terça-feira, 31 de dezembro de 2019

A MARCHA DOS ESCOTEIROS 19: ANO-NOVO EM ITAPETININGA!


O quartel do 5º BC, em Itapetininga, onde os rapazes ficaram alojados no Ano-Novo de 1942
(Estamos no mês de dezembro de 1941. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina (PR), entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 31 de dezembro de 1941, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão chegando em Itapetininga, onde passariam a virada do ano.)

As 6:00 da manhã os meninos partiram de Gramadinho, com destino a Itapetininga. Agora, a estrada era mais plana, com uma paisagem marcada por morros suaves. Era tão plano que as maiores elevações eram as arvores e capões de mato, circundadas por casas de fazenda. A estrada seguia cercada de grandes pés de eucalipto, que tornavam a paisagem mais tranquila e fácil de percorrer. Ao redor, sucediam-se grandes plantações a fazendas de gado. 

Os rapazes também estavam mais acostumados com a caminhada, que se fazia sem maiores esforços. Já não sentiam tanto esgotamento físico. Somente no fim do dia batia um certo cansaço. E foi lá pelas 16 horas que eles chegaram em Itapetininga. 

Itapetininga era sede do 5º batalhão de caçadores, o 5º BC, onde os meninos procuraram alojamento. Milton e Lídio já conheciam o quartel do 5º BC, em janeiro de 1940, vindo de um encontro escoteiro em São Paulo, os dois ali estiveram, pois havia a ideia de um grupo escoteiro na cidade, que acabou não vingando. 

No quartel, foram recebidos pelo comandante, o tenente-coronel Orlando Werney Campello, que os tratou muito bem. O Tenente-coronel contou-lhes que na mocidade também tinha sido escoteiro, o que os deixou bem felizes. E os alojou numa das companhias do batalhão, onde deixaram as tralhas e entraram na fila do rango. 

Depois do rango, os rapazes foram procurar o prefeito da cidade, para que assinasse o livro de passagem. No entanto, o que chamou atenção dos rapazes foi uma festa religiosa. Era a festa de Nossa Senhora Aparecida do Sul, padroeira da cidade. 

Segundo Lídio nos conta em seu diário, era uma festa muito grande. Não faltaram romeiros, animados por cinco bandas de música e muitas barracas de comida. Na hora da festa, a igreja matriz foi iluminada por centenas de lâmpadas elétricas, que impressionou bastante os rapazes. 

Lá pelas onze da noite, os rapazes voltaram ao quartel, para esperar a chegada do ano novo. Deitados nas camas, os cinco rapazes escutaram a grande festa de fogos e de repique de sinos e apito das fábricas saudando o ano de 1942 que se iniciava. 

No entanto, naquele momento, segundo anotou Lídio em seu diário, todos os cinco estavam quietos, deitados em suas camas de quartel e pensando nos seus familiares lá, na cada vez mais distante Antonina.

segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

A MARCHA DOS ESCOTEIROS 18: LINGUIÇA SALGADA COM FARINHA SURUÍ


Bairro da Serraria, Capão Bonito (SP), 1940
(Estamos no mês de dezembro de 1941. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina (PR), entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 30 de dezembro de 1941, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) saíram de Capão Bonito, com destino a Itapetininga.)

No dia seguinte, os escoteiros aproveitaram as camas da pensão do Chefe Mimi, na cidade de Capão Bonito, e dormiram um pouco mais. O sol forte do caminho ia começando a produzir seus estragos. Os rapazes, como de hábito, acordaram cedo. No entanto, tiveram que esperar pelo café, para ser tomado com o chefe e sua família. Tomaram um bom café ao redor da mesa da pensão. Mas todos estavam impacientes, a estrada os esperava. Lá pelas 9:30, puseram-se novamente na estrada. 

Neste mesmo dia, o jornal Correio Paulistano, grande jornal da Capital, colocava numa pequena nota, dizendo que os escoteiros da “prospera cidade paranaense [de Antonina]” haviam passado por Ribeira as 11 h do dia 23 (na verdade, como vimos aqui, foi no dia 24). Apesar de pequenas, a nota dava a entender que havia noticia da aventura e que esta estava sendo acompanhada pela imprensa.

A partir de Capão Bonito, os rapazes entrariam numa região bem mais plana que o planalto de Apiaí e as serras de Paranapiacaba. No plano, também, havia vários caminhos a percorrer. O mais curto deles passava por cidades pequenas, como São Miguel Arcanjo e Pilar do Sul. No entanto, avaliaram que seria muito mais penoso, e com menos estrutura. Decidiram, portanto, seguir a rota mais antiga e mais longa, mas que passava por centros maiores, como Gramadinho, Itapetininga Sorocaba e São Roque. 

O caminho foi bastante tranquilo. Apesar do sol forte, os rapazes chegaram a Gramadinho, a próxima etapa da viagem, ainda no fim do dia. Lá, acabaram por pedir pouso numa Delegacia de Polícia. Lídio não esqueceria esta noite. 

Atacado por uma forte dor de cabeça, Lídio pediu aos companheiros um copo de agua para tomar uma aspirina. Milton e Manduca foram ao poço que havia nos fundos da delegacia. Mas eles estavam demorando para trazer o tal do copo de água. Lídio se impacientou. Mesmo com febre e dor de cabeça, foi lá fora ver onde eles estavam. A situação que encontrou não era nada fácil. 

Com os pés no chão frio e meio zonzo da febre, Lídio foi encontrar os companheiros. No meio da noite, Milton e Manduca estavam tentando passar por um arame farpado que dava acesso ao poço. O acesso se fazia por meio de um caracol de arame farpado, que foi difícil de cruzar no meio da noite escura.
Uma vez resolvido o acesso ao poço, os rapazes tiveram que consertar a manivela do poço, que estava quebrada. Mas, apesar de todos os perrengues, ainda viriam outros mais:  quando puxaram a água do poço viram que o balde estava furado. Nada de água. A febre de Lídio continuava. 

Um deles foi pegar uma marmita. Improvisada como balde, jogaram a marmita e ela desceu e voltou lá de baixo, cheia água. Quando foram ver, a água era meio salobra. Mas Lídio estava desesperado. A febre seguia e ele estava desesperado para tomar a aspirina. Nessa hora, o rapaz não quis nem saber. Pegou a marmita e tomou a aspirina na água ruim do poço da Delegacia. 

