Os jornais do dia seguinte deram destaque ao encontro do ditador Getúlio Vargas com os escoteiros |
(Estamos no mês de fevereiro de 1942. Enquanto o mundo está em
Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de
Antonina (PR), entre 15 e 18 anos, percorreram 1250 quilômetros numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro
para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 11 de fevereiro de 1942, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) finalmente vão a Petropolis, para entregar sua mensagem a Getúlio Vargas.)
O grande dia havia chegado.
No quartel, todos estavam
agitados, com os últimos preparativos para a viagem a Petrópolis, para ver o
Presidente Vargas. “O reboliço era demais”, anota Lydio Cabreira em seu diário.
Desde as 6 da manhã havia um intenso corre-corre de rapazes arrumando os uniformes,
escovando os dentes, penteando os cabelos, colocando os lenços, os chapéus, os
cintos, e toda a farda escoteira da época.
Os escoteiros seguiram em carros
de choque da policia do exercito para Petrópolis, onde veraneava Getúlio
Vargas. Só um escoteiro não foi. O chefe Beto, logo o chefe Beto, tivera que ir
ao banheiro e havia perdido o transporte. Segundo Lydio, ele e seus colegas em
vão apelaram aos chefes escoteiros para que esperassem por ele. Mas não. As
7:00 foi dada a ordem de largada. Os caminhões se foram e o chefe Beto ficou.
Lydio nos conta o trajeto:
seguiram pela Quinta da Boa Vista, São Januário, Bonsucesso, Ramos, Penha,
Vigário Geral. Quando os caminhões pegaram a Rio-Petrópolis, Lydio se encanta:
aquela era “a rodovia mais bonita que eu já havia visto”. Não era para menos.
Reconstruída a partir da antiga estrada imperial, a estrada foi remodelada por
Washington Luiz, que a reinaugurara em 1928. Durante muito tempo, foi
considerada a melhor estrada da América do Sul.
Lydio nos conta que a rodovia
era asfaltada e, em alguns locais, cimentada. Nas laterais da estrada as
amuradas eram presas por cabos de aço, para evitar acidentes. Havia muitas
pontes. As pontes em formas de arcos encantam Lydio: “eram verdadeiras
maravilhas da engenharia brasileira”, comenta.
A estrada era muito sinuosa,
correndo por entre as matas de intenso verde. Os rapazes se encantam com sua
beleza. A estrada, em alguns trechos era cavada na rocha. Para Lydio, estes
trechos apresentavam “o aspecto de uma paisagem europeia”. O clima ia ficando
mais frio na medida em que subiam. As matas verdejantes colaboravam para que o
clima tropical fosse amainado e seu ar fosse de uma pureza total, conforme
anotou Lydio.
A comitiva chegou em Petrópolis
por volta das dez e meia. Os veículos seguiram para o quartel do 1° Batalhão de
Caçadores, uma das tropas de elite do Brasil na época. Logo a seguir, os
rapazes assistiram no pátio interno do quartel a uma parada militar de toda a
corporação para homenagear o General Heitor Augusto Borges e sua comitiva. O
general, que já era conhecido dos rapazes de Antonina, era uma das figuras mais
importantes neste momento, e também era chefe da União dos Escoteiros. Era ele
que estava por trás daquela solenidade.
Depois da parada, os escoteiros
fizeram o rancho nos refeitórios do quartel, e logo a seguir foram ao Palácio
Rio Negro, onde ia ter início a solenidade daquele dia. O palácio era um belo
prédio art nouveau construído pelo Barão do Rio Negro nos últimos anos da
monarquia.
Na Republica, o imóvel foi adquirido pelo estado, transformando-se
no palácio de verão dos presidentes brasileiros. De todos eles, quem mais fez
uso do palácio sem dúvida foi Getúlio Vargas. Não houve um verão em seu governo
que ele lá não estivesse.
Enquanto isso, nos jardins
do Palácio, os escoteiros, enfileirados, estavam impacientes. já
estavam por lá aguardando havia meia hora quando o presidente finalmente
apontou numa esquina. Getúlio Vargas, todo de branco, vinha a pé, depois do
passeio que costumeiramente fazia após o almoço.
Um grande alvoroço tomou conta da
tropa.
