A cidade de Ribeira, antiga Capela da Ribeira, no tempo que os escoteiros passaram por lá; foto aérea obliqua tirada entre 1939-41 (aqui) |
Depois da grande festa do Natal, os escoteiros acabaram por
acordar tarde. Iam acordando uns aos outros, sonolentos, ainda com um pouco de
ressaca da festa. Lídio conta que tomou café com maisena e uns doces que haviam
sobrado da ceia. Irrequieto, foi passear.
Na cidade, o jovem escoteiro ficou abismado com os buracos
de balas de fuzil e metralhadora ainda visíveis na pequena igreja matriz de
Capela da Ribeira. Eram resquícios dos enfrentamentos entre tropas paulistas e paranaenses durante a Revolução Constitucionalista de 1932, ainda presentes nove anos depois. “Nem a casa de
Deus eles respeitaram”, anotou depois em seu diário.
Pouco depois, ele fez o caminho de volta e foi até o posto
fiscal de Paranaí, hoje conhecida como Adrianópolis. Lá, não encontrou os
fiscais com quem havia feito camaradagem no dia anterior. E voltou à Capela da
Ribeira.
Naquele tempo as duas cidades eram pequenas, e o surto
industrial e mineiro estava ainda começando. Restritas pelo vale do rio Ribeira
e pelos morros íngremes formados por rochas muito antigas, as duas cidades eram
uma só. As casas eram construídas ao longo do único caminho possível. Somente
onde o rio havia deixado algum terreno plano é que as duas cidades se
espraiavam, ainda que pouco.
Lídio conta que os habitantes nunca haviam visto um
escoteiro. E ainda mais aqueles, de uniformes e seguindo rumo a uma importante
missão. Todos ficaram impressionados. As mocinhas, ainda mais.
Lídio nos conta de Iolanda, filha do padeiro, por quem teve
seus sentimentos e que, por fim, deixou saudades. Manduca então reclamou que
Lídio tinha “imã” para as mulheres. Lídio então brincou e disse que era porque Manduca
tinha cabelo feio. Milton, mais lacônico, acompanhava a conversa rindo ora de um,
ora de outro.
Durante a tarde, os rapazes não fizeram nada. Ou melhor,
fizeram. Foram para o rio tomar banho e amenizar o calor. Diversos outros
rapazes e moças da cidade (mais moças que rapazes, segundo anotou Lídio) também
ficaram lá com eles na pequena praia de rio. O tempo passou e eles nem
sentiram.
Os rapazes se despediram de Capela da Ribeira, onde tiveram
acolhimento tão bom, e seguiram viagem. Saíram as oito da noite para uma
caminhada noturna subindo a serra de Apiaí.
Todos eles haviam participado já de caminhadas nestas
condições. A Patrulha Touro dos escoteiros de Antonina havia participado de
diversas corridas do facho e subidas pela Serra da Graciosa. Pela sua
experiência e resiliência é que foram os escolhidos para a missão.
Entretanto, a serra de Apiaí não era um desafio fácil. Pedregosa,
coma estrada precária, a progressão era lenta. Apesar de estar mais fresco, a
escuridão era total, e os meninos foram seguindo a trilha em fila indiana, com
o auxilio de lanternas. Depois de cerca de cinco horas de intensa caminhada
serra acima, encontraram um pequeno casebre abandonado na beira da estrada.
Exaustos, decidiram passar ali a noite.
Acordaram as cinco da manhã. A claridade fazia ver as rochas
esparsas no alto da serra, assim como a floresta cerrada. Um espesso nevoeiro
cobra os vales. Os rapazes ouviram um barulho de água ali por perto. Era um
regato que cruzava a serra e fazia um barulho da água passando por entre as
pedras. No entanto, o acesso até ele era difícil, pois o regato corria alojado
numa ravina bastante funda, de acesso difícil.
No entanto, obstinados em tomar um café, os rapazes se
aventuraram a descer a barroca para pegar água e trazer lenha para a fogueira.
Todos, menos Milton. Ele fora poupado, pois a caminhada noturna havia produzido
uma enorme assadura em suas virilhas.
As sete da manhã, depois do café, os rapazes voltaram à
trilha. O sol alto ia castigando-os todos. Lídio conta que as pernas estavam
todas arranhadas pelo capim corta-rapaz, e o sol fazia os arranhões queimar e
coçar.
Somente lá pelas onze horas da manhã que eles finalmente
chegaram à vila de Apiaí, novo trecho da jornada.
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