Quando voltaram para o alojamento, ainda meio zonzo, os rapazes foram dormir. Após um momento, a dor de cabeça de Lídio foi passando e, com ela, veio o sono. Somente no dia seguinte foi que ele se lembrou de uma linguiça salgada com farinha suruí, que havia comido na noite anterior.

domingo, 29 de dezembro de 2019

A MARCHA DOS ESCOTEIROS 17: EM CASA DE CHEFE MIMI!


A bonita cidade de Capão Bonito em 1941, vista do alto
(Estamos no mês de dezembro de 1941. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina (PR), entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 29 de dezembro de 1941, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão, depois de longa caminhada,  chegando em Capão Bonito. O que vai acontecer?)

Lídio era o mais dorminhoco de todos. Sempre ia dormir cedo e acordava tarde. Sempre que se atrasava, o paciente Milton tentava acorda-lo. As vezes por bem, as vezes com alguns beliscões, Milton sempre punha Lídio em pé. 

Aquele dia tinham um objetivo mais fácil: Capão Bonito, distante 35 Km de Guapiara. Agora o relevo havia mudado, e os morros pequenos e íngremes do planalto de Apiaí foram ficando cada vez maiores e menos íngremes. A caminhada estava ficando mais fácil, embora o calor fosse intenso. 

Entretanto, houve um imprevisto: chefe Beto havia deixado seu revólver com o Delegado para cuidar durante a noite. E tinha esquecido de pegá-lo. Maçada! Sobrou para o subordinado: Lídio foi a contragosto de volta a Guapiara para pegar a arma. 

Com muita raiva, mas seguindo ordens superiores, Lídio se pôs em marcha, de volta a Guapiara. No caminho, no entanto, a raiva foi se abrandando e ele foi se distraindo com o que via. Por todo o caminho, via os colonos se preparando para plantar, colocando os arados manuais puxados ora por bois ora por burros para revolver a terra. Assim se sucediam plantações de feijão milho e batata inglesa. Aqui e ali, algumas plantações de café. 

No entanto, Lídio nos conta que a exploração mineral era quem movia a economia da região, com 9 minas em funcionamento. Em seu diário Lídio cita uma mina de ouro e outra de cobre em Apiaí, uma mina de ouro e outra de prata em Gramadinho. Em Guapiara, uma de ferro e outra de cobre. E entre Guapiara e Capão Bonito mais três: uma de “Carvão de ferro”, a mina da Cobrazil, que produzia cobre e era a mais famosa de todas, e uma mina de cálcio, que eles acabaram visitando. 

Nesta mina, foram recebidos pelo engenheiro, que mostrou para eles a mineração e o beneficiamento. Segundo nos conta Lídio, a mina produzia “cal, carbonato de cálcio e sulfato de cálcio”. O engenheiro explicou para eles o processo, os principais tipos de produtos. Lídio anotou tudo o que pode em seu diário, e os rapazes seguiram na estrada. 

Lá pelas 11 horas, quando estavam almoçando embaixo de uma grande arvore, uma chuva os apanhou de surpresa: tentaram achar uma casa, mas não acharam. Chefe Beto gritou: “Cada um por si e Deus por todos!”. Não tinha para onde fugir, e cada um por si virou todos juntos. Acabaram estendendo a lona por cima deles, e ficaram esperando a chuva passar. Quando virou chuvisco, retornaram à estrada. 

Chegaram a Capão Bonito na hora da ave maria, ou seja, as seis da tarde. Os sinos da igreja matriz badalavam na praça rui Barbosa. Os meninos, todos católicos, ficaram emocionados ao ouvirem o som do sino. Contritos, oraram ali mesmo na praça da igreja pedindo saúde e coragem para que pudessem prosseguir na viagem. 

Um fiscal da prefeitura de Capão Bonito os aguardava: foram todos conduzidos a uma pensão ali por perto. A pensão pertencia ao chefe escoteiro local, o chefe Mimi, que os acolheu muito bem. Após um bom banho, os rapazes jantaram ali mesmo na pensão de chefe Mimi. Depois, eles foram fazer uma visita ao prefeito, o Dr. Francisco Neves. Este, segundo Lídio um homem educado e cortês, que atendia a todos com simplicidade, ofereceu aos meninos um modesto coquetel. 

Os escoteiros contaram sua história e a história da sua missão, sendo muito bem recebidos pelo prefeito e pelas pessoas presentes. Todos ficaram admirados com a coragem dos meninos e sua disposição nesta viagem. 

Os meninos ainda foram aos telégrafos, mandar um telegrama para Antonina, informando o pessoal sobre sua posição. Depois, foram ao teatro municipal e ao clube literário de Capão Bonito, onde tiveram uma noite de celebridade. Contaram muitas histórias, deram autógrafos aos rapazes e moças ali presentes. 

E, como ninguém é de ferro, foram numa brincadeira dançante que lhes foi oferecida. Caíram na farra, tendo ido dormir já era quase uma hora da manhã.

sábado, 28 de dezembro de 2019

A MARCHA DOS ESCOTEIROS 16: AS HISTÓRIAS DO DELEGADO


uma rua de Guapiara (SP) em 1940, um ano antes dos escoteiros passarem por ali em sua marcha;
(Estamos no mês de dezembro de 1941. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina (PR), entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 28 de dezembro de 1941, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão chegando em Guapiara, onde passaram um susto com o delegado da cidade.)

Na manhã de domingo, 28 de dezembro de 1941, os jovens escoteiros foram acordados com um cheiro bom de café. E também com o cheiro bom de uma panela de feijão preto sendo cozido no fogãozinho rústico de Manduca, o cozinheiro da missão.

 O arroz já estava praticamente pronto. Com uma mãozinha do inspetor de quarteirão de Banhado grande, que lhes forneceu alguns mantimentos, eles iam dar uma melhorada no farnel. 

Logo que puderam, despediram-se do Inspetor, arrumaram as tralhas e se puseram na estrada. Tinham 41 quilômetros a percorrer, em direção a Guapiara. Caminharam muito. 

