sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

A MARCHA DOS ESCOTEIROS 57: A BRONCA PELO JORNAL


O Largo da Lapa, no Rio, em 1940
(Estamos no mês de fevereiro de 1942. Enquanto o mundo está em Guerra e o Brasil segue sob a Ditadura do Estado Novo, cinco escoteiros de Antonina (PR), entre 15 e 18 anos, realizaram uma marcha a pé de mais de 1.200 quilômetros rumo ao Rio de Janeiro, para entregar uma mensagem para Getúlio Vargas. No episódio de hoje, 7 de fevereiro de 1942, Beto, Milton, Lydio, Antônio (Canário) e Manoel (Manduca) recebem a visita do General Heitor Borges. Neste dia, os jornais cariocas publicam uma bronca oficial da UEB contra o raid.)

No dia 7 de ferreiro, logo depois do café da manhã no Albergue da Boa Vontade, os escoteiros de Antonina receberam uma visita ilustre: o general Heitor Borges, presidente da UEB. O general foi bem amigável desta vez. Bonachão, riu muito com os rapazes. 

O general tambem quis saber se eles estavam sendo bem tratados ali no Albergue da Boa Vontade e no 5º BC, onde almoçavam e jantavam. E ainda brincou: “o passeio está bem, hein? Vocês estão mais gordos e corados e muito saudáveis!”, depois de olhar mais um pouco completou, entre sério e jocoso: “É assim que eu os quero ver”

Dito isso, o general deixou com os meninos 50 mil reis para ser dividido entre eles. Era a tal “ajuda pecuniária” que eles tinham pedido havia poucos dias na Federação dos escoteiros. Lydio conta que mal o general virou a costas os rapazes já estavam “rachando” a grana. 

Fazia uma semana da chegada dos rapazes ao Rio. Eles não tinham ideia de quando eles poderiam encontrar com Getúlio Vargas, para lhe entregar a mensagem que lhes fora confiada. E Lydio termina dizendo que, se ainda tudo era incerto, certo era que a viagem deles era muito comentada nos jornais cariocas e fluminenses. 

Entretanto, se estavam sendo falados, não era só falando bem. No jornal do Brasil do dia 8, uma nota na seção “Escotismo”, menciona que “os escoteiros de Antonina, que partiram sem ordem desta Federação [a Federação escoteira Paraná-Santa Catarina], tornarão a seus lares com uma séria recomendação de não mais procederem desta forma”. 

Na nota, era informado que o general Heitor Borges havia censurado essa atividade. Parece que a viagem pegou de surpresa tanto a Federação Regional quanto a Nacional. Apesar das notícias da imprensa, parece que não havia um apoio efetivo para que a viagem se realizasse. Era uma iniciativa isolada da própria tropa Valle Porto de Antonina. 

 A nota ainda repercute a fala do general Heitor no dia da chegada dos escoteiros ao Rio de Janeiro, havia uma semana.  Eles “chegaram ao ministério da guerra maltrapilhos e sujos, apresentando-se como mendigos”. A nota termina com a determinação de que estes empreendimentos devem ser muito bem preparados. 

Isso tudo não quer dizer que a UEB e a Federação não tivessem ajudado os rapazes a cumprir sua missão. Entretanto, até ali, fazia sentido a reclamação de Lydio de que eles estavam “jogados” no Albergue da Boa Vontade, refletindo a falta de boa vontade da entidade. 

As censuras do general Heitor Borges e da UEB à epopeia dos meninos também faziam sentido. Quando eles se encontraram, ressalte-se que o general disse estar orgulhoso do que eles fizeram, mas não de como eles estavam. Nesta nota no jornal do Brasil, eles ressaltam o fato das instancias não terem sido informadas. 

Por um lado, era a hierarquia. Num regime ditatorial como o estadonovista, o respeito pela hierarquia era um componente que não poderia ser esquecido. Ao fazer uma viagem daquele porte sem consultar as instancias, os escoteiros ali no Albergue da Boa Vontade – e a Tropa Vale Porto inteira – estavam fazendo vistas grossas à cadeia de comando. 

Por outro lado, era o espetáculo. Regimes ditatoriais gostam de espetáculos. De grandes paradas, de festividades, de grandes lances teatrais. Quando você teatraliza algo, tudo tem que ser perfeito. É como o mocinho nos filmes de ação, que destrói todo um batalhão sem desarrumar o cabelo. 

Como os meninos ousam fazer uma viagem deste porte sem autorização e se apresentam como andarilhos, sujos como mendigos?

2 comentários:

  1. Fico imaginando a ousadia de sair em uma caminhada para encontrar o ditador Getúlio Vargas sem comunicar as instâncias superiores. Pode-se chamar a isso desobediência civil?

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    1. Ou semi-civil?
      Num sistema tão hierárquico, mesmo uma jornada deste tipo, sem a sanção oficial, parecia suspeita..coisas de regime autoritário, não é?

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