segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

A MARCHA DOS ESCOTEIROS 67: A VIDA NO SAMBA


Foliões da avenida Rio Branco em 1942

(Estamos no mês de fevereiro de 1942. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina (PR), entre 15 e 18 anos, percorreram 1250 quilômetros numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 17 de fevereiro de 1942, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão curtindo adoidados a ultima noite do carnaval do Rio.)

Finalmente o último dia do Carnaval de 1942 havia chegado. Aí, sim, não teve o que segurasse os rapazes dentro das rígidas normas do Colégio Militar. Quem seguraria os rapazes ali alojados com o maior carnaval do Brasil rugindo ali na frente e fazendo tremer as casas?


Segundo o diário de Lydio, eles saíram bem cedo e voltaram bem tarde. Neste último dia, o ponto preferido dos rapazes foi a Avenida Rio Branco. Foi uma mudança que foi se operando devagar no carnaval do Rio de Janeiro, com os desfiles paulatinamente migrando da praça Onze, em obras para o surgimento da nova Avenida Getúlio Vargas, para a Avenida Rio Branco. 


A Avenida Rio Branco era o pedaço da maior animação e, segundo Lydio, era também o ponto das maiores brigas. A todo o momento os blocos de sujo saiam praticando o que Lydio chamou de “malvadezas”, assim mesmo, entre aspas, com as folionas que “desse bola”. Eram os onipresentes engraçadinhos que mexiam com a mulher dos outros. 

O resultado eram tumultos. Por vezes, segundo o relato, surgiam as “peixeiras” e alguém se feria com gravidade. Se hoje em dia isso ainda é comum, é de se imaginar que as brigas e a violência no carnaval fossem muito mais letais que hoje. 


Os bares e cafés das imediações da Avenida Rio Branco neste último dia de carnaval estavam lotados, e não venciam a demanda da freguesia. A região estava cheia de gente. Lá pelas 15 horas uma equipe da Rádio Nacional colocou altos falantes ao longo da avenida e logo se formou um monumental baile ao ar livre. Todos pulavam e cantavam as músicas deste e de outros carnavais. Lydio anotou “A Jardineira”, “Praça Onze” e “Mamãe Eu Quero”. 


Na verdade este foi um carnaval muito rico de novas canções. É o ano em que surgem alguns grandes “hits” do carnaval, como “A Mulher Do Leiteiro”, “Nós, Os Carecas” e principalmente “Está Chegando A Hora”. É um samba de Henricão e Rubens Campos, uma adaptação da valsa “Cielito Lindo”, de A. Sedas e F. Tudela, cantado por Carmem Costa. 

Carmem era empregada doméstica na casa de Francisco Alves, e lançou neste ano o samba que e que consagrou como uma das grandes cantoras brasileiras e está até hoje na cabeça do povo. 


Luzes coloridas foram acesas quando chegou a noite. O espetáculo prosseguiu com desfiles de carros alegóricos. Os desfiles não eram como os desfiles de hoje. Eram desfiles de sociedades e clubes, em carros alegóricos com temas carnavalescos. Enquanto isso, na Praça onze, havia o desfile das escolas de Samba. 

Naquele ano, numa disputa apertadíssima, a grande campeã foi a Portela, com o enredo “Vida no samba”. Em segundo lugar ficou a “Depois eu Digo”, com o samba “Uma noite feliz” e, mais atrás na pontuação, a eterna Estação Primeira de Mangueira, com o samba “A Vitória do Samba nas Américas”. 


Na avenida Rio Branco, vendo os desfiles das sociedades, Lydio nos conta que eles traziam belas garotas de maiô, com belas pernas de fora e rebolando sem parar. “Aquilo deixava os marmanjões com água na boca”, diz ele, também boquiaberto. 

Mas Lydio não estava só de água na boca. Eis que, lá numa linha, ele nos diz que estava assistindo o desfile “agarrado à Lurdinha”, e não queria mais nada da vida. Com certeza queria. Não sabemos mais nada de Lurdinha, mas com certeza todos sabemos como são os amores de carnaval e ainda mais para jovens adolescentes. Que bela e inesquecível noite deve ter sido!


Mas o carnaval de 1942 ia acabando. Eram quase onze da noite. Encerrando o desfile vieram as grandes sociedades: clubes sociedade dos tenentes, sociedade fenianos, pierrôs da caverna e outros de que Lydio não conseguia lembrar. Quando regressaram ao alojamento, os rapazes ainda escutavam os cantos de nostalgia: “É hoje só só só../Vai se acabar já já já!”...


E assim os rapazes se despedem também do carnaval carioca. Lydio ainda nos diz que espera um dia voltar a vê-lo novamente. Mas, antes disso, muito antes disso, eles tinham uma missão a cumprir: entregar a carta para o presidente.


Será que conseguiriam?

2 comentários: