quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

A MARCHA DOS ESCOTEIROS 28: NA PAULICEIA DESVAIRADA!


O bonde camarão no centro de São Paulo; os escoteiros andaram muito de bonde quando aqui estiveram, em janeiro de 1942; Ao fundo os arranha céus do Banco do Estado e o Martinelli. 
(Estamos no mês de janeiro de 1942. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina (PR), entre 15 e 18 anos, estão desde 16 de dezembro de 1941 numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 09 de janeiro de 1942, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) chegandoao quartel do 1º BC em São Paulo, primeira etapa da viagem.)

A Pauliceia é mesmo desvairada. As 6 horas da manhã, o barulho ficou ensurdecedor para nossos rapazes. A cela da cadeia de Pinheiros estava insuportável por causa do barulho dos veículos que iam a vinham pela rua. Os rapazes acordaram cedo, tomaram um café ali mesmo, na cadeia, e saíram a desvendar São Paulo. Seu destino era o quartel da Polícia Militar, onde ficaram alojados. 

Depois de subir toda a avenida Rebouças e entrar na Consolação, os rapazes sentiram-se completamente perdidos naquele mundaréu de prédios e ruas. Era mesmo um grande labirinto de prédios e pessoas. E resolveram pegar um taxi até o quartel. Acabaram por chegar no quartel do 1º batalhão de caçadores, que hoje se chama batalhão Tobias Aguiar, sede das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, a tão temida ROTA.  

Antes de haver um exército regular no Brasil, os governos estaduais eram responsáveis por uma unidade militar, que fazia o papel de polícia. Estas unidades, porém, também eram pequenos exércitos, e os governadores usaram as suas “Forças Públicas” em diversos conflitos internos. Desmanteladas no Estado Novo, estas corporações deram origem às atuais polícias militares. A ROTA, inclusive, esteve metida em diversos episódios lamentáveis da história moderna do Brasil. Um destes foi a Chacina do Carandiru, em 1994. 

Entretanto, voltemos ao quartel do 1ºBC. Segundo Lydio, eles tiveram sorte, pois chegaram no quartel bem na hora do rango. Entraram na fila e, mortos de fome que estavam, acabaram repetindo o bandeco. A comida foi tanta, que eles tiveram que fazer uma siesta. Contando o milagre sem contar o nome do Santo, Lydio diz de um companheiro que neste dia dormiu até as três da tarde. Só podemos saber que não foi Lydio, nem Milton. 

Estes tinham um álibi. Nesta hora, Lydio e Milton foram conhecer os blindados que estavam ali no quartel, em exposição. Logo depois, quando os outros colegas acordaram as siesta, os rapazes resolveram ir passear no largo de São Bento. Para isso, pegaram um bonde camarão. Este era o nome dos antigos bondes de São Paulo, que existiram até os anos 60. O apelido era por causa da cor vermelha característica. 

Do centro, os rapazes pegaram um bonde para a Barra Funda. Lá, estava o Instituto Nacional do Pinho, dirigido pelo amigo e conterrâneo Laudemiro Munn Vieira. A partir deste momento, Laudemiro foi o protetor e guia dos rapazes em terras paulistanas.

No Instituto Nacional do Pinho eles encontraram outros antoninenses, como José Gonzaga Vieira, Luís e Antônio Veloso, Gabriel Dover. Ainda estava ali trabalhando o ex-colega escoteiro Aderque Vieira. Era quase um consulado de Antonina. Levados por Laudemiro, Lydio e Milton conheceram ainda a Serraria Paraná, ligada ao instituto Nacional do Pinho. Lá, trabalhavam também muitos paranaenses. 

O Instituto Nacional do Pinho era um órgão que havia sido recém-criado pelo governo pra cuidar da produção e do reflorestamento do Pinho. Entre suas ações estavam ações de fomento à produção de madeira e de conservação das florestas. Pode-se entender que só predominou a primeira. As florestas de Araucária que restaram foram depois incorporadas ao IBDF, Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal.  

Depois, de levar os rapazes para conhecer o Instituto Nacional do Pinho, Laudemiro os levou a jantar em sua Casa, no bairro paulistano da Casa Verde. Lá, eles receberam ainda cartas enviadas pelos parentes e amigos, além de dinheiro enviado pelas famílias. Cada um recebeu entre 40 e 60 mil réis, o que foi uma alegria. 

Depois do jantar, os dois voltaram de bonde até o centro. O passeio noturno foi um deslumbramento. Chamava especial atenção dos rapazes os anúncios luminosos em gás neon, que coloriam a fachada de vários edifícios. Lydio nos conta que no alto do arranha céu do Martinelli uma imensa girafa girava, fazendo luminosa propaganda da cerveja Caracu. 

Nas ruas, os rapazes se deliciaram com o barulho do buzinar dos carros, o ranger da roda dos bondes e o apito dos guardas de trânsito. Em cima de pequenas caixas de madeira, eles tentavam controlar aquele aparente caos. O vozerio dos vendedores de loteria também chamou atenção dos rapazes. Com seu jeito bem-humorado, as vozes dos vendedores competiam entre si. Um deles gritava: “Quem é felizardo nasceu em 1911! O seu dia chegará! Aproveitem que só tem um bilhete!”.

A quantidade de pessoas também impressionou muito os rapazes. Para espanto deles, na rua direita os carros não transitavam, só pedestres. Entretanto, a ferocidade do tráfego não obstante fazia inúmeras vítimas. Lydio anota que a avenida Brigadeiro Luiz Antônio era a campeã de acidentes. Os rapazes passaram ainda pela avenida São João, onde estavam as maiores lojas de calçados e tecido. A rua Libero Badaró era a rua elegante, cheia de cafés e bares, com muita gente entrando e saindo. 

Estavam apreciando passear também no Viaduto do Chá, quando perceberam que já estava tarde. No quartel o toque de recolher era as dez. De volta ao quartel, e cansados de tanto bater perna, os rapazes dormiram um sono só.

2 comentários:

  1. Até dá para imaginar o maravilhamento dos rapazes com o movimento já desenfreado da São Paulo da época.

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  2. Pois é...deve ter sido uma baita experiência.
    Alguns, como Lydio e Milton tinham já algum conhecimento de como era uma cidade grande. Chefe Beto Talvez. Mas Canário e Manduca não tinham.

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