As 12:00 pararam para comer o feijãozinho com arroz, e logo após atravessavam o lugarejo de Fazendinha. Ao final do dia chegaram a Guapiara. Entrando na cidade foram logo procurar o prefeito ou o delegado. O delegado, assim que os viu, não deu muita bola para os rapazes. 

Estes insistiram, e o Chefe Beto contou a história da missão deles. Mostrou também ao velho delegado as carteirinhas de escoteiro e o livro oficial das assinaturas que traziam consigo. Por fim, o delegado chegou a se comover, e abraçou os rapazes, afetuosamente. 

Acolheu os meninos em sua própria residência. Estes deixaram lá suas tralhas, e foram tomar banho no rio pequeno, que atravessa a cidade. Depois, repararam nas ruas limpas e bem cuidadas de Guapiara. Os rapazes se impressionaram com as casas bem pintadas e as praças limpas e ajardinadas. As escolas eram novas, as igrejas bonitas. Tudo era muito limpo e bem cuidado em Guapiara. 

O delegado ofereceu uma janta aos rapazes, onde contou algumas coisas sobre a cidade. Falou sobretudo da gente limpa e ordeira que ali vivia. Não tinha motivos de reclamação. No entanto, a cidade tinha ainda muitos problemas, como uma precária ligação de energia elétrica e total ausência de esgotos. 

A cidade vivia sobretudo da mineração, segundo lhes contou o delegado. Guapiara é uma palavra indígena que significa lavra, buraco no chão para lavrar ouro e outros metais. Havia mais de duzentos anos ali se extraia ouro. Além da mineração, a cidade também tinha uma pecuária de suínos bastante forte. Isso supria os solos da região, que eram muito fracos para a agricultura. 

De estomago cheio e cheios das histórias do delegado, os rapazes foram dormir. 

sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

A MARCHA DOS ESCOTEIROS 15: TIROTEIO NO CASAMENTO!!


A Estrada de Apiai para Guapiara hoje. Rite o asfalto, e a paisagem é praticamente a mesma que os escoteiros encontraram em 1941 
(Estamos no mês de dezembro de 1941. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina (PR), entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 27 de dezembro de 1941, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão saindo de Apiaí. Num lugarejo do meio da estrada, eles levaram um baita susto numa festa de casamento.)

Era sete horas da manhã quando os escoteiros se puseram na estrada, deixando Apiaí para trás em sua jornada. 

Agora eles andavam por uma rodovia movimentada, e não mais numa estrada secundaria no meio do nada. Ao contraio do vale da ribeira no trecho paranaense, o trafego de automóveis e ônibus ali era intenso. Volta e meia passava um carro ou ônibus e levantavam muita poeira, as vezes quase impedindo-os de enxergar claramente a frente. 

A fina poeira do planalto de Apiaí era constantemente sacudida pelos carros da Viação Pássaro Azul e do expresso Paraná/São Paulo. Os ônibus da Viação Cometa também passavam. A poeira e o calor eram muito fortes. Ao meio dia, os rapazes pararam para descansar e comer um pouco. Almoçaram o farnel que traziam, resultado da noite anterior: costela de porco assada, pão e café. 

Durante a caminhada eles continuamente assoviavam canções escoteiras, em geral dobrados que eram executados pela banda dos escoteiros. Iam alegremente a frente, cantando suas canções prediletas. 

Quando as dificuldades e o cansaço surgiam, Lídio nos diz que eles procuravam lembrar-se da 8ª lei do escoteiro: “o escoteiro é alegre e sorri nas dificuldades”. Com estes pensamentos em mente, e ritmados pelo som dos dobrados da sua banda, os meninos atravessaram os morros do planalto de Apiaí durante todo o dia.
Ao final do dia, estavam chegando na povoação de Banhado Grande. Banhado Grande era pequena, com cerca de 9 casas de madeira, bem conservadas. Eles procuraram pouso, e o inspetor de quarteirão os colocou numa velha casa abandonada. Foi um alívio, ter um teto para dormir!

Antes de se acomodarem, porém, os rapazes viram uma cerimonia de casamento celebrado na vila, e que os impressionou a todos. Lídio nos conta que o noivo chegou montado num belo cavalo negro, acompanhado de uma guarda de honra. A seguir, a noiva chegou numa carroça puxada por dois cavalos, toda enfeitada de flores. Atrás da carroça da noiva, vinha outra carroça enfeitada de flores com as damas. As damas estavam todas vestidas de branco, o que fez um belo contraste com as cores da paisagem. 

Na casa do inspetor de quarteirão, onde seria celebrada a cerimonia, estavam aguardando os noivos o juiz de paz e o escrivão de Apiaí. A cerimonia foi celebrada, como de praxe. Na saída da cerimonia, em vez do tradicional arroz, os homens sacaram de seus revólveres e atiraram para o alto, em grande algazarra. Uma barragem de fogos também ocorreu, ensurdecendo a todos. Lídio notou que o foguetório assustou os animais. 

Findo o casamento, o inspetor de quarteirão ofereceu uma janta aos rapazes, que estavam bastante impressionados com a cerimonia que haviam assistido. Durante a a jante, ele perguntou ao Inspetor sobre os caminhos que deveriam seguir nos próximos dias, seus problemas e dificuldades. E também contaram ao homem sobre a viagem e sobre os episódios que viveram até ali. 

De tanto que falou da viagem, Lídio nesta noite teve dificuldade de dormir, lembrando de seus pais e familiares, lá na distante Antonina.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

A MARCHA DOS ESCOTEIROS 14: A FESTA DE SÃO BENEDITO!


A Gloriosa Vila de Santo Antonio das Minas de Apiaí, hoje Apiaí, em vista aérea de 1941
(Estamos no mês de dezembro de 1941. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina (PR), entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 26 de dezembro de 1941, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão em Apiaí, onde presenciaram uma importante festa religiosa.)
Para Alexandre Oliveira, o Alê



Os bravos escoteiros chegaram em Apiaí no dia 26 de dezembro de 1941. Cansados depois de vencer a Serra de Apiaí numa noite, vindos de Capela da Ribeira, eles foram procurar o prefeito municipal. Ao chegar numa cidade, os escoteiros tinham por obrigação procurar as autoridades para assinar o livro que dava conta da passagem deles pelo local. 

