quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

A MARCHA DOS ESCOTEIROS 34: "SE NÃO AGUENTAVAM, POR QUÊ VIERAM?"


O rio Paraíba do Sul em Guararema. Por uma imprudência dos rapazes, a aventura quase acaba aqui...

(Estamos no mês de janeiro de 1942. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina (PR), entre 15 e 18 anos, estão numa marcha a pé rumo ao Rio de Janeiro para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 15 de janeiro de 1942, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) estão saindo de São Paulo passando por Guararema e indo para Jacareí.)



Depois de fugirem do estábulo das vacas, cinco escoteiros de Antonina prepararam um café pra se alimentar antes de seguir a viagem. Neste café matinal, Manduca acrescentou borra de milho ao café, garantindo o reforço do café com leite. 

As 10 e meia da manhã, Chefe Beto, Milton Lydio, Canário e Manduca chegaram a uma chácara chamada “3 Hilhas”. Estava escrito assim na placa, anota Lydio. Ali, eles foram recebidos por uma simpática família alemã, que preparou um banquete para eles. A boia contou de arroz, ovos fritos, batatinha frita e bastante verdura. 

Enquanto Chefe Beto ficou conversando com a dona da casa, os outros quatro resolveram ir nadar no rio Paraíba, que passava nos fundos da Chácara. O calor era realmente infernal. Lydio passou um tremendo sufoco. Ao nadar num local com maior correnteza, ele se viu arrastado para longe da margem, e se desesperou. 

Antevendo que iria se afogar, chamou pelos companheiros. A correnteza estava levando Lydio para o meio do rio, e ele viu Canário e Manduca chorarem desesperados a beira do rio, gritando por socorro. Felizmente, um pescador que passava ali na hora tinha uma corda, e Milton atirou ela no rio de modo que Lydio pudesse agarrá-la. Resgatado Lydio, os quatro ficaram parados na beira do rio, em choque, até conseguirem voltar a para a casa. 

Na saída da chácara, os rapazes ainda ganharam muitas frutas, que estufaram seus bornais para a próxima etapa da viagem: bananas, peras, maçãs, pêssegos e mangas. 

Mas o calor era forte. Ao longe, as nuvens já se acumulavam anunciando uma chuva. Apesar de mais magros e preparados para a caminhada, os rapazes cansaram. Pararam para um descanso. Alguns tiveram dor de cabeça, suavam frio, começavam a delirar. 

Quando comunicaram ao Chefe Beto, ele não tomou conhecimento da dor dos rapazes. Em sua cabeça estava a marcha e, naquele dia, tinham caminhado pouco, somente 4 quilômetros. 

Mas Canário e Manduca não passavam bem. Quando os rapazes o informaram sobre o estado geral da tropa que comandava, chefe Beto explodiu: “Se não aguentavam, por que vieram?”.

Nesta hora, grupo explodiu. Extremamente raivosos, Milton, Lydio Canário e Manduca desacataram as ordens de Chefe Beto de seguir marcha. A marcha dos escoteiros estava comprometida, e os quatro pararam para descansar à beira de uma arvore frondosa. Ali, amotinados, eles invocaram a lei dos escoteiros, a 4ª lei, que diz que “o escoteiro é amigo de todos e irmão dos demais escoteiros”. Durante a parada, os dois doentes foram medicados. 

No motim da arvore, chefe Beto foi também obrigado a parar. Eles estavam num momento crucial da caminhada. Além do cansaço e do calor, as chuvas estavam prejudicando muito a marcha. Isso afetava a saúde dos rapazes. Chefe Beto chegou aos rapazes e discutiu qual seria a melhor estratégia.


Esta reunião foi crucial. Reunidos embaixo da arvore, os cinco rapazes discutiram algumas das desavenças e fizeram um pacto de se manter unidos, para não malograr o Raid. Depois disso, o clima desanuviou um pouco. E eles retomaram a caminhada. 
Entre os itens técnicos ali discutidos, um dos mais importantes foi o passo da marcha. Com o cansaço, o rendimento diminuía, e em vez de dar passos com 1,25 metros, o passo caia para 80 centímetros. O progresso da marcha caia consideravelmente. 

No entanto, Chefe Beto, apesar de tudo, esteve quieto e carrancudo a maior parte do tempo. Não dava abertura pra conversa.  Lydio até ponderou se não seria o tedio ou um rabo de saia. Mas não era, era a tensão do momento. Nervoso e insatisfeito com a desobediência da tropa, mais adiante ele negou a parada para a merenda as três e meia, alegando indisciplina da turma. 

No entanto, os outros, revoltosos, começaram a marchar cantando músicas escoteiras. São músicas de animo, que se cantam justamente quando o desanimo começa a tomar conta da marcha. “Rataplan do arrebol/escoteiro vede a luz/Rataplan do arrebol/ do Brasil que nos conduz”. Assim ritmados pela música e pelo vigor que esta dava ao caminhar, a alegria foi se impondo e todos acabaram sorrindo e cantando. Mesmo a cara amarrada de Chefe Beto se desfez. 

Apesar da alegria e entusiasmo dos rapazes, o tempo não estava assim tão feliz. As nuvens pretas s se acumularam e uma forte chuva desabou novamente sobre eles. Aqui já estavam no descampado e em pleno vale, onde não havia muitos lugares para se esconder. Como resultado, todos se molharam até os ossos. Lydio conta que procurou proteger da chuva o seu diário, um pão que guardava e o cobertor que trazia debaixo de sua capa. 

Logo depois, o tempo amainou, e eles seguiram a marcha, conseguindo chegar na vila de Jacareí as cinco da tarde. Como estavam todos ensopados de chuva, Chefe Beto ficou com vergonha de se apresentar assim ao prefeito da cidade. Em vez disso, foram à delegacia pedir pernoite. Qual não foi sua surpresa: o delegado de Jacareí, senhor Clodoaldo de Abreu, era irmão do senhor Leopoldino de Abreu, comerciante em Antonina. Além de ganharem um rancho, ainda puderam esticar as roupas molhadas num varal improvisado no corredor da Cadeia. 

O senhor Clodoaldo lhes emprestou cobertores limpos e secos, e eles puderam dormir agasalhados. Neste ambiente de distensão e descanso, Lydio colocou em dia o Diário da viagem. Chefe Beto, por seu lado, se pôs a escrever seu diário oficial. lá fora da cadeia de Jacareí, A chuva ainda caia, agora mais mansa.

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