É fevereiro, mas pra mim já parece março, abril. Antigamente
já se dizia que no Brasil as coisas começavam só depois do carnaval. Não avisaram
a turma por aqui, onde parece que o ano já vai solto. Já estou dando aula,
fazendo projeto, orientando, o diabo. Tanto que meu carnaval, a festa de momo,
foi a pique, inexorável como o Titanic.
Estava com umas datas marcadas para ir ao Rio de Janeiro
nesta semana trabalhar uns dias e festar
outros. Já estava com lugar pra ficar e meus amigos me chamando pros blocos
deles lá em Laranjeiras. Mas fui dormir na Imperatriz Leopoldinense e acordei
no Berra Vaca, o bloco aqui de Barão Geraldo. Acontece.
O Berra Vaca, no entanto, não é um bloquinho reles. Reúne cerca de mil pessoas e tem o maior
numero de PhDs por metro quadrado do carnaval brasileiro. Quase todos ali têm currículo
Lattes em dia, o que garante a excelência acadêmica do bloco, mas que não
garante a qualidade do samba. O repertorio de marchinhas é bom, mas os
puxadores atravessam, o som falha, o carro de som atrasa – ou adianta.
Mas ainda assim, há uma certa melancolia em tudo isso, como
sempre. Vi ontem aqui nos bravos blogs Capelistas os siris do carnaval da
Deitada-a-beira-do-mar, e bateu uma grande nostalgia das ruas de paralelepípedos
cheias de gente, os bloquinhos escrachados, os tipos folclóricos, as grandes
epopéias cantadas pelos valentes bagrinhos na avenida do samba. As imagens passam pela mente como num grande filme.
Ali estão o carnaval que a Capela ganhou mais estatuetas que
a Caixa D´água e perdeu o carnaval; A caravela do Império da Caixa D´Água do incrível
Wilson Rio Apa; ali estão tipos como Guaxica, a insuperável baliza; o “Respeito-as-velhas-
e-como-as-novas”, o palhaço com o cachorrinho; as fantasias sempre muito
criativas de Camilo Staniscia; Meu querido Formiga vestido de enfermeira; Seu Nenê
Chaminé e o Bloco do Pinico; Relen Salu Berght no alto de um carro alegórico,
vestido de conde, cantando sua apoteose na avenida do samba dos bagrinhos; como
não se emocionar com tantas cenas que passam pela cabeça, sem ordem nem tempo,
como se tudo fosse apenas um grande sonho delirante...
Não é. O carnaval de Antonina é uma daquelas criações
coletivas que ultrapassam em muito os seus muitos criadores e resplandece como resplandecem
as grandes manifestações populares pelo mundo. Sem nenhum favor, é um dos
grandes carnavais do Brasil. Eu vi alguns carnavais por aí, posso dizer isso
sem nenhuma dose de chauvinismo (mentira, só um ”puquinho”, como se diz na
terra de Vale Porto!).
Venho por meio destas maltraçadas confessar uma falta: faz
muito tempo que não vou ao carnaval mais importante do mundo. Por um lado, tem
a ver com a distância. Por outro, tem a ver com a ausência de meu pai: pra mim,
o carnaval era ele. Desde que ele se foi, não tenho tido mais coragem de passar
meu carnaval na avenida do samba. Sei muito bem que ali na esquina do Teatro ele
não mais estará. Ainda não sei encarar
seu vazio.
“É problema seu”, dirá um de meus 15 leitores. O carnaval
continua, a vida continua, assim como continuam em nossas mentes as lembranças
dos antigos carnavais. Cabe a nós, a cada um de nós, seguir em frente vestindo
sua fantasia e alegremente carregar a vida e seus mortos para a frente. O reinado de Momo vem aí, é preciso abrir as
portas da cidade para a folia e dançar, pular e cantar como se nada mais
tivesse sentido. Assim é.
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