Apesar de você.... |
Primeiro de abril é o dia da mentira, qualquer criança sabe.
O que não sabem muitos foi que foi nesse dia, o da mentira, e não no 31 de
março, que iniciou-se o golpe de 1964, que interrompeu um governo legitimamente
eleito e instituiu uma brutal ditadura que durou 25 anos. Meu avô, Maneco
Picanço, foi um dos idealizadores em Antonina da “Marcha da Família com Deus contra
o Comunismo”, uma patética manifestação da direita católica e que ocorreu em
todo o Brasil no dia 1º ou no 2 de abril, como manifestação popular de apoio ao
golpe. Segundo uma lenda familiar, eu participei dessa história. Com cerca de
seis meses de idade, estive nessa passeata no colo de minha avó. Como foi sem
consentimento, eu posso me considerar uma das vitimas de primeira hora da “Redentora”.
Claro, só piada.
Cresci, como todos de minha geração, cantando o Hino nacional
e uma dezena de outros hinos na escola e “Eu te amo meu Brasil” na rua. Nas repartições
públicas, aquela cara sisuda e ameaçadora do general Médici ficava nos olhando,
ameaçadora. Pessoas desapareciam, eram mortas. As coisas eram segredadas,
sussurradas. Toda frase com as palavras “popular” ou “democrático” eram
automaticamente submetidas à censura.
Estes tempos duros já passaram há muito. Porem, parece que
ainda não passaram, como pudemos ler esta semana nas paginas dos jornais. Agora,
que estamos prestes a montar uma comissão da verdade, alguns fósseis ameaçam
sair das tocas para protestar, mas contra que? O fato é que a ditadura não teve
fim. Ela veio sumindo lenta, lenta, e fez que foi mas não foi. Não tivemos um
acerto de contas de verdade. A culpa disso é de muitos políticos que preferiram
negociar com os generais moribundos aquela malfadada lei da anistia na qual se
homiziam os assassinos dos anos de chumbo.
Da mesma forma, estes políticos preferiram a via “fácil” do colégio
eleitoral, deixando os milhares que gritavam por eleições diretas nas ruas com
o grito na garganta. Como resultado, demos uma sobrevida aos oligarcas que
sustentavam o regime, como foi Antônio Carlos Magalhães, como ainda é José Sarney
e outros. Os peixes menores, os torturadores e assassinos, os estupradores,
todos esses estão ai, ganhando sua aposentadoria e dormindo seu sono feliz. Afinal de contas, “lutaram contra o comunismo”,
segundo recentemente declarou um desses esbirros.
No Paraná tivemos por quase 30 anos o “consulado” de Ney
Braga. Só o que ele dizia ou fazia predominava, embora, no governo Médici, teve
que aturar o arrivista Leon Peres, que logo tratou de defenestrar. Enquanto não
foi derrotado nas urnas, o pensamento da direita católica esteve mamando nas
tetas do Estado. Toda uma leva de políticos e de famílias de políticos paranaenses
que ainda estão aí comeram desse cocho. Alguns passaram pro outro lado, no
intuito de se dar bem. E deram. Em outubro os filhos e netos de alguns deles
virão pedir seu voto.
É preciso uma comissão da verdade. É uma questão de justiça.
É preciso saber quem eram os sádicos que nos governaram em nome de ideais no mínimo
equivocados. E quem foram os criminosos, os covardes torturadores de mulheres. Para
crimes contra a humanidade não há perdão. Como disse o recém-falecido Millôr Fernandes,
desconfie de todo aquele que lucra com seu ideal.
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