segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

O HOMEM ATRAS DA JAQUEIRA


Semana passada deu um vendaval danado por aqui. A amoreira em frente a minha casa não aguentou a força do vento e caiu, felizmente sem causar danos. Na sexta-feira minha mulher notou um novo galho rachado e mandou chamar os bombeiros. Estes vieram e cortaram também o novo galho, e colocaram os restos da poda no pequeno bosque em frente a minha casa.
Ontem de manhã fui até lá ver o galho, o tamanho que era. Ali também tem um imenso pé de guapuruvu, um eucalipto, varias jaqueiras e uma imensa paineira. Estava distraído com as jacas, que estão quase maduras, quando vi um ruído, de alguém me chamando. Olhei, olhei e a princípio não vi ninguém.
Depois, a voz chamou novamente: “pst, pst, aqui!”. Perto da jaqueira grande, quase na beira do pequeno córrego, um homenzinho de preto estava me chamando. Cheguei meio desconfiado, com essa violência por aqui, nunca se sabe. Mas o homenzinho de preto me perguntou, também desconfiado: “você morava na Rua dos Mineiros, em Antonina?”. Diacho! Rua dos Mineiros? Demorou pra cair a ficha que ele estava falando da atual Rua Coronel Libero, a rua da minha infância.
“fale lá uma coisa pra eles”, ele me disse, autoritário. Vi pela gola que se tratava de um padre, mas o que um padrezinho vestido de batina, tal qual o padre Buchman, estava fazendo atrás da jaqueira? “você está me entendendo, guri?”, perguntou o padre, olhando nos meus olhos. Seus cabelos eram agrisalhados, tinha a testa larga. Quem seria?
Educação, meu filho, educação! É isso que quero que diga lá pro pessoal de Antonina”, me disse ele, veemente.  “Mas quem é o senhor?”, perguntei. Ele me olhou espantado, com ose eu tivesse a obrigação de conhece-lo: “Sou o monsenhor”, respondeu o padrezinho. Olhou como se eu fosse um completo estupido, o que alias não estava longe da verdade. Eu não tinha a menor ideia de quem era o tal monsenhor. “Alias, quando colocaram o nome na rua”, continuou ele, “colocaram só como cônego. Mas quando morri, eu era Monsenhor, um cargo muito mais alto. Fale lá que precisam corrigir isso também!”. Os olhos do padrezinho mostravam uma certa magoa.
Foi então que me dei conta que estava diante do cônego (ou Monsenhor!) Manoel Vicente da Silva, um dos maiores oradores sacros do Brasil em sua época. Nascido na Deitada-a-beira-do-mar em 1851, foi para São Paulo, onde se consagrou como professor e pregador. Esteve no Maranhão por curto período de tempo, mas logo voltou à Sampa, onde deu aula e pregou até sua morte, em 1909. Era o vigário da paróquia da Bela Cintra quando faleceu, vitimado por uma gripe.
Esses novos governantes lá de nossa terra precisam compreender que Educação é essencial. Sem ela, nossa cidade nunca vai sair do atraso”, me disse ele, como num de seus sermões. Perguntei se ele conheceu Nestor de Castro, e ele fez que sim. “Era um bom menino, mas muito revoltado, só queria saber de política. Mas coloquei ele, pobre orfãozinho, nos melhores colégios de São Paulo”.
Mas o quê que o senhor quer que eu diga?” perguntei. Ele me olhou duvidando de mim, e disse: “Educação, meu filho, educação! Tem que educar todo mundo naquela terra. Filho de pobre e filho de rico. Os governantes tem que fazer disso uma cruzada! Tem que ter escola, professor, tem que ter tudo”. Comentei com ele que já havia muitas escolas na cidade, mas o ensino não ia lá essas coisas. Contei a ele dos últimos resultados do IDEB, no qual se mostra que o ensino na cidade havia mesmo regredido nos anos recentes. Monsenhor Manoel Vicente me olhou com pena: “Tem que reverter isso, meu filho. Mas sem esforço não se tem resultados. Milagres são com Deus. Mas acho que o senhor é desses livres-pensadores que não acredita em milagres, não é?”.
Ia explicar pra ele, mas ele começou a gritar, com se estivesse no alto do púlpito de sua igreja: “Vai lá, herege, que você é herege, eu sei! Mas sei também que nesse milagre você acredita: fala pra eles que educação é a saída!” e desapareceu como por encanto.
Quando voltei da mata, ainda atordoado com o encontro, meu celular começou a tocar. Tinha umas cinco ligações de Pai Zinho, meu guia espiritual. “Tinha um padrezinho querendo falar contigo, zifio! Tava tentando te ligar! Mas essas companhias telefônicas, também!”, me disse Pai Zinho, entre nervoso e aliviado ao mesmo tempo, pelo aperreio, mas vendo que o contato, afinal, tinha dado certo. “Acho que você estava fora de área, zifio”, disse ele, divertido. “Mas eu não!”.
Acho que é isso. O cônego (ou Monsenhor) tem razão: é preciso investir na educação, ou vamos continuar andando pra trás. Tomara que quem tenha o poder esteja sinceramente pensando nisso.

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