No entanto, o prefeito de Apiaí, o Senhor Isaias Teixeira, acabou por fugir dos meninos. Estes o viram quando ele entrou em sua casa, em companhia de outro homem. No entanto, ao baterem na porta, informaram que ele não estava. Tudo Isso, segundo Lídio, porque o prefeito receou que eles fossem mendigar estadia no seu hotel, o Hotel Teixeira, o melhor hotel da cidade. “Isso nunca será esquecido por nós”, anotou Lídio em seu diário. 

Por fim, os rapazes acabaram por montar barraca numa clareira perto da cidade. Haviam decidido não caminhar mais aquele dia, pois estavam todos cansados com assaduras nas pernas. O local onde acamparam era num terreno onde havia um hospital em construção. Ali colocaram as lonas e se abrigaram do sol inclemente.

 Apiaí está localizada a mais de mil metros de altitude, num topo de morro, com uma avenida principal serpenteando pela cumeeira. Descendo desta avenida estão as ruas centrais onde estão as casas das pessoas mais ricas do lugar. Nos vales mais abaixo se encontram as casas mais simples, das pessoas mais pobres. Lídio anota que cerca de 70% das pessoas em Apiaí eram negros, provavelmente descendentes dos que trabalharam como escravos nas ricas Minas de Apiaí, que tanto fizeram a fama da cidade. 

Apiaí tinha funcionando próxima da cidade a Mina do Morro, uma das mais importantes minas de ouro do vale do Ribeira. Explorada por uma empresa japonesa, a mina estava escavando galerias e tirando o ouro por métodos modernos de extração para a época. A exploração foi interrompida quando o Brasil declarou guerra aos países do eixo, poucos meses depois da passagem dos escoteiros por Apiaí. A área da Mina do Morro hoje em dia é um parque bem próximo da cidade, com intensa visitação. 

Do outro lado da cidade, a Usina Experimental de Chumbo, no bairro do Palmital, havia iniciado naquele mesmo ano de 1041 sua produção. Construída pelo governo paulista com a administração do IPT, a usina também era uma aposta do governo paulista na exploração de chumbo e prata por técnicas mais modernas e baratas, viabilizando a produção das pequenas minas da região. Fechada durante a guerra, a usina nunca mais funcionou. 

No dia em que os rapazes por lá chegaram, a população negra de Apiaí estava em festa, pois era dia de São Benedito. Os rapazes, depois de um descanso, fizeram uma janta composta por costela de porco assada, pão e café de coador. Depois que o sol baixou, as cinco da tarde, eles foram à cidade para apreciar a festa. 

A procissão, composta quase que totalmente por negros, era bastante impressionante. A confraria de São Benedito, carregava a estátua do santo pelas ruas, ao som de cânticos, seguida por uma multidão. Os membros da confraria, responsáveis pelo andor, vestiam uma túnica branca e portavam tocheiros com vela. 

Depois da procissão, já cansados, os rapazes voltaram ao seu acampamento improvisado nas obras do hospital, onde dormiram um sono pesado.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

A MARCHA DOS ESCOTEIROS 13: SUBINDO A SERRA DE APIAÍ


Vista aérea da Cidade de Ribeira, 1941
(Estamos no mês de dezembro de 1941. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina (PR), entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 25 de dezembro de 1941, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca), depois de passar o Natal em Capela da Ribeira, primeira cidade paulista do trajeto, estão tentando vencer os agrestes da Serra de Apiaí. Será que eles conseguirão passar?)

Depois da grande festa do Natal, os escoteiros acabaram por acordar tarde. Iam acordando uns aos outros, sonolentos, ainda com um pouco de ressaca da festa. Lídio conta que tomou café com maisena e uns doces que haviam sobrado da ceia. Irrequieto, foi passear. 

Na cidade, o jovem escoteiro ficou abismado com os buracos de balas de fuzil e metralhadora ainda visíveis na pequena igreja matriz de Capela da Ribeira. Ainda eram resquícios dos enfrentamentos durante a Revolução constitucionalista de 1932, ainda presente nove anos depois. “Nem a casa de Deus eles respeitaram”, anotou depois em seu diário. 

Pouco depois, ele fez o caminho de volta e foi até o posto fiscal de Paranaí, hoje conhecida como Adrianópolis. Lá, não encontrou os fiscais com quem haviam feito camaradagem no dia anterior. E voltou à Capela da Ribeira. 

Naquele tempo as duas cidades eram pequenas, e o surto industrial e mineiro estava ainda começando. Restritas pelo vale do rio Ribeira e pelos morros íngremes formados por rochas muito antigas, as duas cidades eram uma só. As casas eram construídas ao longo do único caminho possível. Somente onde o rio havia deixado algum terreno plano é que as duas cidades se espraiavam, ainda que pouco. 

Lídio conta que os habitantes nunca haviam visto um escoteiro. E ainda mais aqueles, de uniformes e seguindo rumo a uma importante missão. Todos ficaram impressionados. As mocinhas, ainda mais. 

Lídio nos conta de Iolanda, filha do padeiro, por quem teve seus sentimentos e que, por fim, deixou saudades. Manduca então reclamou que Lídio tinha “imã” para as mulheres. Lídio então brincou e disse que era porque Manduca tinha cabelo feio. Milton, mais lacônico, acompanhava a conversa rindo ora de um, ora de outro. 

Durante a tarde, os rapazes não fizeram nada. Ou melhor, fizeram. Foram para o rio tomar banho e amenizar o calor. Diversos outros rapazes e moças da cidade (mais moças que rapazes, segundo anotou Lídio) também ficaram lá com eles na pequena praia de rio. O tempo passou e eles nem sentiram. 

Os rapazes se despediram de Capela da Ribeira, onde tiveram acolhimento tão bom, e seguiram viagem. Saíram as oito da noite para uma caminhada noturna subindo a serra de Apiaí. 

Todos eles haviam participado já de caminhadas nestas condições. A Patrulha Touro dos escoteiros de Antonina havia participado de diversas corridas do facho e subidas pela Serra da Graciosa. Pela sua experiencia e resiliência é que foram os escolhidos para a missão. 

