quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

A MARCHA DOS ESCOTEIROS 69: FINALMENTE, O ENCONTRO COM GETULIO!


Os jornais do dia seguinte deram destaque ao encontro do ditador Getúlio Vargas com os escoteiros
(Estamos no mês de fevereiro de 1942. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina (PR), entre 15 e 18 anos, percorreram 1250 quilômetros numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 11 de fevereiro de 1942, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) finalmente vão a Petropolis, para entregar sua mensagem a Getúlio Vargas.)

O grande dia havia chegado.


No quartel, todos estavam agitados, com os últimos preparativos para a viagem a Petrópolis, para ver o Presidente Vargas. “O reboliço era demais”, anota Lydio Cabreira em seu diário. Desde as 6 da manhã havia um intenso corre-corre de rapazes arrumando os uniformes, escovando os dentes, penteando os cabelos, colocando os lenços, os chapéus, os cintos, e toda a farda escoteira da época. 


Os escoteiros seguiram em carros de choque da policia do exercito para Petrópolis, onde veraneava Getúlio Vargas. Só um escoteiro não foi. O chefe Beto, logo o chefe Beto, tivera que ir ao banheiro e havia perdido o transporte. Segundo Lydio, ele e seus colegas em vão apelaram aos chefes escoteiros para que esperassem por ele. Mas não. As 7:00 foi dada a ordem de largada. Os caminhões se foram e o chefe Beto ficou. 


Lydio nos conta o trajeto: seguiram pela Quinta da Boa Vista, São Januário, Bonsucesso, Ramos, Penha, Vigário Geral. Quando os caminhões pegaram a Rio-Petrópolis, Lydio se encanta: aquela era “a rodovia mais bonita que eu já havia visto”. Não era para menos. Reconstruída a partir da antiga estrada imperial, a estrada foi remodelada por Washington Luiz, que a reinaugurara em 1928. Durante muito tempo, foi considerada a melhor estrada da América do Sul. 

Lydio nos conta que a rodovia era asfaltada e, em alguns locais, cimentada. Nas laterais da estrada as amuradas eram presas por cabos de aço, para evitar acidentes. Havia muitas pontes. As pontes em formas de arcos encantam Lydio: “eram verdadeiras maravilhas da engenharia brasileira”, comenta.  


A estrada era muito sinuosa, correndo por entre as matas de intenso verde. Os rapazes se encantam com sua beleza. A estrada, em alguns trechos era cavada na rocha. Para Lydio, estes trechos apresentavam “o aspecto de uma paisagem europeia”. O clima ia ficando mais frio na medida em que subiam. As matas verdejantes colaboravam para que o clima tropical fosse amainado e seu ar fosse de uma pureza total, conforme anotou Lydio.


A comitiva chegou em Petrópolis por volta das dez e meia. Os veículos seguiram para o quartel do 1° Batalhão de Caçadores, uma das tropas de elite do Brasil na época. Logo a seguir, os rapazes assistiram no pátio interno do quartel a uma parada militar de toda a corporação para homenagear o General Heitor Augusto Borges e sua comitiva. O general, que já era conhecido dos rapazes de Antonina, era uma das figuras mais importantes neste momento, e também era chefe da União dos Escoteiros. Era ele que estava por trás daquela solenidade.  


Depois da parada, os escoteiros fizeram o rancho nos refeitórios do quartel, e logo a seguir foram ao Palácio Rio Negro, onde ia ter início a solenidade daquele dia. O palácio era um belo prédio art nouveau construído pelo Barão do Rio Negro nos últimos anos da monarquia. 

Na Republica, o imóvel foi adquirido pelo estado, transformando-se no palácio de verão dos presidentes brasileiros. De todos eles, quem mais fez uso do palácio sem dúvida foi Getúlio Vargas. Não houve um verão em seu governo que ele lá não estivesse. 


Enquanto isso, nos jardins do Palácio, os escoteiros, enfileirados, estavam impacientes. já estavam por lá aguardando havia meia hora quando o presidente finalmente apontou numa esquina. Getúlio Vargas, todo de branco, vinha a pé, depois do passeio que costumeiramente fazia após o almoço.

Um grande alvoroço tomou conta da tropa. 



