sábado, 15 de fevereiro de 2020

A MARCHA DOS ESCOTEIROS 65: ORGIA E NADA MAIS


o cineasta norte-americano Orson Welles, filmando o Carnaval de 1942 no Rio de janeiro; os cinco rapazes antoninenses estavam por ali, vendo se o seu trabalho estava sendo bem feito. 
(Estamos no mês de fevereiro de 1942. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina (PR), entre 15 e 18 anos, percorreram 1250 quilômetros numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 15 de fevereiro de 1942, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) caem na folia do primeiro dia de carnaval do Rio.)

A rapaziada estava em alerta. Mas desta vez não era o Sempre Alerta do Escotismo. No dia anterior, ao ir ao cais receber a tropa de escoteiros que chegava do Rio Grande do Sul via marítima, os quatro escoteiros antoninenses perceberam que a Capital estava diferente. 

Ao andar pela cidade de bonde e de trem – tinham feito um passeio ao Jardim Botânico - os rapazes iam sentido que a cidade era tomada de um ritmo diferente, produzido pelos tambores, tamborins, cuícas, ganzás, recos-recos e pandeiros, como anota o escoteiro Lydio Cabreira em seu diário: “escutamos muitas batucadas pelos morros e ruas”. 

O carnaval estava chegando. 

Neste domingo, 15 de feverreiro de 1942, nada podia mais deter os rapazes. Emprestaram alguns trajes civis dos colegas cariocas, pois no carnaval era proibido usar farda, mesmo que fosse a farda escoteira. O clima de festa vai contaminando a todos.  Lydio nos diz que desde o início do dia a “batucada tinha dominado a cidade”. Os rapazes Beto, Milton, Lydio, Manduca e Canário iam se maravilhando com a grandeza da festa.

As pessoas vão chegando de bonde, de trem, a pé, todos fantasiados. Lydio notou que a fantasia tinha um sentido: a nudez. “seminus, aquele povo não queria saber de nada. Só uma coisa passava pela sua mente: orgia e nada mais”, escreveu em seu diário. Ao longo da avenida as bandas iam passando, tocando sucessos deste e de outros carnavais. Lydio não se contém e vai atrás de um cordão.

O destino de todos os cordões era a Praça Onze, onde Lydio viu, encantado, Orson Wells e sua equipe filmando a folia. O cineasta americano estava no Brasil filmando o seu documentário “It´s All True”, que nunca foi acabado. Embevecido vendo a filmagem, Lydio enfim percebeu que havia se perdido de seus companheiros. Mas tudo era alegria, diz ele, e seguiu pulando no meio da multidão. A música não parava nunca.

Uma das músicas mais cantadas deste carnaval era uma marchinha do ano anterior, “Praça Onze”, de Erivelto Martins e Grande Otelo, que lamentava justamente o fim da praça, que estava sendo engolida pelas obras de urbanização da cidade. 

Local central e cosmopolita, a praça abrigava os imigrantes recém-chegados e a boemia da cidade e era o principal ponto de circulação dos blocos do carnaval de rua. Os foliões continuavam chorando o fim da praça na própria Praça Onze, onde as obras só iriam ser finalizadas em 1944, dando lugar à Avenida Presidente Vargas. 

Em meio aos escombros da praça os foliões cantavam “Guardai os vossos pandeiros, guardai!”, meio como protesto, meio como lamentação.

Lydio passou o dia todo por ali, na fuzarca, como ele dizia. Acabou almoçando e jantando alguns pastéis. “Bastou”, segundo ele, cuja fome não era de comida, e sim de festa. Continuou pulando e só mais tarde, já noite, foi que reencontrou seus companheiros Canário e Manduca. os rapazes continuaram perambulando pela Praça Onze, e só muito mais tarde é que decidiram voltar ao Colégio Militar, onde estavam alojados. Eram onze da noite.

Tiveram que pular o muro, pois o guarda não os deixou entrar. No entanto, apesar de todos os cuidados para não serem descobertos, os escoteiros paulistas de guarda no alojamento descobriram a chegada dos foliões. 

Pegaram um castigo: no dia seguinte, tiveram que arrumar todas as camas, varrer os alojamentos e limpar o banheiro. “Tudo bem, falar o que?”, pensou Lydio, e anotou mais essa em seu diário.

O carnaval só estava começando....

2 comentários:

  1. Respostas
    1. Sim, Edson! Ele comenta que viu Orson Welles e sua equipe gravando cenas do carnaval na praça onze; It's all true!!

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