Entretanto, a serra de Apiaí não era um desafio fácil. Pedregosa, coma estrada precária, a progressão era lenta. Apesar de estar mais fresco, a escuridão era total, e os meninos foram seguindo a trilha em fila indiana, com o auxilio de lanternas. Depois de cerca de cinco horas de intensa caminhada serra acima, encontraram um pequeno casebre abandonado na beira da estrada.
Exaustos, decidiram passar ali a noite. 

Acordaram as cinco da manhã. A claridade fazia ver as rochas esparsas no alto da serra, assim como a floresta cerrada. Um espesso nevoeiro cobra os vales. Os rapazes ouviram um barulho de água ali por perto. Era um regato que cruzava a serra e fazia um barulho da água passando por entre as pedras. No entanto, o acesso até ele era difícil, pois o regato corria alojado numa ravina bastante funda, de acesso difícil. 

No entanto, obstinados em tomar um café, os rapazes se aventuraram a descer a barroca para pegar água e trazer lenha para a fogueira. Todos, menos Milton. Ele fora poupado, pois a caminhada noturna havia produzido uma enorme assadura em suas virilhas. 

As sete da manhã, depois do café, os rapazes voltaram à trilha. O sol alto ia castigando-os todos. Lidio conta que as pernas estavam todas arranhadas pelo capim corta-rapaz, e o sol fazia os arranhões queimar e coçar. 

Somente lá pelas onze horas da manhã que eles finalmente chegaram à vila de Apiai, novo trecho da jornada.

terça-feira, 24 de dezembro de 2019

A MARCHA DOS ESCOTEIROS 12: UM NATAL NA CAPELA


A atual cidade de Ribeira (SP), antiga Capela da Ribeira, onde os escoteiros passaram o Natal de 1941
(Estamos no mês de dezembro de 1941. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina (PR), entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 24 de dezembro de 1941, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão chegando à Capela do Ribeira, primeira cidade paulista do trajeto, onde eles passariam o Natal.)

Os escoteiros acordaram cedo naquela véspera de natal. Era o natal de 1941. Um natal triste para muita gente em muitos lugares do planeta. A guerra seguia feroz na Europa. 

Os soviéticos lutavam desesperadamente para manter Moscou e Leningrado, ameaçadas pelas tropas do Eixo. Na África, a luta era por Bengazi, na Líbia. No entanto, era na Ásia que a guerra estava mais violenta. Os americanos eram batidos nas Filipinas e os ingleses lutavam desesperadamente para manter Hong Kong frente ao avanço japonês. 

Os meninos deixaram Epitácio Pessoa as 7 horas da manhã, agradecendo o pouso e a boa acolhida na vila. Agora desciam a estrada margeando o rio Grande rumo à Barra Grande, onde encontrariam o majestoso rio Ribeira de Iguape. Dali, era só seguir para Adrianópolis e cruzar a ponte que já estariam em São Paulo, etapa seguinte da marcha. 

No caminho Lídio notou maravilhado os inúmeros monjolos que iam encontrando no caminho. Anotou que estes moinhos rústicos eram muito uteis naquelas paragens distantes, onde não havia energia elétrica ainda. E notava o movimento do soque com uma certa nostalgia: “um sobe e desce sem parar, um barulho gostoso de se ouvir”. 

Os meninos chegaram na localidade de Descampado ao final da manhã. Lá, tiveram um contratempo, pois ninguém ali quis vender comida para eles. Nem um pãozinho. Fosse porque não tinham, fosse porque não queriam vender nada aos forasteiros, os rapazes tiveram que se contentar em comer biju com chimarrão. 

Lídio anotou que, apesar de desnutridos, continuaram a caminhada sem queixas ou lamentações. Segundo ele, haviam perdido 6 quilos cada um nesta primeira etapa da viagem. E a tendência era perder ainda mais. 

A viagem pela “estrada provisória” seguiu até Barra Grande, onde encontraram o Ribeira. Em dezembro, o rio está barrento por causa da estação das chuvas. Somente algumas pedras eram visíveis ao longo do rio. 

Cercado por morros bastante íngremes e com uma vegetação em diferentes tons de verde, os rapazes finalmente avistaram a rodovia federal, que chegava até Paranaí, a atual Adrianópolis. Antes de cruzar a ponte de concreto que ligava Adrianópolis a Capela da Ribeira – hoje o município paulista de Ribeira – os rapazes tomaram um chimarrão com os fiscais estaduais e federais no lado paranaense da ponte. E só depois cruzaram o rio. 

A ponte sobre o Ribeira é uma luta eterna das duas comunidades. Esta que os meninos cruzaram foi a primeira ponte de concreto. O rio Ribeira, cheio de energia, não está nem aí para as pontes, e já derrubou todas elas. A atual ponte de concreto, a mais alta e reforçada de todas, foi construída em 1998-99, depois de ter sido destruída por uma forte cheia.

No lado paranaense, Lídio anotou, cheio de certa nostalgia, que havia do lado paranaense um grande outdoor onde estava escrito: “Paraná, terra dos pinheirais”. 

Ao fim da tarde, na cidade de Ribeira, os rapazes procuraram as autoridades locais. Encontraram o secretário da prefeitura. Este avisou que ali não havia pensão suficiente para abriga-los todos, e o prefeito estava viajando. No entanto, o secretario lhes ofereceu sua própria casa.  

Depois de tomar banho no Ribeira e colocarem os uniformes “de gala”, os meninos foram para a praça principal, onde fizeram uma rápida reunião. Nesta reunião eles decidiram os próximos passos rumo a capital São Paulo, próxima etapa da viagem.  E decidiram enviar um telegrama para Antonina, para avisar que estavam todos bem. 

Qual não foi o espanto dos rapazes ao descobrir que haviam dois telegramas esperando por eles, datados de dois dias antes: um da prefeitura municipal, avisando da presença dos escoteiros por ali. O outro telegrama era do chefe Picanço, pedindo para que o Chefe Beto entrasse em contato com ele, pois todos estavam ansiosos por notícias. Era o primeiro contato que tiveram desde que haviam saído de antonina, oito dias antes. 

Os escoteiros mandaram orgulhosos um telegrama: “Capella da Ribeira 24 dezembro 1941: chegamos hoje bons vencemos primeira etapa continuamos amanhã noite – Sempre Alerta! Beto Milton Lidio Manoel Antonio”. 

