Pobre país! A corrupção alimenta a vaidade, para dar vida ao patriotismo!” – é a legenda da charge de Ângelo Agostini, publicada em “O Cabrião”, 1867 (copiei daqui). |
Hoje vivemos tempos muito turbulentos. Em nome do combate a
corrupção, diversas ações têm sido realizadas. Recentemente, na nossa bela
Deitada-a-beira-do-mar, tivemos uma prisão importante, de uma pessoa bastante poderosa.
Por outro lado, inúmeras prisões são realizadas num espetáculo de mídia, como se
o mais importante fosse a encenação e não o principal. Quando a pessoa presa é liberada,
por problemas da acusação, seja por insuficiência na acusação, seja por falta
de provas, a grita é enorme.
Não é possível condenar por convicção, como já dissemos. Por
outro lado, em outros processos provas arrasadoras são mostradas e não provocam
nem ação de polícia nem indignação das pessoas. Estes são os tristes tempos em
que vivemos. Como era, no passado, o combate à corrupção? Como casos de roubo
do bem público eram tratados no Paraná e em Antonina no passado?
Esta é a história de Luiz Tibireçá da Silva Dória, que foi
nomeado em 21 de abril de 1854 como coletor interino das rendas provinciais da
Villa de Antonina (ver aqui). Era um cargo importante: Luiz Tibireçá deveria
recolher os impostos devidos e, no momento certo, fazer também os pagamentos
aos funcionários públicos e demais despesas do governo.
Trata-se de um cargo vital para a arrecadação de impostos do
governo. O tal do coletor, por isso mesmo, é uma pessoa importante socialmente
nas cidades onde havia a tal da coletoria, e assim o foi durante muito tempo. Era
ele que literalmente coletava os impostos e fazia os devidos pagamentos do
governo. Pra se ter uma ideia, no Paraná, os pagamentos e o recebimento de
impostos só foram separados, da maneira como temos hoje, no início dos anos
1960, no governo Ney Braga.
Não sabemos, em função dos poucos documentos que temos, quem era Luiz Tibireçá, onde nasceu ou qual era sua família. Entretanto,
parece, pelos seus atos subsequentes tratar-se de uma pessoa de uma família bem
situada socialmente, tanto é que foi nomeado coletor. Na época de sua nomeação,
Luiz Tibireçá devia ser bem jovem e inconsequente, como mostraram seus atos. Era
o início das atividades da nova província do Paraná.
Pouco antes, em dezembro de 1853, a antiga 5ª Comarca de São
Paulo desmembrava-se e surgia a Província do Paraná. Quando o Baiano Zacarias
de Gois e Vasconcellos, destacada figura da política imperial, subiu a serra
para instalar Curitiba como capital da nova província, tudo estava sendo
iniciado. O Conselheiro Zacarias demorou-se ali por pouco tempo, onde organizou
minimamente os cargos e funções da nova província. Construir estradas, arrumar
os portos, fazer as instituições funcionarem, foi esta sua tarefa. Assim, numa
de suas penadas, Luiz Tibireçá foi nomeado coletor e também o agente dos
correios na graciosa Villa de Antonina (ver aqui).
Num comunicado de janeiro de 1855, sabemos que ele era
também o agente interino dos correios. O engenheiro Villalva, que iniciava os
trabalhos de calçamento da Estrada da Graciosa, foi incumbido de entregar a
Luiz Tibireçá duas mulas e uma cangalha, para transporte do correio entre
Curitiba e Antonina (ver aqui).
Foi quando tudo entornou. A demissão de Luiz Tibireçá ocorreu
em 29 de abril de 1855, pouco mais de um ano após sua nomeação (aqui). Pouco
antes disso, nosso jovem coletor havia se apropriado de tudo o que tinha
conseguido arrecadar dos impostos devidos a província e, como se dizia naquela
época, tinha-se escafedido. Arre, que biltre!
Em matéria no jornal “O Dezenove de Dezembro” de 25 de abril
de 1855, consta que Luiz Tibireçá, de posse dos impostos surrupiados da
coletoria provincial, estava fugindo para o Rio da Prata (aqui). Era o caminho
natural dos que faziam malfeitos, principalmente os pecuniários. Nos jornais e
nas conversas, todos o davam como vivendo bem e feliz, seja em Montevidéu, seja
em Buenos Aires. À tripa forra, como se
dizia na época.
