sexta-feira, 9 de dezembro de 2022
O PENALTI E A VIDA
sábado, 3 de dezembro de 2022
ABOUBACKAR E O HEROISMO SEM CAMISA
Vincent Aboubackar comemorando seu gol na Vitoria sobre a seleção brasileira MICHAEL REGAN/GETTY IMAGES encurtador.com.br/lxyI8 |
Aos 45 do segundo tempo, num contra-ataque após a intensa
pressão da seleção brasileira, Aboubackar recebeu o cruzamento da direita e
escorou de cabeça tirando Ederson da jogada. Belíssimo gol. Com o estádio inflamado
com o gol e a torcida brasileira perplexa, Aboubackar tirou a camisa e se
dirigiu ao corner. Lá, foi abraçado pelos companheiros e voltou exibindo,
orgulhoso, a sua camisa ostentando o número dez.
Em meio a tanta alegria e comemoração, já não importava se
havia tirado ou não a camisa, a euforia era tanta não importava essa
penalidade tão estupida. O árbitro da partida, o americano de origem marroquina
Ismail Elfath, chegou sorrindo, cumprimentou
Aboubackar e aplicou os cartões: primeiro o amarelo e, em seguir, o vermelho. O jogador saiu
de campo sorrindo, aplaudido pela torcida e numa alegria incontida. Eu nunca havia
visto uma expulsão tão injusta e tão bonita.
Aboubackar já havia
marcado um belo gol nesta copa, o segundo gol de Camarões contra a Sérvia, onde
ele fez um gol encobrindo sutilmente o goleiro. O jogador camaronês, de 30 anos, está em sua segunda copa,
tendo vindo ao Brasil em 2014. Pela seleção de Camarões, marcou 35 gols em 91
jogos.
A valentia e a alegria de Aboubackar foram uma ducha de água
fria no entusiasmo dos torcedores brasileiros. Embora não valesse rigorosamente
nada, pois a seleção brasileira já estava classificada para a próxima fase, a
derrota tomou ares de alerta e de preocupação.
Até então, desde a estreia vitoriosa contra a Sérvia quanto
a vitória suada contra a Suíça, o time brasileiro era julgado superior e franco
favorito. Agora, dúvidas pairam sobre o time e sobre a estratégia adotada pelo técnico
Tite.
Entendo pouco de futebol. Li muito desde sempre sobre o
esporte bretão e sobre a vitoriosa história da seleção brasileira, o bastante
para saber coisas importantes de sua história, desde os tempos de Friedenreich até
a Campanha do Catar. Posso citar jogos que não vi, como o segundo tempo da
final de 1950 os jogos de Garrincha e equipe nos gramados do Chile.
Como observador direto, acompanhei o fantástico time de 70, fiquei
perplexo com o massacre do Sarriá, adorei o time da Famiglia Scolari de 2002 e
me decepcionei com o 7a1. (me explicando: sei suportar derrotas. Afinal, torço
para o Athletico Paranaense, time que me dá algumas alegrias e muitos
vice-campeonatos).
O que me decepciona com o 7a1 foi que não purgamos a derrota,
não crescemos, não quisemos mudar a estrutura de nosso futebol. É uma dor ver
um país futebolisticamente tão poderoso e tão colonizado, mero fornecedor de
pé-de-obra para as metrópoles do futebol mundial, com diz mestre Juca Kfouri. Onde
somos uma potência, escolhemos continuar a ser colonizados. Diz muito sobre
quem somos.
Por isso, não fiquei triste com o gol de Abubackar e a
derrota para Camarões. Perder faz parte do jogo. E é só isso, um jogo. Que é,
em si muito legal. O futebol é um esporte que todos podem jogar, e em qualquer
lugar. É um esporte pré-industrial, e não um esporte industrial como o vôlei e
o basquete, onde as equipes jogam compactas como máquinas. O futebol é mais anárquico,
mais imprevisível, em que você pode ganhar o jogo numa só jogada. Onde o fraco
pode vencer o poderoso algumas vezes.
Portanto, saúdo a
alegria e o heroísmo de Vincent Aboubackar, que venceu e tirou a camisa, mesmo
sabendo que seria expulso. Minutos antes, ele havia tomado um cartão amarelo lá
atrás, como um bom operário da bola, protegendo sua defesa dos impetuosos e
pouco objetivos reservas brasileiros. Instantes depois, ele era o herói que
sacudia o estádio, um herói que castiga a arrogância canarinho. Um herói improvável
num mundo tão improvável. Esta é a magia do futebol.
Uma magia a que mesmo os muitos de nós que andam tão céticos com
essa magia, nos curvamos e ficamos alegres. Se existem os deuses do futebol, eles
adoram umas boas traquinagens. E de rir muito. Adoro.