Os rapazes ainda cheios de energia alugaram umas bicicletas e foram passear, menos o chefe beto e Canário, que ficaram no banco da praça descansando. Lídio ainda teve tempo de mandar cartas para a família e amigos. Também foi á alfaiataria do Elpidio. Ele ainda mandou costurar suas calças descosturadas na entreperna, além de consertar um sem-número de botões da roupa dos demais.
Houve um apagão de energia elétrica, que durou até as nove da noite. A energia vinha de Apiaí, e demorou a ser reparada. Que inconveniente conveniente! Enquanto isso, os rapazes ficaram na praça escura e até arrumaram umas namoradas. 

Depois, à meia noite, os rapazes assistiram a missa do Galo em Capela da Ribeira, ministrada pelo padre de Apiaí. Lídio aproveitou seu curriculum de coroinha e ajudou o padre, junto com uma menina que era Filha de Maria. Foi um comentário só na igreja um coroinha vestido de escoteiro!

Depois, os rapazes participaram da ceia na casa do secretario municipal, onde estavam alojados. Foram servidas gasosa, soda limonada e vinho, além de um grande bolo com motivos natalinos. 

Já era quase duas da manhã quando todos, exaustos, foram dormir. Dingobells!

segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

A MARCHA DOS ESCOTEIROS 11: NA VILA DOS FUGITIVOS


Os escoteiros iam percorrendo as Serranias do Ribeira, repletas de matas de Araucaria
(Estamos no mês de dezembro de 1941. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina (PR), entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 23 de dezembro de 1941, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão chegando atravessando as Serranias do Ribeira. Lá. eels chegaram numa cidade de gente mal-encarada. Será que eles vão ter problemas?)

Apesar de dormirem num paiol de milho cheio de ratazanas em Tuneiras, os rapazes acordaram animados naquela terça feira, 23 de dezembro. O final da primeira etapa da viagem, a cidade de Capela da Ribeira, poderia ser finalmente alcançada. 

Eles seguiram então no rumo norte, pela “estrada provisória, que ligava parcialmente Curitiba a capela da ribeira. Segundo o diário de Lídio, a estrada era muito malconservada, cheia de buracos, com pontes de madeira apodrecida. Ao longo da estrada, estavam passando continuamente tropas de mulas carregando balaios com milho e feijão. De vez em quando, uma carroça puxada por bois se fazia ouvir de longe, cortando o silencio da paisagem. 

Logo adiante os meninos ficaram assombrados: estavam passando pela Garganta do Leandro, onde o rio Passa-Vinte formava uma grande cachoeira. Para Lídio, o barulho era equivalente a um trovão, e podia ser ouvido a muitos metros de distância. 

Depois deste espetáculo bonito da natureza, começou outro, macabro: ao longo da estrada viam-se aqui e ali diversos esqueletos de caminhões de combate, enferrujando no clima quente e úmido do vale do Ribeira. Eram restos de antigos combates da Revolução Paulista de 1932. 

A região que eles estavam cruzando era a frente do Ribeira da guerra civil deflagrada com o manifesto constitucionalista de São Paulo. Apesar de não ser uma das frentes mais importantes, ali também haviam ocorrido alguns combates. 

Na garganta do Leandro Lídio notou horrorizado um cemitério com cruzes de ferro dos soldados mortos durante os combates da revolução constitucionalista de são Paulo. Havia apenas oito anos, aquela região havia sido palco de combate entre as forças de são Paulo com os batalhões paranaenses. 

Deixando para trás aquele cenário de guerra, os meninos passaram pela localidade de Poço grande e no inicio da tarde já estão no lugarejo de maria Gorda. Ali, Lídio anotou que existia a mina de cobre de Garapongá. A região do vale era também (ainda é) uma região riquíssima em bens minerais. 

Neste período havia uma grande concentração de pequenas minas de cobre e chumbo por toda a região. Em Apiaí, no lado paulista do vale, estava sendo construída uma Usina Experimental de Chumbo para beneficiar o minério e seus subprodutos, como a prata, o ouro e o zinco. Era um período de grande investimento público e privado, e pequenos povoados mineiros iam se formando aqui e ali, no meio da imensa mata. 

Depois de tomar um café e um bolo de fubá, os meninos seguiram rumo norte, em direção ao vilarejo de Epitácio Pessoa. 

No caminho, Lídio notou (e anotou em seu diário) que o rio que margeava a estrada, o rio grande, corria sobre um leito de areias muito brancas. Aqui e ali, haviam algumas pequenas cacheiras, que Lídio anotou como sendo de gré vermelha. Gré ou grés é uma palavra francesa para arenito, o que não está de todo incorreto, visto que realmente ocorrem muitos corpos de rochas que poderiam ser assim denominadas nesta época. 

Os jovens escoteiros estavam atravessando uma zona composta por rochas metamórficas muito antigas, que formam grandes cristas de serra, formada por duros quartzitos. Em outros locais, ocorriam mármores ora cinzentos, ora mais claros. Estas rochas eram a razão do potencial mineral do Vale do Ribeira. Só para dar um exemplo: na vila de Pedra Preta, onde hoje está a atual cidade de Tunas do Paraná, haveria de se iniciar alguns anos depois a extração de uma rocha ornamental muito usada hoje em dia, o “granito verde Tunas”. 

Nas encostas das serras que eles iam pacientemente atravessando, eram frequentes as cachoeiras. Nestas cachoeiras e corredeiras ao longo da estrada, as caninhas do mato e os cordões de frade estavam sempre presentes, batidas pelo vento formado pela energia das quedas d´água. Um espetáculo para encher os olhos...

Nesta bucólica caminhada, os meninos chegaram na vila de Epitácio Pessoa no fim da tarde. A vila já tinha sido mais importante, mas estava em decadência econômica. As casas de estuque tinham buracos na parede e estavam com aparência de malconservadas. A igrejinha pequena, no alto de uma pequena colina, não dava aparência melhor à vila. 

Os rapazes encontraram abrigo numa casa que servia de botequim, escola, residência e engenhoca de cachaça. Ao procurarem um rio para tomar banho, conversaram com alguns meninos da vila. Estes meninos disseram que os homens do lugar não estavam gostando da presença deles ali. Achavam que eles eram policiais procurando marginais e fugitivos  homiziados naquele fim de mundo. 

