sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

O PENALTI E A VIDA

jogador croatas comemoram a vitória sobre o Brasil (encurtador.com.br/stFX0)

 Eliminações em Copas do Mundo são momentos tristes. A eliminação do Brasil na copa de 1950 gerou diversas reações e diversos medos na sociedade em geral e no mundo dos boleiros. Barbosa, um excelente goleiro, foi apontado como o único culpado por aquela derrota. A culpa de Barbosa pela derrota de 1950 tem também um fundo racista. A saga do segundo gol do Uruguay, marcado por Ghiggia, está no cinema, nas artes, na literatura. 

 Houve tempo que em que fiquei muito triste por uma eliminação de uma copa do mundo. Mas, na verdade, nos últimos cinquenta anos em que acompanho este torneio, vi meu time ganhar em somente três oportunidades, a última há vinte anos. 

 De certa forma, a seleção brasileira só foi grande entre os anos 1950-70, quando ganhou três de quatro mundiais disputados. Entre 1994 e 2002, ganhou duas de três. Depois disso, mesmo o meu Athletico Paranaense tem retrospecto melhor nas competições em que disputa que a seleção canarinho. 

 Como torcedor de um time mediano, que não tem a seu favor nem a imensa torcida, nem o poderia econômico e nem uma tradição, eu sei bem o que é perder. Dói, mas você se acostuma. Dói, mas você tem que sair na rua e aguentar a zoação. Dói, mas ninguém está nem aí as vezes nem pra te zoar, o que as vezes é pior. 

 Ou seja, tenho o dorso calejado, tenho o coração acostumado e tenho, como antidoto contra o desespero, uma boa dose de cinismo. Não é o melhor, mas é o possível. Pra início de conversa: não há salvação. Tudo o que está sendo jogado ali é uma bola que passeia entre pés (as vezes mãos) e conta uma história. É o acaso absoluto. 

Não existe você ir ao banheiro, não existe a panela de pipoca, não existe a cueca que você vestiu no primeiro jogo (urgh!) nem o lugar do sofá que você se senta. Não existem deuses no futebol. 

 Claro que existem grandes jogadores, existem grandes times, existem grandes jogos. Mas isso não nos dá o direito de criar narrativas de nações ou de povos através da história da bola. A estatística não nos ajuda, só dá uma falsa sensação de segurança. Mas o mundo não é determinístico, o mundo é probabilístico, o mundo é bayesiano. 

 O futebol não salva um país e, pior que isso, pode perdê-lo. 

Durante anos criamos fábulas sobre a tal Pátria de chuteiras. Temos alguns dos melhores jogadores do mundo, mas não temos ainda um país. E, é bom que se diga, uma coisa não tem nada a ver com a outra, embora por vezes se complementem. 

 Ao ver, torcer e sofrer neste Brasil e Croácia, Quartas de Final da Copa do Mundo, sinto-me triste e frustrado. Eu realmente queria ver nosso time ser campeão. Mas me enfurece a nossa cronicamente Crônica e anacrônica esportiva, a procurar culpados ou a perseguir inocentes. 

 Há muito tempo que eu perdia tempo vendo mesas redondas e debates sobre futebol na TV. Não, não estou pedindo debates sobre educação e cultura em seu lugar. Acho que deveríamos ter ambos, por que não? O esporte é isso mesmo, é o jogo, é a incerteza, é o momento. Os pênaltis são a mais completa tradução desta verdade. 

No pênalti, estão se confrontando um jogador cansado e as vezes abatido psicologicamente. E um goleiro que também está angustiado, e que tem que tem poucos segundos para entender o que o cobrador vai fazer. Um instante entre a glória de um e o desespero de outro. 

 O pênalti é a tradução da incerteza. Treinar seus fundamentos não garantem uma execução eficaz. Perder para a Croácia nos pênaltis numa Quarta de Final de Copa do Mundo não é desdouro para ninguém. 

Para um futebol exigente e vencedor como o brasileiro, estar nas quartas de final é quase obrigação. Passar dela está neste limbo entre sorte e eficácia. Isso nos faz ficar tristes e frustrados, mas não diz nada de nós como pais. 

Não diz nada de nossas vidas e de nossas lutas, tanto os pessoais quanto as coletivas. O futebol nos define em muitas coisas, mas a vida, a nossa e a do país, é muito mais que uma cobrança de penalidades.

sábado, 3 de dezembro de 2022

ABOUBACKAR E O HEROISMO SEM CAMISA

Vincent Aboubackar comemorando seu gol na Vitoria sobre a seleção brasileira
MICHAEL REGAN/GETTY IMAGES encurtador.com.br/lxyI8

 
Um fim de tarde brusco e abafado por aqui, muitas nuvens negras no céu. O jogo da seleção brasileira com a seleção de Camarões termina em anticlímax com a vitória da seleção africana por 1 a 0, gol de Vincent Aboubackar.

