sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

A MARCHA DOS ESCOTEIROS 50: O ALBERGUE DA BOA VONTADE


As modernas instalações do Albergue da Boa Vontade, onde os rapazes ficaram alojados logo na chegada ao Rio de Janeiro
(Estamos no mês de janeiro de 1942. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina (PR), entre 15 e 18 anos, percorreram 1250 quilômetros numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 31 de janeiro de 1942, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) foram alojados no Albergue da Boa Vontade, Zona Portuária do Rio.)

Lydio estava furioso. Será que toda a aventura deles todos havia valido a pena?
Afinal, depois de serem recebidos pelos chefes da UEB, os rapazes foram confinados no Albergue da Boa Vontade, situado na Praça da Harmonia, na Gamboa, Zona Portuária do Rio. Seria uma situação provisória, enquanto não abriam vagas para os cinco escoteiros de Antonina no Alojamento do Colégio Militar, localizado em São Cristóvão. 

Entretanto, a vida no Albergue era muito dura. Mantida pela prefeitura do Rio, o Albergue da Boa Vontade era o principal destino das pessoas que chegavam ao Rio em busca de trabalho. A maioria, segundo Lydio observou, era de nordestinos. Alguns ficavam ali somente alguns dias até conseguir serviço na cidade. Outros, saiam de lá para São Paulo, também com muitas vagas disponíveis para o trabalho braçal. Havia também os que recebiam auxílio do governo a retornavam as suas origens. Outros ainda, segundo Lydio, acabavam indo para as favelas e se marginalizando. 

Lydio conta que protestou contra o sistema higienista e autoritário do Albergue. Mas afinal das contas, teve que render-se. Não havia por enquanto outro jeito de fazer, até que eles pudessem ir para o alojamento do Colégio Militar. 

Logo ao chegar, no dia anterior Milton, Manduca, Canário, Lydio e Chefe Beto guardaram as bagagens e foram fichados. Lydio conta ter recebido o número de identificação 23.362 e estava destinado ao leito 196. Após serem fichados, eles recebiam um saco de lona numerado para guardar as roupas. Os objetos de valor eram entregues na entrada, para serem guardados na tesouraria. 

Foi feito um exame médico nos rapazes, que era obrigatório para admissão. Neste exame, foi diagnosticada a ocorrência de Sarna em chefe Beto, que ficou isolado e incomunicável com os outros rapazes por cinco dias. Eram as novas técnicas de higiene se fazendo sentir nos moldes autoritários do Estado Novo. 

Depois, os rapazes foram instruídos a subir uma escada e ficar completamente despido para o banho frio, num chuveiro coletivo. Depois do banho, eles tinham que vestir um pijama branco e ir pegar algo pra comer. Em geral era uma xícara de chá mate e um pão. Depois disso era a hora do silencio, as 22 horas. 

De manhã, um empregado de uniforme branco chegou batendo palmas e acordando todo mundo. Todos tinham que acordar, arrumar a cama e encostá-la na parede. Outro funcionário, que Lydio descreveu como “quatro-olhos, alto, magro e antipático”, ia recolhendo em sacolas as roupas usadas durante a noite.
Em fila, todos foram receber uma caneca de alumínio com café preto e uma metade de pão seco. O silencio era constrangedor, segundo o relato. Parecia um velório.
Após o café, encarregados da limpeza deram a eles baldes e vassouras para lavarem o refeitório. Neste momento, Lydio protestou, dizendo que estavam ali com hóspedes e não como serventes. A sua gritaria surtiu efeito, e nem ele nem seus colegas foram molestados pelos funcionários do Albergue. 

Depois, os rapazes tentaram sair do edifício, mas um segurança barrou. Presos ali, eles se conformaram por ora e esperaram o almoço. Fizeram até amizade com um rapaz chamado Hamilton, que havia vindo de um sanatório em Campos do Jordão. Ele procurou acalmar os rapazes e explicar “tintim por tintim” o funcionamento do Albergue. 

As 11 horas, foi servido o almoço. Segundo Lydio, era um caldo ralo e gorduroso, com uns pedaços de macarrão, mais um pedaço de pão e duas bananas caturras. Era, segundo ele, uma gororoba intragável. 

No fim da tarde, no Albergue da Boa Vontade, ia começar de novo o processo de banho frio, café e toque de recolher. 

Ficava no ar a pergunta: tinha valido a pena todo o sacrifício que eles tinham feito até ali?

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