sábado, 31 de março de 2012



Fiquei atordoado quando vi, de café e chinelos, que Millôr Fernandes tinha morrido. Não deveria me espantar. Ele havia sofrido um derrame forte no inicio do ano passado e estava muito doente desde então.  Segundo o próprio, só se morre uma vez, e é para sempre.
No entanto, comecei a me lembrar dele e de suas frases e me lembrei de mim mesmo. Lembrei de quando ia à livraria do Mauricio comprar a Veja para meu pai. A Veja aquele tempo não era a “Óia” de hoje, revista abjeta e rasa a abastecer de preconceitos certa classe média. Era uma revista séria que publicava coisas que ofendiam os generais então no poder. Houve, por exemplo, a edição que falava da cassação do governador Leon Peres, que foi aprendida nas bancas, mas que meu pai tinha um exemplar, que toda a semana reservava a sua Veja na Livraria do Mauricio. Eu me lembro de levar escondido o exemplar da revista para amigos de meu pai lerem – aqueles eram tempos difíceis, dos quais ninguém a não ser uns poucos tarados tem saudade.
(A livraria do Mauricio Madureira ficava onde hoje fica o Caravelas. Pela minha cabeça a livraria durou muito tempo, mas acho que o Caravelas é um empreendimento muito mais duradouro – pena que não venda também gibis, livros e revistas, como algumas livrarias que eu conheço, que tem cerveja, whisky e cachaça.)
Pois foi lendo a Veja que conheci Millôr. Confesso que não entendia nada do que estava escrito, mas como a coruja da famosa piada, eu prestava muita atenção. Algumas piadas entendi tempos depois, e dava risada pra mim mesmo, escondido – “então era isso!”. A importância de Millôr é tão grande que descubro que meu computador tem seu nome todo arrevesado computado no seu dicionário.
Tempos depois, descobri na estante de meu tio Edilson, jornalista da Folha de Londrina, um exemplar do “Livro vermelho dos pensamentos do camarada Millôr”. O exemplar, obviamente vermelho, tinha a foto do Millôr imitando outro famoso escritor de livros cromáticos, o líder chinês Mao-tsé-tung. Muito hilário. E as leis de Murphy, que ele foi um dos primeiros a traduzir – e acrescentar outras – no que ele chamou de “antileis risofísicas”? Sem contar as fabulas fabulosas, os haicais, etc etc etc.
Com ele não tinha essa historia de politicamente correto ou politicamente incorreto – ou era piada ou não era - sem perder a ternura jamais, claro está. De direita ou de esquerda, de centro ou de lado, humor é humor. Sem precisar partir pro escracho, pras bundas de fora, pras vísceras à mostra. Não levar a vida a sério, não levar as coisas tão a sério, não se levar a sério. De resto, um grande humanista, um sujeito que viveu sua vida com leveza e independência. Algumas lições que tiro do que li da obra milloriana.
 Segundo alguns detratores, ele levava a sério algumas críticas sim. Não tinha o mínimo sentido de modéstia. Segundo li Millôr dizer dele mesmo certa vez: “eu não sou um grande humorista. Sou apenas o sujeito mais engraçado da família mais engraçada da cidade mais engraçada do país mais engraçado do mundo”. Precisava, além de gênio, ser modesto?
Hoje a noite vou assistir na TV Cultura uma reprise do Roda Viva com uma entrevista com Millôr Fernandes. Tirarei o telefone do gancho e desligarei o celular.

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