Aos 45 do segundo tempo, num contra-ataque após a intensa pressão da seleção brasileira, Aboubackar recebeu o cruzamento da direita e escorou de cabeça tirando Ederson da jogada. Belíssimo gol. Com o estádio inflamado com o gol e a torcida brasileira perplexa, Aboubackar tirou a camisa e se dirigiu ao corner. Lá, foi abraçado pelos companheiros e voltou exibindo, orgulhoso, a sua camisa ostentando o número dez.

Em meio a tanta alegria e comemoração, já não importava se havia tirado ou não a camisa, a euforia era tanta não importava essa penalidade tão estupida. O árbitro da partida, o americano de origem marroquina Ismail Elfath, chegou sorrindo, cumprimentou Aboubackar e aplicou os cartões: primeiro o amarelo e, em seguir, o vermelho. O jogador saiu de campo sorrindo, aplaudido pela torcida e numa alegria incontida. Eu nunca havia visto uma expulsão tão injusta e tão bonita.

 Aboubackar já havia marcado um belo gol nesta copa, o segundo gol de Camarões contra a Sérvia, onde ele fez um gol encobrindo sutilmente o goleiro. O jogador camaronês, de 30 anos, está em sua segunda copa, tendo vindo ao Brasil em 2014. Pela seleção de Camarões, marcou 35 gols em 91 jogos.

A valentia e a alegria de Aboubackar foram uma ducha de água fria no entusiasmo dos torcedores brasileiros. Embora não valesse rigorosamente nada, pois a seleção brasileira já estava classificada para a próxima fase, a derrota tomou ares de alerta e de preocupação.

Até então, desde a estreia vitoriosa contra a Sérvia quanto a vitória suada contra a Suíça, o time brasileiro era julgado superior e franco favorito. Agora, dúvidas pairam sobre o time e sobre a estratégia adotada pelo técnico Tite.

Entendo pouco de futebol. Li muito desde sempre sobre o esporte bretão e sobre a vitoriosa história da seleção brasileira, o bastante para saber coisas importantes de sua história, desde os tempos de Friedenreich até a Campanha do Catar. Posso citar jogos que não vi, como o segundo tempo da final de 1950 os jogos de Garrincha e equipe nos gramados do Chile.

Como observador direto, acompanhei o fantástico time de 70, fiquei perplexo com o massacre do Sarriá, adorei o time da Famiglia Scolari de 2002 e me decepcionei com o 7a1. (me explicando: sei suportar derrotas. Afinal, torço para o Athletico Paranaense, time que me dá algumas alegrias e muitos vice-campeonatos).

O que me decepciona com o 7a1 foi que não purgamos a derrota, não crescemos, não quisemos mudar a estrutura de nosso futebol. É uma dor ver um país futebolisticamente tão poderoso e tão colonizado, mero fornecedor de pé-de-obra para as metrópoles do futebol mundial, com diz mestre Juca Kfouri. Onde somos uma potência, escolhemos continuar a ser colonizados. Diz muito sobre quem somos.

Por isso, não fiquei triste com o gol de Abubackar e a derrota para Camarões. Perder faz parte do jogo. E é só isso, um jogo. Que é, em si muito legal. O futebol é um esporte que todos podem jogar, e em qualquer lugar. É um esporte pré-industrial, e não um esporte industrial como o vôlei e o basquete, onde as equipes jogam compactas como máquinas. O futebol é mais anárquico, mais imprevisível, em que você pode ganhar o jogo numa só jogada. Onde o fraco pode vencer o poderoso algumas vezes.

 Portanto, saúdo a alegria e o heroísmo de Vincent Aboubackar, que venceu e tirou a camisa, mesmo sabendo que seria expulso. Minutos antes, ele havia tomado um cartão amarelo lá atrás, como um bom operário da bola, protegendo sua defesa dos impetuosos e pouco objetivos reservas brasileiros. Instantes depois, ele era o herói que sacudia o estádio, um herói que castiga a arrogância canarinho. Um herói improvável num mundo tão improvável. Esta é a magia do futebol.

Uma magia a que mesmo os muitos de nós que andam tão céticos com essa magia, nos curvamos e ficamos alegres. Se existem os deuses do futebol, eles adoram umas boas traquinagens. E de rir muito. Adoro.