Adam West, em foto de 1999, sentado sobre o bat-móvel
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Entre tantas perdas que tivemos recentemente, uma delas me
bateu tanto que senti, depois de algum tempo, vontade de escrever algumas
maltraçadas linhas. Trata-se da morte de Adam West, o icônico Batman do seriado
dos anos 60.
Com a perda de West, senti que muito de meu passado está
ficando irremediavelmente distante. As tardes em frente da velha – e grande - TV preto e branco, vendo assustado as encrencas
em que se metiam Batman e Robin, lutando contra inimigos não menos icônicos como
o Charada, o Pinguim, o Coringa e a não menos temível – e por isso mesmo
adorável - Mulher-gato são tardes cada vez mais distantes e apagadas na memória.
Adam West vestiu um Batman da contracultura, um Batman que
vinha direto dos gibis, com muita meta-linguagem e com um cenário super-colorido
e sua linguagem de socos onomatopaicos – os formidáveis Crash, Pow, Thud...
Era um Batman juvenil e alegre, bem distante daquele Batman
introspectivo e sombrio que a série “Cavaleiro das Trevas” viria a impor a
partir dos anos 80. Um Batman com falhas, um vingador obsessivo, um ser
transtornado e perturbado.
Como não amar aquele imperturbável ricaço que descia por uma
passagem secreta para seu esconderijo secreto para lutar contra o mal? Quem nunca
quis ter uma segunda identidade e uma batcaverna para se esconder e trabalhar
nas mais incríveis ferramentas? Usar o cinto de utilidades, tão kitsch quanto incrível,
inventar poções borbulhantes em tubos de ensaio gigantes ou dirigir o bat-móvel
ou o batplano pelas ruas e pelos céus de Gotham City?
Santa ingenuidade, Batman! Doce ingenuidade, Batman, embalada
em frente da TV preto e branco da sala de estar...
Hoje em dia, em que vivemos nesta lamentável gangorra de
emoções ruins e golpes baixos, temos juízes e procuradores que se travestem de Batman.
Querem ser justiceiros, querem fazer a diferença como se justiceiros fossem, e
não trabalhadores da justiça. Que fazem seu serviço como se dirigissem batmóveis
e enfrentassem Coringas ou Charadas, quando o que na verdade enfrentam são os temers,
os jucás, os renans, os aécios, bandidos mais espertos e muito mais
barra-pesada.
E a justiça? Batman podia pegar seu bat-fone e ligar para o Comissário
Gordon e tudo estava resolvido. Batman era um funcionário do Estado, agindo nos
interstícios do poder do estado. Quando tudo parecia perdido, o home morcego
havia sido capturado pelos vilões e estava para ser morto, aparecia a polícia
de Gotham City – o herói estava salvo, e os bandidos estavam presos.
Quem vai prender quem? As lamentáveis Cortes que temos, a deplorável
magistratura que sustentamos com nossos impostos é ela mesma cheia de Pinguins
e Charadas. Não há espaço para ingenuidade, a lei e a ordem vão se esvaindo
como areia por entre nossos dedos e tudo o que foi construído com muito esforço
nos últimos trinta anos - a minha vida adulta – se esboroa frente aos
interesses privados e à vontade do tal de “mercado”, sem que temas de moral e
ética provoquem a mínima indignação.
Todo o legado do século XX e as suas guerras mundiais parece
não ser mais levado a sério. A luta contra os nacionalismos perversos e
beligerantes como o nazismo, o fascismo e o nacionalismo nipônico, a luta contra
a exclusão social, a luta pelas soluções globais negociadas e pelas leis e valores
democráticos – o quer que isso queira dizer – ficam cada vez mais relativos.
O colorido vibrante do Batman de Adam West talvez queira nos
dizer alguma coisa, nos lembrar de algo que ficou para trás. Um Bat-sinal.
Excelente texto, Jeff! Quando vi a notícia, pela TV, da morte de Adam West, só pude dizer: Ah, não! Era mais uma parte da minha infância, ou da minha inocência, que ia com ela.
ResponderExcluirObrigado, Edson!! Foi esta a minha sensação, de perda da inocencia...me pôs em estado de escrever algo, coisa que não sentia há tempos...
ResponderExcluirO cinto de utilidades... estará aí uma conexão com a carreira do Indiana Jones Geólogo?
ResponderExcluirNão tinha pensado nisso, Maria José...mas, quem sabe não é verdade?
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