No entanto, nosso meliante não havia ido assim tão longe.
Dedicado a gastar o dinheiro em tão má hora adquirido, pôs-se a gastar em
farras e divertimentos bem próximo de Antonina. Mais precisamente na Villa de Desterro,
Capital da província de Santa Catarina.
E foi ali, na Ilha da Magia, que Luiz Tibireçá foi
finalmente preso. Conduzido preso a Paranaguá e posteriormente à Curitiba, o
sacripantas foi devidamente inquirido pelo doutor delegado sobre o dinheiro que
havia se apropriado. Qual não foi a surpresa do nobre policial ao verificar que
Luiz Tibireçá havia gasto “em
dissipações, jogos, passeios e divertimentos” tudo o que havia roubado
em Antonina (ver aqui). Nada, nem um mísero mil-réis havia sobrado! Ali mesmo Luiz Tibireçá foi incurso em diversos itens
do código criminal, e remetido a julgamento em Paranaguá.
Para os que acreditam ser a justiça brasileira desde sempre
muito morosa, aqui vai um espanto: seis meses depois, em 4 de janeiro de 1856
já estava concluído o processo de Luiz Tibireçá. Não conseguimos saber qual foi
sua pena, em face dos documentos analisados. Sabemos, entretanto, que o larápio
passou seus dias de apenado na cadeia de Paranaguá. Ali, em fevereiro de 1858, Luiz
Tibiriçá faz um pedido para que sua mulher, Adelaide Ferreira da Silva Doria,
pudesse permanecer com ele na cadeia. O pedido foi indeferido (ver aqui).
Entretanto, nem tudo são espinhos na vida de nosso
ex-coletor. Em fevereiro de 1863, ou seja, cerca de cinco anos depois, ele está
vivendo muito provavelmente na bela Ponta Grossa, a Princesa dos Campos. Neste
período, sabemos pelos jornais que Luiz Tibireçá é o 1º secretário da
prestigiosa “Sociedade Patriótica
Defensora da Nação” (ver aqui). Nesta
Sociedade, com outros cidadãos ilustres, ele assina um manifesto contra agentes
britânicos, que faziam “represálias
injustas” contra navios brasileiros ao longo de nossa costa. Logo ele!
Sabemos que fez sua carreira como advogado. Numa de suas
lutas no tribunal, em janeiro de 1864, Luiz Tibireçá perdeu um caso. Como
membro do Ministério Público de Ponta Grossa, ele não conseguiu a condenação de
Maria Cecilia, acusada de furto (ver aqui). No entanto isto pouco valia. Tanto a defesa
quanto a acusação fizeram, segundo a notícia do jornal, um debate que beirou o “sublime”. Já em março de 1865, quando os bravos
Voluntários da Pátria passam por Ponta Grossa indo juntar-se aos que já lutavam
contra Solano Lopez, Luiz Tibireçá é um dos inflamados oradores (ver aqui). Em 1867, o escrivão Joaquim José de Camargo passa um certidão de bons antecedentes a nosso bom Luiz Tibireçá (ver aqui).
Nada mais sabemos deste interessante personagem. Vemos entretanto que
ele conseguiu dar a volta por cima e ser um cidadão de bem e querido na nova
comunidade que adotou. No entanto, parece importante reparar na pena
relativamente branda para um homem branco e rico. E se ele fosse preto e pobre?
Quanto tempo ficaria preso? Poderia pedir para que sua esposa ficasse com ele na
cadeia?
A história de Luiz Tibireçá nos mostra, por outro lado, que
pouco mudamos neste país. Continuamos a prender os pobres e a soltar os ricos. Nosso
contingente de presidiários fala por si. Mesmo quando lidamos com causas como a
corrupção política, pouco muda. Um presidente operário vale menos que um
presidente advogado, mesmo que as provas contra um sejam duvidosas e contra o
outro sejam materiais e comprovadas.
Luiz Tibireçá errou de século. Hoje, quem sabe, ele não
pegaria uma prisão domiciliar? Ou nem isso?
Grande resgate, grande história, grande personagem, Jeff!
ResponderExcluirObrigado, Edson!! Foi um trabalho que valeu a pena...E que figuraça, né?
ExcluirEsse Tibiriçá deve ter muitos descendentes políticos.
ResponderExcluirTudo indica que sim, Osvaldo!!
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