domingo, 27 de maio de 2018

A BOLEIA E A REVOLUÇÃO





Estamos vivendo um momento revolucionário. Quem disse isso foi o grande cientista social Léo, da dupla sertaneja Victor e Léo. Conhecido pelas suas posições conservadoras, o sertanejo Léo tem hoje uma posição coincidente com o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado, o PSTU.
A apresentadora Rachel Sheerazade, a rainha do mais tosco reacionarismo nacional, gravou um vídeo em que se mostra perplexa com os caminhoneiros “baderneiros, que querem nos transformar numa Venezuela”. Em diversos sites e comentários de esquerda, pessoas criticam o caráter reacionário dos caminhoneiros. Muitos, inclusive eu, lembraram o papel dos caminhoneiros chilenos na queda de Allende.
Por todos estes pequenos exemplos, vê-se que a greve dos caminhoneiros tem dado vazão a uma série de manifestações contraditórias. Muitos tem medo de uma greve de caminhoneiros, pelos mais diversos motivos. Alguns se assustam com os problemas de abastecimento. Na quarta e quinta, a correria aos postos de gasolina foi histérica. Outros tem medo pois muitas noticias dão conta de que grupos de caminhoneiros apoiam uma intervenção militar.
O governo, através do ministro Raul Jungman, desde quarta feira tem dito que a greve é um locaute, ou seja, uma greve de patrões, o que é proibida por lei. Por outro lado, na quinta feira chegou a fazer uma reunião em que firmou um acordo que poria fim a greve. Faltou, entretanto, combinar com os russos, ou melhor, com os caminhoneiros. Sexta o movimento continuou e recrudesceu. Por fim, Temer, o sem-força, teve que apelar para o exército e as policias estaduais.
Mas, afinal, quem são os caminhoneiros? Heróis ou bandidos? Direita ou esquerda?
Ao que tudo indica, o resultado é muito mais complexo que se imagina. Para o professor Ricardo Antunes (ver aqui), a forma de trabalho dos caminhoneiros faz com que as suas greves tenham em geral um grande componente patronal. Somente 45% dos caminhoneiros são autônomos. o restante trabalha para empresas de logística. Quando há confluência entre os interesses dos caminhoneiros e de seus patrões, o que é o caso nesta greve, as paralizações tornam-se mais fortes. 
Como notou a professora Larissa Riberti num texto que viralizou no facebook (tirei daqui), trata-se de uma luta complexa, e que não é uma luta do bem contra o mal. Não é a toa que encontramos posições politicas tão diversas nessa categoria que envolve desde empresários até "proletários do transporte". Os sindicatos estão batendo cabeça brigando entre si enquanto a base segue firme na luta, fechando as estradas. Existem caminhoneiros de todos os matizes ideológicos, como no resto da sociedade. Não há polarização ideológica nem nos tuites contra e a favor da greve. 
Claro que existem os malucos que defendem uma intervenção militar (E que devem estar bem felizes com a intervenção militar em cima deles...). Estes são os mais estridentes. Vi um video de um maluco discursando em cima de um tanque. Patético. Mas não quer dizer que sejam maioria. Assim como foi provado no episódio do assassinato de Marielle, tais grupos radicais são ativos, mas minoritários. E, até o momento, os militares "de verdade" seguem as diretrizes do governo do Vampiro, reprimindo o movimento.
Por outro lado, eu acho que esse lado "proletário" do movimento é o que mais assusta. Em geral o caminhoneiro é um cara de classe média baixa, sem muita escolarização, vivendo no limite da reprodução de sua mão de obra. Nisso ele não é diferente do operário que trabalha numa fabrica e recebe salário. Sua identificação como igual pelo povo é imediata. Talvez por isso a repulsa de Sheerazade e de muitos colegas de academia. 
Temos muito medo de revoltas populares. Assim como no passado nossa elite e classes médias eram aterrorizadas com o medo de uma revolta dos escravos. O medo de uma revolta popular nos paralisa. O caminhoneiro assim se impõe no imaginário dos humildes como um herói que afronta um governo impopular. Na classe média, é o perigo proletário que surge, trazendo desabastecimento e - horror dos horrores! - a falta de gasolina.
Na extrema direita, é um aliado a favor da intervenção militar. Para a esquerda, um agente reacionário. Para a extrema esquerda, o estopim de uma greve geral que traga a revolução. Para os neoliberais, um sinal de que precisa privatizar tudo. 
Enquanto isso, no mundo real, os piquetes continuam, a gasolina vai voltando devagar aos postos. Mas as pessoas continuam ressabiadas. Ninguém sabe o que fazer. 
Quando deram o "golpe do impeachment", que destituiu um governo legitimamente eleito, foi aberta uma caixa de pandora. Felizmente, apesar da retórica de alguns, ainda não pegamos em armas. Mas, como no mito, ainda tem muito diabo pra sair dessa caixa.
Neste momento, não sabemos mais quem manda no país. Só nas rodovias. 

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