serra-acima o Doutor Murici propunha a trancar as estradas da Graciosa e Itupava e colocar uma barreira de quarentena no Rio do Pinto.
Em Curitiba, o relatório propunha aterrar tanques como o do Bittencourt, na entrada da cidade. Também propunha aterros no rio Ivo e um ataque severo a aguas estagnadas na área urbana. Era, como já vimos, uma consequência da aplicação pratica da teoria dos miasmas.
O governo provincial gastou doze contos de reis, cerca de um milhão e duzentos mil reais na moeda de hoje, nas medidas preventivas contra o cólera, conforme informou à Assembleia Legislativa o padre Damaso Correa (ver aqui). A câmara de Antonina foi autorizada a dispor de 22 mil reis da mesa de rendas para as atividades de combate ao cólera.
Como consequência do relatório, comissões foram montadas em todos os munícipios e villas, onde era possível. Em Antonina, o Dr Carlos Tobias Reksteiner foi nomeado para fazer parte da comissão extraordinária de saúde pública da vila (ver aqui). O mesmo aconteceu para o doutor Theodoro Reichest, que foi encarregado da construção da casa de quarentena e lazareto, o que deveria ser feito “sem perda de tempo” (ver aqui).
Ainda em dezembro de 1855 o governo provincial respondia à comissão de saúde pública, que havia solicitado a criação de um hospital na vila para “socorrer os enfermos pobres”. Dizia que logo resolveria a requisição. Não sabemos de que maneira isso foi resolvido.
O medo da contaminação era muito grande. A notícia que dois marinheiros provenientes de Belém que haviam morrido em Paranaguá com sintomas de cólera. Numa nota de Curitiba, o redator avisava o fiscal de saúde pública que “o cholera está batendo à porta!”, chamando a atenção para o estado imundo que estava a rua do comercio (ver aqui). "Deus se compadeça de nós!”, concluía o texto. Os redatores do Dezenove, por outro lado,  pediam que não houvessem “receios exagerados” ou “terror intempestivo”. Segundo o jornal, as autoridades estavam fazendo o possível para evitar a chegado do mal (ver aqui).
Havia ainda os que encontravam algum humor na situação: Francisco Caetano de Souza, avisando através de anúncio que estava indo para o Rio de Janeiro em fevereiro de 1856, avisava que pretendia voltar “se o cholera o permitir” (ver aqui).
(continua)

2 comentários:

  1. O ritmo do relato está muito bom; por um momento, cheguei a me ver em meio ao desespero da população. Abraço, Jeff!

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  2. Valeu, Edson, obrigado!!
    Abraços também!!

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