A razão para as suspeitas eram as vestimentas do chefe Beto. Vestido com um culote e portando um capacete, chefe Beto também tinha um revólver na cintura. O porte militar do jovem chefe escoteiro chamou a atenção dos homens da cidade. Ali, naquela vila cheia de fugitivos da justiça, a sua simples presença provocava verdadeiramente esta suspeita. 

Entretanto, o que realmente chamou atenção dos rapazes foi a professorinha da vila. Curiosa e bonitinha, ela atraiu a atenção dos rapazes, que ficaram conversando com a moça até a hora de dormir. 

Na hora de dormir, chefe Beto ficou com a única cama, tendo os outros que se contentar com o chão. Aquela seria a ultima noite dos rapazes no sertão paranaense.

domingo, 22 de dezembro de 2019

A MARCHA DOS ESCOTEIROS 10: CANÁRIO, O GARFO NUMERO UM!


A Vila de Tuneiras, atual Tunas do Paraná, na década de 1950, dez anos depois da passagem dos escoteiros por lá.
(Estamos no mês de dezembro de 1941. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina (PR), entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 22 de dezembro de 1941, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão cruzando o perigoso vale do ribeira, cheia de mato e gente mal-encarada.)

Ainda assustados com a notícia do horrendo crime de que ouviram falar na Vila de São Pedro, os rapazes acordaram cedo e não quiseram saber de conversa. Um café sem mistura e logo as 7:00 já estavam na estrada. 

Aquela região era repleta de pequenas estradinhas. Os rapazes caminhavam com cuidado para não se perder. Estavam procurando a vila de Bonsucesso. Depois de muito penar, acabaram acertando o caminho. O caminho, aliás, era estreito, e eles tinham que passar em fila indiana. Chefe Beto na frente Lydio encerrando a fila. A medida em que caminhavam, a distância de um para o outro ficava longa. Em alguns casos, chegaram a ficar um quilômetro uns dos outros. O cansaço ia dominando os rapazes, e eles pararam para descansar. 

Neste pouso, combinaram que iam caminhar todos juntos. Outra coisa a decidir era o que comer. Enganaram os estômagos com água com açúcar e continuaram a caminhar tentando ultrapassar de vez a Serra da Bocaina. Havia muitos passarinhos na trilha. Lydio, poético, chegou a definir sua cantoria como uma sinfonia desafinada. Também era muito atento as belas orquídeas e caraguatás, dispostas em arvores altas e nas altas pedras do caminho. 

Neste caminho, encontraram também muitas mulheres a cavalo. Lydio as descreveu como caboclas de olhos rasgados, tipo bugras. Eximias amazonas, cruzavam o caminho deles e saiam em desabalada carreira. Na certa, para avisar seus maridos que a Polícia Volante, ou seja, eles, estavam por perto.

 Com efeito, ao chegar nas casinhas no meio do mato os rapazes só encontravam cachorros magros e crianças maltrapilhas. Estas crianças só sabiam dizer que seus pais não estavam ali. Os cinco rapazes não tinham como perceber, mas esta era uma estratégia de invisibilidade. Assim as populações tradicionais e originarias haviam resistido à ocupação do estado brasileiro e suas levas de ocupação “civilizada” nestes cinco séculos. Parecia uma coisa banal, mas era uma estratégia muito bem elaborada. Era um lugar de estar e não estar, numa guerrilha perpetua. A “guerra brasílica” ainda era travada, sem que os escoteiros o soubessem, ali naqueles planaltos aparentemente desertos que eles estavam atravessando. 

Havia, ainda a fome. No meio da estrada, um pé de ingá carregado supriu por ora as forças da rapaziada. O cansaço era grande. De vez em quando, Lydio confessa, a tristeza tomava conta dos rapazes. Uma semana quase já longe de casa. E que perrengues! De vez em quando durante a caminhada, eles choravam bem baixinho longe dos outros para não serem notados. 

Eles passaram pela localidade de Antinha as 14 horas. As três e meia, já estavam avistando as pequenas casas da vila de Ouro Fino. Neste lugar, eles compraram um almoço de uma família polonesa que morava por ali. Enquanto a boia não ficava pronta, eles descansaram algumas horas num campo aberto, cortado por um Corguinho de água fria e limpa que corria para leste, na direção do rio Pardo. A sombra em que descansaram era um pé de Santa Barbara, frondosos e ramados. 

Quando a boia ficou pronta, eles avançaram. O almoço, depois de tanto tempo de aperto, era batatinha, repolho, ovos e farinha de milho. Como sobremesa, café com leite e broa de centeio. Lydio em seu diário faz uma singela homenagem seu colega Canário, eleito por unanimidade o garfo número um da turma. “Como comeu esse garoto”, comenta Lydio.

Depois de fazer uma pequena siesta na beira das arvores, os rapazes se aprontaram e seguiram viagem. Passagem, no caminho por uma plantação de linho, que desconheciam. Lydio anota que a plantação de linho parecia ouro. 

Já tinham caminhado 4 quilômetros, quando Milton parou: “Xi! Esqueci meu bornal com toda a minha roupa naquele último lugar que paramos! Mas eu não volto lá de jeito nenhum!”. Tentamos convencê-lo a ir, pois estaríamos esperando, mas ele não concordou, e seguimos viagem. 

Nesta altura, eles já haviam descido a serra do cadeado, que foi contornada por uma parte mais acessível. As 17 horas eles passaram pela vila de São Sebastião e, as 18 horas, chegaram em Tuneiras para pernoitar. 

Na povoação, deram um paiol de milho para eles dormirem. As camas eram feitas de palhas e sabugos, no entanto, as ratazanas também infestavam o lugar. Lydio acabou por dormir fora do paiol, perto do fogo, mas longe das ratazanas.

sábado, 21 de dezembro de 2019

A MARCHA DOS ESCOTEIROS 9: UM CRIME HORRENDO



Uma vista do alto da Serra da Bocaina, na atual Bocaiuva do Sul (PR); os escoteiros a atravessaram em 21 de dezembro de 1941
(Estamos no mês de dezembro de 1941. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina (PR), entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 21 de dezembro de 1941, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) ouvem historias de um crime horrenda ocorrido na vila de São Pedro.)

