domingo, 19 de janeiro de 2020

A MARCHA DOS ESCOTEIROS 38: SEM PARAR EM APARECIDA

Em 1939, três anos antes dos escoteiros passaram por ali, os moradores de Guaratinguetá se veem as voltas com uma enchente
(Estamos no mês de janeiro de 1942. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina (PR), entre 15 e 18 anos, estão numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 19 de janeiro de 1942, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão no Vale do Paraiba,  chegando em Guaratinguetá.)
Os cinco rapazes de Antonina acordaram cedo em Pindamonhangaba e retomaram a marcha. Caminhavam agora tenho o rio Paraíba do lado esquerdo e, ao longe, os grandes picos azulados da Serra da Mantiqueira.  Ali as altitudes alcançavam cerca de 2900 metros na Serra do Passa Quatro. Mais ao longe, na divisa com o Rio, estava o pico de Itatiaia, com 2.900 m de altitude. 

Caminhar na planície, apesar da facilidade, tem também seus incômodos. As retas, intermináveis, davam a impressão de que os caminhos nunca acabavam. Uma reta de 4 quilômetros era sucedida por uma outra reta de cinco quilômetros. Isso incomodava e minava o ânimo dos nossos jovens andarilhos. 

As nove da manhã eles cruzaram o rio Capituva e ao meio dia o rio Piratininga. A uma da tarde chegaram finalmente na cidade de Roseira. Ali, cansados, Chefe Beto, Milton, Lydio Manduca e Canário pararam para almoçar. Lydio estava tão cansado que não anotou nada em seu diário. “Só sei que matamos a fome”, disse ele. No entanto, os rapazes estavam mais animados. Desde São Paulo até ali já tinham percorrido 195 quilômetros, ainda mais nesta época de verão. Eles calculavam que era um litro de água por quilometro para cada um, o que dá uma medida do calor e do cansaço. 

As cinco da tarde eles cruzaram Aparecida do Norte. Não pararam. Devem ter visto ao longe a colina cheia de casas, encimada pela bela Igreja meio barroca meio neoclássica que era a basílica antiga. Aparecida nada tinha dos grandes estacionamentos e da sua grande basílica, grande e feia, que fica convenientemente as margens da Dutra. Era outra a pegada. 

Lydio começa a conjeturar sobre a lenda da santa negra encontrada nas redes dos pescadores. A imagem teria sido jogada no rio por algum senhor de engenho, insatisfeito com a devoção dos escravizados? Lydio imagina o senhor cruel, tomando a imagem da mão do escravizado e atirando-a no rio, para ser devoção dos peixes. 

Maldito senhor de engenho. “Hoje, ela é a querida santinha, padroeira do Brasil”, confirma Lydio, vingando-se mentalmente do cruel déspota do passado. Os rapazes visitaram a pequena capela que foi erigida no lugar onde a santa foi encontrada, onde devem ter rezado. Logo depois, tomando o caminho do trilho do bonde, os rapazes foram para Guaratinguetá, onde iriam pousar aquele dia.
Chegaram em Guaratinguetá as seis e meia da tarde. Lá, encontram uma repórter, da revista “Noite Ilustrada”, do Rio de Janeiro. Chefe Beto, alegando cansaço, não quis dar entrevista a moça. Lydio pondera, maldosamente, se era mesmo cansaço ou medo da moça, que deveria ser bonita e inteligente...

Na cidade, eles acabaram pousando na delegacia de polícia mais uma vez. Os rapazes reclamaram, pois Chefe Beto recusou uma pensão, onde poderiam ficar mais bem acomodados, por uma cela de cadeia. Mas foi isso. Manda o Chefe. 

Depois de jantarem, foram dar uma voltinha pela cidade. Encontraram muita gente disposta a conversar com os escoteiros. Um grupo e rapazes e moças - “moças lindíssimas, rapazes educados” - segundo anotou Lydio.  Ele aprendeu que Guará é a cidade natal de Rodrigues Alves, um dos presidentes do primeiro período republicano. Além disso, produz muito leite e possui um belo comércio, uma estação de rádio e diversas indústrias. Quem diria?

De noite, na cadeia que Chefe Beto havia pedido pouso, quem dormia? Eles ficaram numa cela entre uma louca e um preso furioso. Era só gritaria, gargalhadas, assovios, pontapés, socos nas grades. Inferno. Inferno em estado primal. O carcereiro, para acalmar as coisas, jogava baldes de água fria nos dois. A gritaria, em vez de diminuir, só aumentava. Como descansar adequadamente para seguir viagem no dia seguinte?

2 comentários:

  1. Credo, que noite aterrorizante! Nas duas postagens anteriores a essa, eu fiz comentários que não foram, espero que este chegue até você. Abraço!

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    1. Estou viajando, pode demorar, mas sai! Obrigado pelo carinho dos teus comentarios

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