quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

A VILA DOS FUGITIVOS

A atual cidade de Tunas do Paraná em 1955, quatorze anos depois dos escoteiros atravessarem a região 

Apesar de dormirem num paiol de milho cheio de ratazanas no lugarejo chamado Tuneiras, os rapazes acordaram animados naquela terça feira, 23 de dezembro de 1941. O final da primeira etapa da viagem, a cidade de Capela da Ribeira, já no estado de São Paulo, poderia ser finalmente alcançada.

Eles seguiram então no rumo norte, pela “estrada provisória", que ligava parcialmente Curitiba à Capela da Ribeira. Segundo o diário de Lídio, a estrada era muito malconservada, cheia de buracos, com pontes de madeira apodrecida. Ao longo da estrada, estavam passando continuamente tropas de mulas carregando balaios com milho e feijão. De vez em quando, uma carroça puxada por bois se fazia ouvir de longe, cortando o silencio da paisagem com sua estranha música.

Logo adiante os meninos ficaram assombrados: estavam passando pela Garganta do Leandro, onde o rio Passa-Vinte formava uma grande cachoeira. Para Lídio, o barulho era equivalente a um trovão, e podia ser ouvido a muitos metros de distância.

Depois deste espetáculo bonito da natureza, começou outro, macabro: ao longo da estrada viam-se aqui e ali diversos esqueletos de caminhões de combate, enferrujando no clima quente e úmido do vale do Ribeira. Eram restos de antigos combates da Revolução Paulista de 1932.

A região que eles estavam cruzando era a frente do Ribeira da guerra civil deflagrada com o manifesto constitucionalista de São Paulo, em julho de 1932. Apesar de não ser uma das frentes mais importantes, ali também haviam ocorrido alguns combates.

Na Garganta do Leandro Lídio notou horrorizado um cemitério com cruzes de ferro dos soldados mortos durante os combates da revolução constitucionalista. Havia apenas nove anos, aquela região havia sido palco de combate entre as forças de São Paulo com os batalhões paranaenses.

Deixando para trás aquele cenário de guerra, os meninos passaram pela localidade de Poço Grande e no inicio da tarde já estão no lugarejo de Maria Gorda. Ali, Lídio anotou que existia a mina de cobre de Garapongá. A região do vale era também (ainda é) uma região riquíssima em bens minerais.

Neste período havia uma grande concentração de pequenas minas de cobre e chumbo por toda a região. Em Apiaí, no lado paulista do vale, estava sendo construída uma Usina Experimental de Chumbo para beneficiar o minério e seus subprodutos, como a prata, o ouro e o zinco. Era um período de grande investimento público e privado, e pequenos povoados mineiros iam se formando aqui e ali, no meio da imensa mata.

Depois de tomar um café e um bolo de fubá, os meninos seguiram rumo norte, em direção ao vilarejo de Epitácio Pessoa.

No caminho, Lídio notou (e anotou em seu diário) que o rio que margeava a estrada, o rio Grande, corria sobre um leito de areias muito brancas. Aqui e ali, haviam algumas pequenas cacheiras, que Lídio anotou como sendo de gré vermelha. Gré ou grés é uma palavra francesa para arenito, rocha formada pela solidificação de depósitos de areia. o uso da palavra grés por Lidio não está de todo incorreto, visto que realmente ocorrem muitos corpos de rochas que poderiam ser assim denominadas nesta época.

Os jovens escoteiros estavam atravessando uma zona composta por rochas metamórficas muito antigas, que formam grandes cristas de serra, formada por duros quartzitos. Em outros locais, ocorriam mármores ora cinzentos, ora mais claros. Estas rochas eram a razão do potencial mineral do Vale do Ribeira. Só para dar um exemplo: na vila de Pedra Preta, onde hoje está a atual cidade de Tunas do Paraná, haveria de se iniciar alguns anos depois a extração de uma rocha ornamental muito usada hoje em dia, o “granito verde Tunas”.

Nas encostas das serras que eles iam pacientemente atravessando, eram frequentes as cachoeiras. Nestas cachoeiras e corredeiras ao longo da estrada, as caninhas do mato e os cordões de frade estavam sempre presentes, batidas pelo vento formado pela energia das quedas d´água. Um espetáculo para encher os olhos...

Nesta bucólica caminhada, os meninos chegaram na vila de Epitácio Pessoa no fim da tarde. A vila já tinha sido mais importante, mas estava em decadência econômica. As casas de estuque tinham buracos na parede e estavam com aparência de malconservadas. A igrejinha pequena, no alto de uma pequena colina, não dava aparência melhor à vila.

Os rapazes encontraram abrigo numa casa que servia ao mesmo tempo de botequim, escola, residência e engenhoca de cachaça. Ao procurarem um rio para tomar banho, conversaram com alguns meninos da vila. Estes meninos disseram que os homens do lugar não estavam gostando da presença deles ali. Achavam que eles eram policiais procurando marginais e fugitivos  homiziados naquele fim de mundo.

A razão para as suspeitas eram as vestimentas do chefe Beto. Vestido com um culote e portando um capacete, chefe Beto também tinha um revólver na cintura. O porte militar do jovem chefe escoteiro chamou a atenção dos homens da cidade. Ali, naquela vila cheia de fugitivos da justiça, a sua simples presença provocava verdadeiramente esta suspeita.

Entretanto, o que realmente chamou atenção dos rapazes foi a professorinha da vila. Curiosa e bonitinha, ela atraiu a atenção dos rapazes, que ficaram conversando com a moça até a hora de dormir.

Na hora de dormir, chefe Beto ficou com a única cama, tendo os outros que se contentar com o chão. Aquela seria a ultima noite dos rapazes no sertão paranaense.

Nenhum comentário:

Postar um comentário