domingo, 22 de dezembro de 2019

A MARCHA DOS ESCOTEIROS 10: CANÁRIO, O GARFO NUMERO UM!


A Vila de Tuneiras, atual Tunas do Paraná, na década de 1950, dez anos depois da passagem dos escoteiros por lá.
(Estamos no mês de dezembro de 1941. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina (PR), entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 22 de dezembro de 1941, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão cruzando o perigoso vale do ribeira, cheia de mato e gente mal-encarada.)

Ainda assustados com a notícia do horrendo crime de que ouviram falar na Vila de São Pedro, os rapazes acordaram cedo e não quiseram saber de conversa. Um café sem mistura e logo as 7:00 já estavam na estrada. 

Aquela região era repleta de pequenas estradinhas. Os rapazes caminhavam com cuidado para não se perder. Estavam procurando a vila de Bonsucesso. Depois de muito penar, acabaram acertando o caminho. O caminho, aliás, era estreito, e eles tinham que passar em fila indiana. Chefe Beto na frente Lydio encerrando a fila. A medida em que caminhavam, a distância de um para o outro ficava longa. Em alguns casos, chegaram a ficar um quilômetro uns dos outros. O cansaço ia dominando os rapazes, e eles pararam para descansar. 

Neste pouso, combinaram que iam caminhar todos juntos. Outra coisa a decidir era o que comer. Enganaram os estômagos com água com açúcar e continuaram a caminhar tentando ultrapassar de vez a Serra da Bocaina. Havia muitos passarinhos na trilha. Lydio, poético, chegou a definir sua cantoria como uma sinfonia desafinada. Também era muito atento as belas orquídeas e caraguatás, dispostas em arvores altas e nas altas pedras do caminho. 

Neste caminho, encontraram também muitas mulheres a cavalo. Lydio as descreveu como caboclas de olhos rasgados, tipo bugras. Eximias amazonas, cruzavam o caminho deles e saiam em desabalada carreira. Na certa, para avisar seus maridos que a Polícia Volante, ou seja, eles, estavam por perto.

 Com efeito, ao chegar nas casinhas no meio do mato os rapazes só encontravam cachorros magros e crianças maltrapilhas. Estas crianças só sabiam dizer que seus pais não estavam ali. Os cinco rapazes não tinham como perceber, mas esta era uma estratégia de invisibilidade. Assim as populações tradicionais e originarias haviam resistido à ocupação do estado brasileiro e suas levas de ocupação “civilizada” nestes cinco séculos. Parecia uma coisa banal, mas era uma estratégia muito bem elaborada. Era um lugar de estar e não estar, numa guerrilha perpetua. A “guerra brasílica” ainda era travada, sem que os escoteiros o soubessem, ali naqueles planaltos aparentemente desertos que eles estavam atravessando. 

Havia, ainda a fome. No meio da estrada, um pé de ingá carregado supriu por ora as forças da rapaziada. O cansaço era grande. De vez em quando, Lydio confessa, a tristeza tomava conta dos rapazes. Uma semana quase já longe de casa. E que perrengues! De vez em quando durante a caminhada, eles choravam bem baixinho longe dos outros para não serem notados. 

Eles passaram pela localidade de Antinha as 14 horas. As três e meia, já estavam avistando as pequenas casas da vila de Ouro Fino. Neste lugar, eles compraram um almoço de uma família polonesa que morava por ali. Enquanto a boia não ficava pronta, eles descansaram algumas horas num campo aberto, cortado por um Corguinho de água fria e limpa que corria para leste, na direção do rio Pardo. A sombra em que descansaram era um pé de Santa Barbara, frondosos e ramados. 

Quando a boia ficou pronta, eles avançaram. O almoço, depois de tanto tempo de aperto, era batatinha, repolho, ovos e farinha de milho. Como sobremesa, café com leite e broa de centeio. Lydio em seu diário faz uma singela homenagem seu colega Canário, eleito por unanimidade o garfo número um da turma. “Como comeu esse garoto”, comenta Lydio.

Depois de fazer uma pequena siesta na beira das arvores, os rapazes se aprontaram e seguiram viagem. Passagem, no caminho por uma plantação de linho, que desconheciam. Lydio anota que a plantação de linho parecia ouro. 

Já tinham caminhado 4 quilômetros, quando Milton parou: “Xi! Esqueci meu bornal com toda a minha roupa naquele último lugar que paramos! Mas eu não volto lá de jeito nenhum!”. Tentamos convencê-lo a ir, pois estaríamos esperando, mas ele não concordou, e seguimos viagem. 

Nesta altura, eles já haviam descido a serra do cadeado, que foi contornada por uma parte mais acessível. As 17 horas eles passaram pela vila de São Sebastião e, as 18 horas, chegaram em Tuneiras para pernoitar. 

Na povoação, deram um paiol de milho para eles dormirem. As camas eram feitas de palhas e sabugos, no entanto, as ratazanas também infestavam o lugar. Lydio acabou por dormir fora do paiol, perto do fogo, mas longe das ratazanas.

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