segunda-feira, 28 de novembro de 2022

CASEMIRO E A PÁTRIA SEM CHUTEIRAS

 

Casemiro e Vini comemorando o gol 
Nelson Almeida/AFP   encurtador.com.br/fvxBV

Uma tarde de chuva fria e fina aqui em Barão Geraldo, após um jogo de Copa de Mundo também muito chorado. No Qatar, a seleção brasileira venceu a seleção da Suíça por um magro 1 a 0 e está classificado para as oitavas de final, assim como a forte seleção francesa.

Depois do primeiro jogo, na última quinta-feira, está mais comum ver pessoas com a camisa verde-amarela nas ruas e nas imagens. Apesar da overdose de gente com camisas amarelas no noticiário esportivo e também no noticiário político, percebi uma grande diferença: desta vez, em sua maioria, quem está vestindo literalmente a camisa são, em sua maioria, corpos negros.

Eu vi uma coreografia ensaiada por um grupo da Maré, no Rio de Janeiro, liderados pelo influenciador Raphael Vicente, e que ficou linda maravilhosa. Inspirados numa música de Shakira, ali eu vi a ginga e a alegria que temos nos campos e nas comunidades. Ali eu vi que só quem pode ressignificar esta camiseta é o povo. E o povo já fez isso. Os outros, da nossa arrogante classe média branca, estão por aí, tristes, rezando e tomando chuva.  

Estes brasileiros, aliás, estão lá nos estádios da Copa, semi-europeus, torcendo para os negros e pardos que, lá no gramado, fazem do futebol brasileiro uma arte. São estes brasileiros classe média que, do alto de seus privilégios, ainda conseguem atacar Gilberto Gil, nosso espírito iluminado. Que as areias do deserto se fechem sobre eles, e que mestre Gil siga nos trazendo a Paz.

Hoje decidi assistir ao jogo sozinho no meu sofá. Tive alguns momentos um receio e um dejá-vu: a última vez que havia feito isso foi no tenebroso 7 a 1. Mas já sou bem velhinho e experiente para saber que o jogo é jogado lá no Qatar e nada que eu faça, como ir ao banheiro, fazer uma pipoca, se enrolar na bandeira, beijar uma figa, nada disso resolve. Ou resolve?

O fato é que foi um jogo muito tenso. Mais experientes que os sérvios, os suíços, se não reeditaram o famoso ferrolho helvético dos anos 1950, também não deram muita folga pra gente. Outro fato é que os suíços jamais haviam perdido para o Brasil em Copas do Mundo.

Hoje um pouco menos vibrante, a esquadra brasileira também não jogou mal. Teve destaques fortes em Vini Jr e em Casemiro, este último esperto e inteligente no chute ao gol. Mas ninguém foi mal. Sequer Neymar, que ficou no hotel e foi substituído nas arquibancadas por um sósia muito mais simpático.

Outra coisa que eu nunca tinha enfrentado foi o tal do VAR. Vai demorar pra eu me acostumar ao VAR, ora se vai. Apesar da tecnologia diminuir em muito as reclamações e as intermináveis discussão nas mesas redondas futebolísticas, como fazemos sem as reclamações e as intermináveis discussão nas mesas redondas futebolísticas? O gol de Vini Jr, segundo os analistas corretamente anulado, foi uma pintura. É quase como se Van Gogh, da excelente seleção holandesa, descartasse e jogasse fora o Retrato do Dr. Gachet porque a moldura estava com problema...

Ao fim, o placar magro valeu os tais dos três pontos. Os suíços, pela primeira vez, souberam o que é perder para a seleção Brasileira. E nós seguimos em frente com nossas alegrias e contradições. Cada jogo de Copa do Mundo tem seu herói, ou seu vilão. Pobre do país que precisa de heróis, como dizia um cara sábio do passado. Mas nós somos um pobre país.

O herói da vez foi Casemiro, meia forte e de futebol elegante, e que habita lá para as bandas do Bernabeu. As histórias e as falas nas redes sociais e na imprensa com certezas serão outras. Sai o Pombo e seu jeitão de moleque grande, solidário e zoador, e entra em seu lugar a figura do capitão brabão, que decide nos momentos mais difíceis. De heróis e chutes se faz a crônica esportiva, ora pois.

