peguei daqui |
A pandemia/epidemia de coronavírus que estamos vivendo não
pode mais ser relativizada. Precisamente na última quinta-feira, 2 de abril, o
número de mortos pelo coronavírus (299 vítimas) ultrapassou o número de mortes
no desastre do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, 272 pessoas.
Quantas Brumadinhos cabem nesta nova tragédia?
A pergunta que muito se fez, e a única a qual não se deveria
fazer, é: Quanto vale uma vida? Entre pasmos e boquiabertos, estamos vendo
raciocínios completamente estapafúrdios sendo feitos nas nossas fuças: quantas
vidas seria necessário sacrificar para manter a sociedade, leia-se economia,
funcionando?
O empresariado bolsonarista não se cansa de fazer esta
proposição. “Por causa de cinco mil, sete mil vidas” não se deveria parar a
economia. O próprio “mito” faz raciocínio idêntico: “morreu, lamento”, diz o
ex-militar, que não parece se incomodar com baixas que seus governados vêm
sofrendo. Parece que nem ficam ruborizados. Como tantos já apontaram, vivemos
tempo em que ficou “natural” falar estas barbaridades.
As barbaridades são ditas em ambientes limpinhos e
requintados, com empresários falando serenamente aos microfones coisas igualmente
sensatas e razoáveis. A empatia evapora-se como álcool gel. Não há aqui ogeneral franquista gritando “Viva la muerte!”. Não há imagens de Hitler
e Goebbels defendendo a “Solução Final”. Mas também é Necropolítica. Na
veia.
Frente a raciocínios tão sofisticados, seria justo
perguntar: quais seriam estas vidas que se pode abrir mão? Quem são as buchas
de canhão da nova pandemia? Por certo não seriam as suas próprias, nem de seus
familiares. Seria, é claro, a vida do outro, do distante, do pobre, do negro,
do imigrante, do idoso. A morte das pessoas invisíveis não faz corar ao
empresariado liberal.
Há também os que se refugiam na aparente neutralidade dos
números. No início de março várias pessoas relativizavam a pandemia dizendo que
o número de mortos seria pequeno, por causa da “baixa letalidade” da nova
doença. No entanto, a escalada de disseminação da doença e as mortes associadas
mostra outra realidade. Quanto dá 2,5% de 210 milhões? Quem vai pagar essa
conta?
Alguns outros argumentam: por que ligar para um número tão
pequeno de mortes, se o trânsito mata mais? Se fumantes morrem mais?
É o mesmo problema que temos para comparar um acidente de
avião com os acidentes de carro. Um acidente de avião instantaneamente mata
centenas de pessoas. Já os acidentes de trânsito são menores e mais espaçados
no tempo.
A morte concentrada e trágica
destes eventos é mais impressionante pelo volume e intensidade. Por isso os
acidentes de avião chocam mais que as milhares mortes do trânsito.
(Isso não quer dizer que os acidentes de trânsito não sejam
um problema. Obvio que são. Entretanto, a solução dada pelo atual desgoverno é
uma chocante flexibilização das regras de trânsito. Especialistas são unânimes
em dizer que as medidas tomadas pelo “mito” aumentam a insegurança e, por
consequência, o número de mortes.)
Não estamos mais nas “pestes” do passado, onde se acreditava
que as mortes eram causadas pela ira divina. Temos uma sociedade tecnológica
que pode (e está) respondendo rapidamente aos fatos verificados durante a
dispersão da pandemia do coronavírus.
Entretanto, vivemos, particularmente em nosso país, uma
forma perversa de pensar e agir, que tende a sacrificar os mais pobres e
vulneráveis em nome de uma pretensa racionalidade dos negócios. No entanto,
vida e economia não se separam. Quanto mais pessoas expostas, maior será a mortalidade.
Quando a escalada de mortes começar, nas próximas semanas, o
impacto na vida e no funcionamento dos hospitais e serviços funerários vão cobrar
seu preço. E isso traz consequências sociais e políticas impossíveis de prever.
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