Getúlio Vargas veio para a
solenidade vestido com um terno de linho branco, palheta, gravata borboleta e
do seu inseparável charuto havana. Parece quase uma caricatura dele mesmo. Era
um clichê, paletó de linho branco e tudo, que vinha ali descendo a
alameda do Palácio Rio Negro, acompanhado de dois majores aviadores, Cantalice
e Rolim. O comandante Rolim havia vindo junto com a caravana dos escoteiros.
A imagem do presidente descendo
sorridente a alameda deve ter realmente magnetizado os cento e cinquenta
rapazes ali presentes. Lydio nos conta que “aos poucos ele veio se aproximando
com seu sorriso de cativar”, sorrindo a acenando para os presentes. Ali estavam
setenta escoteiros de Santa Maria, no Rio Grande do sul, que compunham a
“Caravana Henrique Dodsworth”, que homenageava o intendente do Distrito Federal
durante o Estado Novo.
Havia também a tropa mais numerosa, cerca de
oitenta escoteiros paulistas, a maioria proveniente de Piracicaba e Campinas. E
a pequena Patrulha Touro, representando a Tropa Vale Porto de Antonina, Paraná.
Estavam ainda presentes um
repórter oficial e um fotógrafo do famigerado DIP (Departamento de Imprensa e
Propaganda do Estado Novo), vários jornalistas credenciados e “uma porção de
crianças e mocinhas”, segundo o testemunho de Lydio.
Segundo a edição do dia
seguinte de A Noite, o presidente havia sido surpreendido pela caravana
escoteira durante a sua caminhada. Mas, como vinha até ali acompanhado do major
Rolim, um dos integrantes da Caravana, isso parece pouco provável.
O General Heitor Borges, que era
o presidente da UEB e idealizador do evento e da Caravana, chamada “Caravana
Presidente Vargas”, fez as saudações. Segundo a reportagem do jornal A Noite, o
general saudou o presidente num breve discurso e, em nome da Caravana, disse
que os escoteiros estavam ali para expressar seu reconhecimento “pelas atenções
que tem recebido”. A seguir, começaram as entregas das mensagens.
Os escoteiros gaúchos fizeram a
entrega de um livro de madeira com gravuras em relevo. Os escoteiros paulistas
entregaram, por intermédio de um lobinho, um enorme gomo de bambu envernizado
também todo entalhado e com a mensagem em alto relevo. Foi então que chegou a
vez dos escoteiros antoninenses.
Milton Horibe deu um passo à frente e tendo a
mão um pergaminho disse: “A mocidade de meu estado lhe envia, por nosso
intermédio, suas saudações e seus cumprimentos”. Ao que Getúlio lhe respondeu:
“essa vossa ação revela coragem, antes de tudo. Isso dá uma demonstração do
caráter nobre e da fibra moral do escoteiro”.
Não se sabe o quanto estas frases
e gestos foram pensados e ensaiados, como que escrevendo frases para ficar na
história. Estas, com algumas pequenas modificações, são as frases do diário de
Lydio e o dos jornais que noticiaram os fatos, como A Noite ou o Diário de
Notícias. Mas o que transparece no diário de Lydio é a profunda emoção daquele
encontro. Conta-nos ele que, depois desta troca de frases grandiloquentes,
Getúlio aproximou-se e “abraçou-nos demoradamente”.
O Diário De Noticias relata ainda
que o general Heitor Borges depois disso dirigiu-se ao presidente num também
breve discurso, colocando-o a par das atividades a serem desenvolvidas pela UEB
naquele ano, o que teve boa recepção por parte de Getúlio. Este, depois da
pequena cerimonia, despediu-se e todos e, com seu havana nas mãos, foi para a
sacada do palácio Rio Negro, de onde assistiu o desfile dos escoteiros ao som
da Banda do 1º Batalhão de Caçadores.
Lydio relata que os “outros
documentos” que haviam trazido, foram depois entregues ao ajudante de ordens do
presidente.
A missão estava cumprida. Agora,
restava a volta.
A aparição do Getúlio, em Petrópolis, para encontrar os escoteiros, deve ter sido bem caricata. Abraço!
ResponderExcluirmas para os meninos deve ter sido emocionante....
ExcluirPobre o chefe Beto. Que absurdo!
ResponderExcluirAbsurdo total...Se fosse o chefe de um grupo maior que estava ali, como o paulista ou o gaucho, isso não teria acontecido!
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