segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

UM CARNAVAL NO ESTADO NOVO - parte 1

Orson Welles filmando o carnaval do Rio em 1942....pera lá, será que vi um escoteiro de Antonina nesta foto? o que ele estará fazendo lá?
A rapaziada estava em alerta. Mas desta vez não era o Sempre Alerta do Escotismo. Aquele sábado pela manhã, 14 de fevereiro de 1942, ao ir ao cais receber uma tropa de escoteiros que chegava via marítima, os quatro escoteiros antoninenses perceberam que a Capital estava diferente. Ao andar pela cidade de bonde e de trem – tinham feito um passeio ao Jardim Botânico - os rapazes iam sentido que a cidade era tomada de um ritmo diferente, produzido pelos tambores, tamborins, cuícas, ganzás, recos-recos e pandeiros, como anota o escoteiro Lydio Cabreira em seu diário:“escutamos muitas batucadas pelos morros e ruas”. O carnaval estava chegando. 
No domingo, nada podia mais deter os rapazes. Emprestaram alguns trajes civis dos colegas cariocas, pois no carnaval era proibido usar farda, mesmo que fosse a farda escoteira. O clima de festa vai contaminando a todos.  Lydio nos diz que desde o inicio do dia a “batucada tinha dominado a cidade”. Os meninos Beto, Milton, Lydio, Manduca e Canário iam se maravilhando com a grandeza da festa.
As pessoas vão chegando de bonde, de trem, a pé, todos fantasiados. Lydio notou que a fantasia tinha um sentido: a nudez. “seminus, aquele povo não queria saber de nada. Só uma coisa passava pela sua mente: orgia e nada mais”, escreveu em seu diário. Ao longo da avenida as bandas iam passando, tocando sucessos deste e de outros carnavais. Lydio não se contém e vai atrás de um cordão.
O destino de todos os cordões era a Praça Onze, onde Lydio  viu, encantado, Orson Wells e sua equipe filmando a folia. O cineasta americano estava no Brasil filmando o seu documentário ”It´s All True”, que nunca foi acabado. Embevecido vendo a filmagem, Lydio enfim percebeu que havia se perdido de seus companheiros. Mas tudo era alegria, diz ele, e seguiu pulando no meio da multidão. A música não parava nunca.
Uma das musicas mais cantadas deste carnaval era uma marchinha do ano anterior, “Praça Onze”, de Erivelto Martins e Grande Otelo, que lamentava justamente o fim da praça, que estava sendo  engolida pelas obras de urbanização da cidade. Local central e cosmopolita, a praça abrigava os imigrantes recém-chegados e a boemia da cidade e era o principal ponto de circulação dos blocos do carnaval de rua. Os foliões continuavam chorando o fim da praça na própria Praça Onze, onde as obras só iriam ser finalizadas em 1944, dando lugar à Avenida Getúlio Vargas. Em meio aos escombros da praça os foliões cantavam “Guardai os vossos pandeiros, guardai!”, meio como protesto, meio como lamentação.
Lydio passou o dia todo por ali, na fuzarca, como ele dizia. Acabou almoçando e jantando alguns pastéis. “Bastou”, segundo ele, cuja fome não era de comida, e sim de festa. Continuou pulando e só mais tarde, já noite, foi que reencontrou seus companheiros Canário e Manduca. os rapazes continuaram perambulando pela Praça Onze, e só muito mais tarde é que decidiram voltar ao Colégio Militar, onde estavam alojados. Eram onze da noite.
Tiveram que pular o muro, pois o guarda não os deixou entrar. No entanto, apesar de todos os cuidados para não serem descobertos, os escoteiros paulistas de guarda no alojamento descobriram a chegada dos foliões. Pegaram um castigo: no dia seguinte, tiveram que arrumar todas as camas, varrer os alojamentos e limpar o banheiro. “Tudo bem, falar o que?”, pensou Lydio, e anotou mais essa em seu diário.
O carnaval só estava começando....

6 comentários:

  1. Que bacana, Jeff! Dá até para ficar imaginando o pacato escoteiro antoninense em meio ao turbulento carnaval do Rio de Janeiro. E esse diário existe ou é também ficção?

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  2. Li o diário. A parte ficcional valorizou ainda mais o feito. Parabéns, meu amigo.

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    1. Estamos aguardando a Epopeia da patrulha touro, meu caro!! Voce me serviu de inspiração ao ver que dava pra ficcionalizar a historia...abraço!!

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  3. Nossa Historia ,aos poucos, vai se desenhando.

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  4. Como se dizia, isso dá muito pano pra manga. Reli o seu texto com gosto, mantém o frescor. Abraço!

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