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Para Salvador Picanço (1934-2008)
O celacanto é uma espécie de peixe que se supunha
extinta há muito tempo, desde o cretáceo, há 65 milhões de anos atrás. Até ser
pescado na costa da África do Sul, em 1938, acreditava-se que era somente um
fóssil, atulhando prateleiras de museus de paleontologia. Hoje, sabe-se, ainda
existem celacantos nos mares. Poucos, mas existem, como que pra contrariar a
evolução das espécies, pra nos contrariar.
A mesma coisa se diz dos políticos honestos. O
senso comum diz que eles não existem. Pra nos contrariar, os políticos
honestos, como os celacantos, fazem suas aparições aqui e ali. Por estes dias,
lamentou-se a perda do senador Jefferson Peres (PDT-AM), tido como um dos
celacantos do congresso nacional. Sua defesa da ética e da honestidade, num
oceano de pragmatismos partidários, dossiês e caixas-dois, foi como um delicado
agitar de barbatanas sacudindo o imenso oceano. Entretanto, como dizia um
bem-humorado grafitti dos muros de Sampa, no final dos anos
70, celacanto provoca maremoto. Quem sabe se ainda não teremos algum tsunami de
ética agitando o lodo destes nossos mares?
Entre nós, bagres, sempre houve e haverá
celacantos, embora os baiacus sempre pareçam mais numerosos. Conheci um destes
celacantos bem de perto: Dodô Picanço. Com sua aparição na política antoninense,
no início dos anos 70, ele foi um fenômeno, como bem prova sua votação pra
vereador em 1972. Entre 1970 e 1976, sua presença dotou Antonina de inúmeras
conquistas, como a restaurações das igrejas históricas, inúmeras agitações,
como a Expoteira, e uma marcante atuação no legislativo municipal, numa época
em que não havia salário pra motivar nossos vereadores.
Eu era muito piá nesta época, mas lembro dos
comentários dele sobre as dificuldades de trazer recursos para a cidade naquela
época de início de vacas magras. Lembro, também, da quantidade de “aspones”
de deputados que apareciam em nossa casa com propostas indecorosas, e que ele
os enxotou a todos. Diziam que era mão-de-vaca. Nunca vi ninguém tão generoso.
Nunca fez muita questão de dinheiro. Era um político que mais gastou que ganhou
dinheiro na política. Bicho raro. Celacanto.
Em casa, vivemos sempre
modestamente, com seus recursos de funcionário público. Seu tempo e suas
energias, ele os gastava com sua Antonina, com os escoteiros, com os seus
bichos na chácara. Tirava, do dinheiro de sua aposentadoria, os recursos pra
financiar esta sua ultima e quixotesca campanha para a Prefeitura. Até o fim,
ele acreditava poder ajudar, poder fazer a diferença, poder fazer a cidade que
ele amava sair da lama.
As pessoas de bem tem nojo de política, ódio dos
políticos, e não as culpo. A maior parte deles merece nosso desdém. Só que, em
nossa sociedade, quem os coloca lá somos nós. Eles são nossa cara, portanto. A
política é a arte do possível, e nenhum político, sozinho, conseguirá nos levar
ao paraíso. Esse caminho é coletivo.
Não sei se estamos melhores ou piores nos
tempos que correm. Sei que precisamos de celacantos. Que eles existem, existem.
Precisam é sair das tocas, agitar esse lodo, mostrar pras pessoas que seriedade
e ética existem. Eu sei que eles existem, eu já vi um celacanto bem
de perto. Celacanto provoca maremoto.
(Este texto de 2008 é um texto que, aos meus olhos de hoje, é bastante ingênuo. Em tempos de Lava-jato, essas noções de decência e honestidade estão bem mais complicadas. Parace uma outra época e um outro mundo. O que fica é a lembrança de meu pai, que hoje faria 84 anos. Falei sobre isso outras vezes, aqui e aqui.)
Saudades, seu Dodô!
Celacantos, assim como seu Dodô, são uma espécie em via de extinção, se é que ainda existem.
ResponderExcluirEu ainda (por prudência) prefiro acreditar que eles ainda existem....
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