domingo, 21 de outubro de 2018

NOS TEMPOS DA ESCOLA COM PARTIDO



Por causa dos acontecimentos recentes, eu me peguei pensando em minha infância. Algumas coisas vividas naquela época surgiram fortes. No meu primeiro ano escolar, eu lembrava da quantidade de faixas verde-amarelas que existiam na escola. E retratos do “presidente Médici”. Lembro-me de cantar hinos, muitos hinos. E do entusiasmo de slogans como “Ninguém segura este pais!”. E se segurasse? Nos vidros dos carros, estava o adesivo “Brasil, ame-o ou deixe-o”. Que medo! E se eu não amar? Serei expulso?
No meu currículo, não existia História e Geografia, mas uma tal “Estudos sociais”. Por um lado, parecia uma coisa interessante, por ser multidisciplinar. Por outro, e isso logo percebemos, muita coisa não era colocada no currículo. Na prática, não tínhamos nem História, nem Geografia. Nem Estudos Sociais.
Tinha também uma disciplina chamada Educação Moral e Cívica. Era uma chatice de ficar vendo – e decorando – os símbolos da pátria. O Brasão, a Bandeira, os Hinos. Porque verde amarelo? “porque representam o verde das nossas matas, o amarelo a riqueza de nosso chão”. Era essa a explicação.
Ninguém dizia, por exemplo, que verde-amarelo eram as cores da casa de Bragança, da qual vieram nossos imperadores. E se o verde era tão importante, porque se desmatava tanto? Todos os dias víamos notícias sobre as obras da transamazônica. Eram frequentes na TV imagens icônicas de grandes arvores caindo, simbolizando a conquista da Amazônia.
(Sem nenhuma preocupação ambiental, nunca se desmatou tanto.)
Depois, tinha uma disciplina Estudos de Problemas Brasileiros. Tinha a questão das três “raças”. Tinha a questão do subdesenvolvimento. Mas não havia uma vontade real de discutir problemas brasileiros. Por que somos? Como somos? Como uma nação ainda adolescente, ainda colocávamos a culpa nos nossos pais. O culpado era Portugal, a culpa era do “passado ibérico”.
A responsabilidade nunca era nossa, nessa Escola com Partido. Neste tempo, a escola tinha claramente um partido. O partido do general de plantão. A abolição não era da responsabilidade dos traficantes de escravos. A política do atraso dos coronéis da República Velha não era da responsabilidade de ninguém. Getúlio Vargas não existia. Ele foi o presidente da Argentina?
Era tudo tão descarado que as coisas se naturalizavam por si. No governo Geisel e o seu slogan “Esse é um país que vai pra frente” mesmo sendo crianças todos já víamos o ridículo dessa posição de esconder o país embaixo do tapete. E se estivesse indo pra trás?
Hoje, temos realmente a sensação de estar indo pra trás. Algumas certezas dos últimos anos já são questionadas, algumas cláusulas pétreas são abertamente criticadas. Mas, em vez de propor avanços, estão sendo propostos atrasos. Em vez de mais escola, menos escola, como a proposta de mais ensino à distância. Distância de quem? Do professor?
Os professores estão sob ameaça. Em lugar de um ensino crítico, um ensino “Sem Partido”. Como se as pessoas que propõe esta perola não tivessem Partido. Ideologia, ou seja, o conjunto de valores e ideias de um individuo ou um grupo de indivíduos vivendo em sociedade, todos temos. Mas, para algumas pessoas, ideologia são as ideias do outro. O que eu penso é verdade. o que o outro pensa é ideologia. Tolinho.
Estamos voltando àquela escola hipócrita e autoritária de minha infância?  Onde não havia Educação Sexual, por exemplo, porque todos tinham medo de tratar o assunto? “Ideologia de gênero” é um caso. Inventaram essa jabuticaba para criticar o ensino de Educação Sexual nas escolas. Uma proposta séria, que tem por objetivo combater a intolerância e dar informações para que as crianças saibam se defender do abuso sexual. A maior parte das crianças vítimas de abuso jamais foram educadas por seus pais sobre o assunto. Estimular a ignorância é facilitar o abuso. Pelo visto, prefere-se o abuso.
Em vez de mais, menos debate. Em vez de ir mais fundo nos problemas para resolve-los, o silencio.
Eu achava que as escolas do passado tinham virado poeira do tempo. Que o pó cubra nossas escolas do futuro. 

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