quarta-feira, 4 de março de 2020

A MARCHA DOS ESCOTEIROS 82: COMO UMA ONDA NO MAR

O vapor trazendo os escoteiros atravessa na madrugada de 3 para 4 de março de 1942 uma grande tempestade em alto mar. Os escoteiros passam por situações de perigo real. 


(Estamos no mês de março de 1942. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina (PR), entre 15 e 18 anos, percorreram 1250 quilômetros numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 4 de março de 1942, Beto, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca), Milton e Lydio, estão voltando pra casa. Nesta madrugada, o barco enfrenta uma grande tempestade... )

Na madrugada de 3 para 4 de março de 1942, o vapor que levava os escoteiros para sua viagem de volta enfrentava uma forte tempestade em alto mar. Lydio Cabrera, entre assustado e encantado com o balanço do navio, saiu para fora ver o espetáculo. Isso quase lhe custa a vida. 

Uma forte onda invadiu o convés e acabou atirando o escoteiro para os cabos da amurada. Num instante, ele entendeu o perigo que corria, de ser atirado ao mar pelos próximos vagalhões de água salgada que varriam o convés. Um frio lhe correu a espinha. Entre as coisas que lhe passaram pela cabeça nesse rápido instante foi o forte o medo de morrer ali, sem voltar a ver seus amigos e sua família. 

As ondas prosseguiam batendo forte no convés, e Lydio ficou ali agarrado aos cabos mais uns quinze minutos. Vinham ondas mais fortes e ondas mais fracas, até que tomou coragem e, entre uma onda e outra, saltou para o convés e voltou correndo a seu camarote. 

Estava morrendo de medo, encharcado e gelado. Esperou um tempo para recuperar os batimentos cardíacos. Depois tomou um banho, caiu na cama e, para sua sorte, dormiu pesadamente. A viagem de volta estava tão cheia de histórias e percalços quanto a ida a pé até o Rio. 

Ele e seus colegas escoteiros de Antonia, mais seu colega Gastão Batinga, escoteiro sergipano que seguia para Curitiba, haviam embarcado havia dois dias, de volta para a sua querida Antonina.  

Ainda no Rio, o general Heitor Borges, chefe e grande patrocinador do escotismo no Brasil, havia feito uma brincadeira com os meninos, pedindo-lhes que voltassem de outra forma que não fosse a pé.  No dia da partida, o carro preto do General Heitor, dirigido pelo Dr. João, passou no quartel para levar os rapazes ao porto. 

Mas tudo isso já era história. 

Ao cair da tarde do dia 4 de março de 1942, depois de passar ao largo de Cananeia e entrar no canal da Ilha do Mel, o vapor que conduzia os cinco escoteiros estava chegando ao atracadouro do porto de Paranaguá. 

O fato de o navio chegar até ali e não ir até Antonina era simplesmente o fato causador da viagem dos rapazes, fazia três meses quase: o fechamento da Companhia Costeira pelo Governo Federal, que fazia a rota comercial até Antonina. 

A carta que os rapazes haviam entregado explicava ao Ditador as razões da cidade para ter a volta dos navios da Costeira de volta. Antonina era o caminho mais curto para Curitiba, servido diretamente pela estrada da Graciosa. Era o atracadouro mais ocidental da baia de Paranaguá, com obvias vantagens em termos de distância e, consequentemente, em fretes.

Os navios da Costeira, que haviam sido recentemente estatizados pelo Governo, eram o grande elo que unia Antonina na rede do comercio de cabotagem do Brasil. Sem ele, o comercio perdia todas as suas vantagens e a cidade perderia muito em importância e em dinheiro. 

Na carta, a cidade pedia que a costeira pudesse voltar, e apelava para os mais nobres sentimentos do ditador. 

Getúlio fez o que lhe convinha: posou para fotos com os rapazes, ressalvou-lhes a coragem. Fez com que a Costeira voltasse a tocar, de maneira tímida, o atracadouro antoninense. Mas era pouco. 

Quando o ditador caiu, em 1945, a Costeira desapareceu tão irremediavelmente que nenhuma viagem a pé poderia fazê-la voltar. A viagem dos rapazes que agora terminava como um grande sucesso, na verdade havia sido um movimento de grande coragem, mas que duraria somente mais os anos da guerra. 

Mas agora não era hora de pensar nisso. Os rapazes estavam alegres e entusiasmados com a chegada. Não aguentavam de saudades. Era hora de pensar na volta a suas casas e á sua cidade. Depois de tantos percalços, como eles iriam ser recebidos pelos seus conterrâneos?

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