Os rapazes se puseram em marcha, depois de deixar a venda de seu Alderico Bandeira, na pequena vila de Capivari. Tinham que retomar a marcha, para recuperar o tempo que chuva torrencial da madrugada havia lhes tomado. 

As três e meia da tarde, chegaram ao pequeno povoado de Praia Grande. Pediram um café reforçado numa pequena venda de secos e molhados. Para atendê-los, uma moça loira muito bonita, que deixou a todos embasbacados. Mas eles não tinham tempo para isso. Tinham que andar. 

Neste fim de tarde, atravessaram as grandes florestas da bacia do Capivari-Pardo, dois grandes afluentes do rio Ribeira. Desde o dia anterior eles estavam nesta grande bacia. O ar do Planalto era mais fresco que o do Litoral, e as florestas, ao contrário da espessa Mata Atlântica, que percorreram desde Antonina até a Serra dos Órgãos, agora era dominado pela mata “suja” com muitas araucárias.

Num determinado trecho da floresta, os rapazes passaram por uma araucária muto grande à beira da estrada, que se destacava das demais. Parecia o Cristo redentor de braços abertos, conforme anotou Lídio em seu diário.

Logo depois de atravessarem no Rio Pardo numa ponte improvisada, eles escutaram um canto de galo. “Por aqui há alguma casa”, Chefe Beto comemorou. Dito e feito. Logo depois eles chegaram a uma pequena clareira escondida dentro de um pinheiral mais espesso. Havia muitas casas naquela clareira, além de uma grande serraria. Os rapazes logo prestaram atenção ao grande caminhão carregado de toras. Aos lados, muitas pilhas de tabuas estivadas. 

 Os habitantes da povoação receberam bem os escoteiros. O gerente da serraria os alojou numa casa desocupada. Entretanto, os rapazes não tiveram descanso. Eis que a rapaziada do local os intimou para um futebol, num gramado ali perto. Apesar de cansados, toparam o desafio. O jogo de futebol suíço foi renhido, e no final os visitantes perderam para o time da casa pelo placar de 10 a 8. Nada mal para quem tinha andado tudo que eles andaram desde cedo. 

Mas tinha mais. Manduca preparou uma janta. Especialidade: farofa de linguiça de porco, arroz, e um café reforçado com broa de milho. Logo depois, os rapazes da vila se juntaram a eles, e começou uma grande batucada. Lídio tocava uma gaitinha de boca, Canário era, claro, o cantor, e Manduca fazia a marcação com uma colher, repicando na outra. Milton se juntou aos sambistas e ficou acompanhando com um chocalho improvisado, numa latinha cheia de areia e grãos de arroz. Dos rapazes da vila, um tocava cavaquinho e outro, o pandeiro. 

Essa noite, felizes com o futebol e o samba, os rapazes tiveram sono de pedra. Cada um arrumou-se como pode. 

Quando acordaram, ao raiar do dia, trataram de cair na estrada. Lavaram-se na beira do Corguinho que banhava a vila, arrumaram as mochilas e encheram os cantis de água. As 8:00 iniciaram novamente a caminhada rumo norte. 

A paisagem era a mesma, mas agora teriam mais uma serra para atravessar, a Serra da Bocaina. Numa altura de 1400 metros sobre o nível do mar, esta serra era, entretanto, mais fácil de ser atravessada. Para isso, tinham que tomar a estrada no rumo da vila de São Pedro. 

Eram 13 horas da tarde quando pararam à beira da estrada, extenuados, para fazer uma ligeira refeição. Àquela altura, segundo Lídio, cada um deles já tinha perdido uns três quilos de peso. Segundo eles brincavam, a única coisa que tinha inchado eram as pernas, por causa das picadas de mosquitos. 

As pessoas que encontravam pelo caminho se espantavam com a estranha patrulha que encontravam no meio do mato. Quando sabiam da direção e do motivo da marcha dos rapazes, todos se espantavam: “Que gosto”, diziam alguns. "Que tolice!", diziam outros. O fato é que a presença deles ali naquele meio era bastante estranha para a população local. Não poucos olhavam para eles com desconfiança. 

Depois de atravessarem o rio Tucum, os rapazes chegaram afinal à pequena vila de São Pedro; aqui estavam próximos da estrada Curitiba-Adrianópolis, ou Curitiba-São Paulo. A vila de São Pedro, no entanto, era menos que uma vila. Era tão-somente um amontoado de casas. Os rapazes tinham a intenção de acampar ali, mas um senhor lhes ofereceu uma casa abandonada para se abrigarem da noite. A casa era velha, mas estava bem conservada. Com a ajuda de uma vassoura, os rapazes deram uma boa faxinada na casa, que ficou apresentável para o pouso. Dali a pouco, Manduca estava tirando para a turma um delicioso café tropeiro. 

No entanto, estavam faltando pães e biscoitos. Lídio foi encarregado de procurar nas imediações. Ele procurou um boteco ou venda, mas acabou não encontrando nada. No caminho de volta, chamou sua atenção um pequeno cercado com quatro cruzes. Eram recentes. Viu também uma grande mancha de carvão ao redor, parecendo ser um local que foi incendiado. 

Lídio perguntou a senhor vizinho este terreno. O vizinho contou a Lídio que aquela cena macabra era o que restava de um dos maiores crimes que havia acontecido ali no município. Ali havia uma pequena casa comercial. No cercado estavam enterrados o casal de comerciantes donos da venda, seu filho pequeno de quatro meses de idade e um empregado da casa. Eles haviam sido mortos por outro vizinho, compadre do casal e padrinho da criança. Havia sido um latrocínio puro e simples, somente com o interesse do roubo. 

O casal seu filho e o empregado foram mortos, seus corpos empilhados e queimados com querosene. 

Lídio voltou rapidamente para a casa abandonada onde estavam seus companheiros. Quando contou a história, todos ficaram apreensivos. Afinal, era, como eles tinham notado, um povoado onde todos andavam armados. As armas estavam à vista, sem o menor cuidado de escondê-las. 

Assim, desistiram de procurar mais mistura e jantaram café puro. Trancaram bem a casa e traçaram planos para o dia seguinte, onde iriam sair dali bem cedinho, deixando aquela gente desconfiada para trás.