Getúlio Vargas veio para a solenidade vestido com um terno de linho branco, palheta, gravata borboleta e do seu inseparável charuto havana. Parece quase uma caricatura dele mesmo. Era um  clichê, paletó de linho branco e tudo, que vinha ali descendo a alameda do Palácio Rio Negro, acompanhado de dois majores aviadores, Cantalice e Rolim. O comandante Rolim havia vindo junto com a caravana dos escoteiros.


A imagem do presidente descendo sorridente a alameda deve ter realmente magnetizado os cento e cinquenta rapazes ali presentes. Lydio nos conta que “aos poucos ele veio se aproximando com seu sorriso de cativar”, sorrindo a acenando para os presentes. Ali estavam setenta escoteiros de Santa Maria, no Rio Grande do sul, que compunham a “Caravana Henrique Dodsworth”, que homenageava o intendente do Distrito Federal durante o Estado Novo. 

 Havia também a tropa mais numerosa, cerca de oitenta escoteiros paulistas, a maioria proveniente de Piracicaba e Campinas. E a pequena Patrulha Touro, representando a Tropa Vale Porto de Antonina, Paraná. 


Estavam ainda presentes um repórter oficial e um fotógrafo do famigerado DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda do Estado Novo), vários jornalistas credenciados e “uma porção de crianças e mocinhas”, segundo o testemunho de Lydio. 

Segundo a edição do dia seguinte de A Noite, o presidente havia sido surpreendido pela caravana escoteira durante a sua caminhada. Mas, como vinha até ali acompanhado do major Rolim, um dos integrantes da Caravana, isso parece pouco provável. 


O General Heitor Borges, que era o presidente da UEB e idealizador do evento e da Caravana, chamada “Caravana Presidente Vargas”, fez as saudações. Segundo a reportagem do jornal A Noite, o general saudou o presidente num breve discurso e, em nome da Caravana, disse que os escoteiros estavam ali para expressar seu reconhecimento “pelas atenções que tem recebido”. A seguir, começaram as entregas das mensagens. 


Os escoteiros gaúchos fizeram a entrega de um livro de madeira com gravuras em relevo. Os escoteiros paulistas entregaram, por intermédio de um lobinho, um enorme gomo de bambu envernizado também todo entalhado e com a mensagem em alto relevo. Foi então que chegou a vez dos escoteiros antoninenses. 

Milton Horibe deu um passo à frente e tendo a mão um pergaminho disse: “A mocidade de meu estado lhe envia, por nosso intermédio, suas saudações e seus cumprimentos”. Ao que Getúlio lhe respondeu: “essa vossa ação revela coragem, antes de tudo. Isso dá uma demonstração do caráter nobre e da fibra moral do escoteiro”. 


Não se sabe o quanto estas frases e gestos foram pensados e ensaiados, como que escrevendo frases para ficar na história. Estas, com algumas pequenas modificações, são as frases do diário de Lydio e o dos jornais que noticiaram os fatos, como A Noite ou o Diário de Notícias. Mas o que transparece no diário de Lydio é a profunda emoção daquele encontro. Conta-nos ele que, depois desta troca de frases grandiloquentes, Getúlio aproximou-se e “abraçou-nos demoradamente”. 


O Diário De Noticias relata ainda que o general Heitor Borges depois disso dirigiu-se ao presidente num também breve discurso, colocando-o a par das atividades a serem desenvolvidas pela UEB naquele ano, o que teve boa recepção por parte de Getúlio. Este, depois da pequena cerimonia, despediu-se e todos e, com seu havana nas mãos, foi para a sacada do palácio Rio Negro, de onde assistiu o desfile dos escoteiros ao som da Banda do 1º Batalhão de Caçadores. 


Lydio relata que os “outros documentos” que haviam trazido, foram depois entregues ao ajudante de ordens do presidente. 


A missão estava cumprida. Agora, restava a volta. 

4 comentários:

  1. A aparição do Getúlio, em Petrópolis, para encontrar os escoteiros, deve ter sido bem caricata. Abraço!

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  2. Respostas
    1. Absurdo total...Se fosse o chefe de um grupo maior que estava ali, como o paulista ou o gaucho, isso não teria acontecido!

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