A copa segue, lá nas tristes areias do Golfo Pérsico. Aqui, o país se reinventa. Que venham camisas amarelas, que venham azuis. A pátria, não a quero de chuteiras, assim como não a quero de armas na mão. Quero a dança do pessoal da Maré, quero a alegria da prova dos nove, como já nos disse Gilberto Gil.

Pindorama o país do futuro. 


quinta-feira, 24 de novembro de 2022

RICHARLISON E A ALEGRIA DE JOGAR

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Hoje fiz coisas que há muito não fazia. Não, não consegui vestir a amarelinha. Ainda estão na minha cabeça o sequestro de vários símbolos nacionais pelos golpistas.

Não é disto que eu quero falar hoje.

Fui assistir o jogo da seleção brasileira diante da Sérvia, estreia dos pentacampeões na Copa do Mundo no Qatar, essa Copa do Mundo tão estranha e infeliz. Mas não é disso que se trata hoje. Fui com vários amigos e diversos alunos na Estação Barão, o bar dos estudantes daqui de Barão Geraldo.

Foi uma grande emoção ver tanta gente reunida e num mesmo sentido. O fato de estarem de verde amarelo me perturbou no início. Muitos com camisa azul, muitos com camisas alternativas, muitas com outras camisas. Aos poucos, fui perdendo minha inquietação e fui gostando de ver aquela multidão. Muita alegria e esperança no ar.

No início, um jogo tenso, com os sérvios todos na sua grande área, em duas linhas de defesa. Difícil passar por ali. O primeiro tempo foi só isso. Os meninos do Brasil tentando furar aquela muralha vermelha. Vermelha dos uniformes vermelhos dos sérvios, bem se diga.

No segundo tempo, a coisa começa a mudar. A movimentação do time muda, e a barreira sérvia começa a ser ultrapassada. Numa jogada mais estridente do até então apagado Neymar, Richarlyson completa para o gol.

Uma imensa euforia toma conta dos menines onde estou. Uma alegria arrebatadora. É gente gritando, se abraçando, jogando cerveja para cima, uma grande euforia toma conta da multidão. As coisas começam a ficar mais tranquilas.

Foi pouco tempo depois. É quando Vini Jr cruza e Richarlyson, o Pombo, voa para a consagração. Seu voleio, de uma plasticidade incrível, faz mais cerveja voar ao redor. Golaço. Todos pulam extasiados. Um gol maiúsculo de um menino estreante em copas do mundo. Que clareza, que objetividade!

O local onde estávamos foi à loucura. Gente pulando, gente gritando, gente se abraçando. Levamos uma chuva de cerveja, confundidas com a chuva errática que começava a cair. Que lindeza o gol de Richarlyson.

Velho que sou, ali vi Zico, vi Sócrates, vi Falcão, craques de minha infância/juventude a nos brindar com jogadas estupendas e muito bem trabalhadas. Vi uma alegria de jogar e uma qualidade que há muito não via. Que beleza meninos!!

E quantos meninos! Depois que Neymar saiu machucado, vi ainda Casemiro, Rodrygo, Raphinha, Gabriel Jesus e tantos outros, todos acossando os grandalhões sérvios, que corriam e não entendiam o que estava acontecendo. Um show de bola. Fiquei muito feliz de ver tantos meninos jogando, alegres e com muita qualidade.

Não é pra ficar confiante demais. A copa, para uma seleção do porte da brasileira, só começa a ser copa depois das quartas de final. Não é arrogância, é verdade. A Sérvia era um bom adversário, mas não e um time para afetar o time brasileiro numa Copa do Mundo. No tempo em que eles eram parte da antiga Iugoslávia, eram melhores. Hoje, separados e brigados entre si, são só uns grandalhões correndo atras de uma bola.

Tem muita coisa ainda pela frente nesta Copa, mas fiquei feliz. Fui pra casa feliz. Feliz, inclusive, de saber que Richarlyson é uma pessoa antenada e atenta ao mundo além do futebol. Não é Sócrates, mas tudo bem. Sigamos adiante, com alegria.

Com tudo o que passamos – e ainda estamos passando neste ano – foi um dia de muita alegria e união. Não cabem metáforas de seleção e povo. Mas cabe a alegria que nos assombra a todos nessa noite de quinta-feira.

É só um time de futebol. Mas parece mais.