Escrever sobre essa foto me exigiu muito tempo e reflexão. A
princípio parece uma coisa simples, uma mera imagem antiga da Rua do Campo –
atual Conselheiro Araújo - próximo da colina da matriz e da atual praça Coronel
Macedo. Ao fundo, os nossos morros do Bom Brinquedo e do Buraco da Onça. No
entanto, ao olhar e re-olhar – convido o leitor a fazer cuidadosamente o mesmo
– comecei a notar partes que estão juntas, mas pouco conectadas.
Logo de início, existe a árvore em primeiro plano,
fazendo o contraponto para a paisagem ao fundo; não sei que árvore é, nem
parece muito frondosa, mas ela enquadra a foto em primeiro plano, o que não é
pouco. Onde andaria tal árvore? Com certeza já morreu, ou foi cortada em algum
“arvorecídio” do passado? O fato é que não está mais lá, no alto da matriz.
Na esquerda da foto, atrás da árvore, se vê uma bela fileira
de casas brancas. São casas coloniais, algumas das quais ainda estão de pé
atualmente, servindo de paisagem para uma das mais belas áreas da cidade. São
casas de fachadas simples, com eiras e beiras também brancas, portas e janelas
quadradas, de madeira. Algumas janelas são levemente arqueadas. Quase todas as
casas são simples, a não ser um sobrado na porção centro-esquerda da foto. Mas todas elas tem a singeleza de coisa
simples, de gente simples, sem abusos e rococós.
A Rua do Campo compõe a perspectiva no centro da foto. A
calçada da esquerda se vai em linha reta; a da direita faz um ângulo, com o
ponto de fuga no centro. Do outro lado da rua está a atual praça Coronel Macedo,
o antigo campo que tantos cronistas antigos relatavam estar cheio de cavalos
pastando. o nome era rua do Campo porque terminava no campo, o Campo do largo da matriz. No início do século, o Campo do Largo da Matriz se tornaria a Praça da República, e depois a
praça Coronel Macedo de hoje. É marcante o contraponto entre a praça, cheia de árvores
recém-plantadas e uma geometria neoclássica muito marcante e a rua colonial e
meio barroca do outro lado. Será essa a tensão da antonina do século XX, de um
lado o passado colonial e de outro o moderno? Fiquei matutando nisso ao ver a
simetria das duas paisagens na foto.
Ao fundo da praça, diversas arvores, muitos coqueiros, que
se juntam texturalmente ao mato dos morros ao fundo. Árvores, muito mato. Esse
é o triângulo que se fecha sobre a rua colonial e a praça neoclássica. Ainda
estamos vinculados a esse tripé, é essa a essência de nossa paisagem: casas
antigas, representando o passado mítico; a praça de desenho neoclássico representando
nosso desejo de progresso e modernidade. E, por fim, o mato, representando a natureza
(ainda) selvagem, que nos emoldura, embeleza e cria, por vezes, obstáculos ao
progresso, na visão de algumas pessoas.
Por isso, talvez, a foto nos transmita certa paz e certa
melancolia, como se ela mostrasse um passado quieto e tranquilo, sem as tensões
do progresso e suas ânsias modernas e pós-modernas. A ausência de pessoas na
foto colabora com esse sentimento.
Como uma provocação contemporânea, cabe observar que entre
os paralelepípedos da rua cresce um matinho ralo, mas que já ocupa boa parte do
calçamento, o que demonstra que o poder público nesse passado glorioso não cuidava
lá muito bem da rua. Será um sinal de nosso crônico relapso? Ou será que por
causa do foto o prefeito de então mandou cortar o mato no dia seguinte?
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