domingo, 18 de março de 2012

ANTONINA ANTIGA - VI



Acho esta foto belíssima. O fotografo está postado na rua XV de novembro, em frente à atual rodoviária. Dois prédios se destacam. Um, à esquerda, é o da atual loja Pica-pau. Aparece com um grande sobrado, com um mastro no centro. Seria uma nessa época uma repartição pública?   Ou a sede de alguma empresa? O outro prédio, à direita, é o sonho de dez entre dez políticos da nossa Deitada-a-beira-do-mar nos últimos cento e poucos anos: a Prefeitura. Ai sim vemos um mastro embandeirado, mostrando claramente seu perfil de edifício público.
Pela posição da foto, o fotografo está postado no meio da rua, o que lhe dá uma excelente perspectiva, que converge retilínea para o centro. No centro está um grupo de pessoas vestidas de preto, cerca de quinze pessoas. Estão de costas para a foto, se afastando de nossa visão. Somente duas, uma mulher e uma criança, estão de roupas brancas. Será uma procissão? Pelas roupas, o mais provável é que se trate de um enterro.
Quem estará sendo enterrado? Com certeza é alguém de posses, pelo traje das pessoas. No entanto, o pequeno número de pessoas no féretro indica ser uma pessoa simples. Não se trata de um político ou de um grande comerciante, ou poderia haver mais algum sinal de seu poderio ou riqueza. No entanto, estamos de longe, e as pessoas que estão participando do enterro estão de costas, não se pode ter muita certeza.
A rua está relativamente vazia. Seria um domingo? Um feriado? Em outras fotos, vemos a rua XV toda buliçosa, cheia de veículos e de gente, indo e vindo, muito mais até que os dias presentes. É, pode se tratar de um dia santo, onde tudo corre devagar. Em primeiro plano, à direita, está estacionado um Ford bigode, com uma grande placa onde se vê um numero – 256. Que distância das placas de três letras e quatro algarismos! O Ford bigode nos indica se tratar de uma foto antiga, dos anos 20 do século XX. Ou seja, ainda não estamos na Antonina rica dos anos 30.
Pela altura do sol, projetando escassa sombra na calçada da esquerda, a foto foi tirada no final da manhã. Essa luminosidade de quase meio dia toda reverbera pela imagem e a enche de luz, contrastando com as pessoas de preto no meio da rua, que parecem caminhar de cabeça baixa, compungidas, conduzindo seu morto.
 Algumas pessoas, no entanto, não participam da cerimônia fúnebre. Alguns estão pela calçada. Um marinheiro de branco está parado na esquina, próximo ao atual banco do Brasil. Perto dele, algumas crianças, vestidas de cores claras. Mais perto, um homem de boné, camisa branca e uma calça com a barra alta, em meia canela, mostrando a meia e os sapatos. A seu lado, um tipo de paletó largo e cartola alta faz pose, colocando a perna no degrau da casa, com as mãos dobradas no joelho. Está nitidamente mirando o fotografo. Não se pode ver seu rosto, mas sua postura, um pouco irônica, faz um contraponto curioso à dor que exala das pessoas de preto no centro da foto. Quem será este homem?
A procissão segue com seu morto para dentro da foto e da história. Talvez jamais saberemos. As perguntas ficam: quem eram estas pessoas? O que faziam ali? O que pensavam e sentiam naquele momento? Era mesmo ironia a pose de homem de paletó e cartola? Talvez existam inúmeras respostas para estas perguntas. Ou, o que é mais provável, nenhuma. A Antonina de outrora está ali, uma mera imagem no papel, sem qualquer explicação adicional.
A única certeza é a indesejada das gentes, como diria Manoel Bandeira, tuberculoso, que passou a maior parte da vida driblando a iniludível. Lembro do poema do homem no café, que tirou o chapéu numa homenagem silenciosa ao enterro que passava em frente. Sim, diz Bandeira, é com ela que vamos todos, crentes e ateus, um dia prestar as contas. Pessoas seguem suas vidas distraidamente, andando pelas ruas cheias de sol, cheias de orgulho e arrogância, certos de que são alguma coisa.
Que nada. No fim, todos vamos virar um pedaço de nada, um monte de ossos, um nome num papel velho, um borrão numa velha foto em preto e branco ou numa imagem perdida num power-point qualquer, caminhando em silêncio para o centro de nossa perspectiva.   

4 comentários:

  1. Belo texto, Jeff! Aliás, belíssimo. Abraço!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Edson, muita inspiração vem tambem dos seus belos textos sobre nossa querida Deitada-a-beira-do-mar...muito obrigado!

      Excluir
  2. Jeff, uma coisa posso dizer... hoje, esse pessoal caminharia na contra-mão.
    Mauricio Scarante

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Querido amigo, pelo menos dá pra ter uma noção do transito naquela época, né? Obrigado pelo comentário!

      Excluir